Chamada número 17: Autoficção: quais os limites de uma literatura calcada no esfacelamento de todo limite

2016-06-28

Muito já se escreveu sobre a autoficção desde que Serge Dubrousvky cunhou o termo em 1977, numa França ainda marcada pelo pós-estruturalismo, mas que já via o autor da morte do autor escrever sua obra prima da indefinição, Roland Barthes par Roland Barthes. Autoficção: o termo criou raízes, ganhou a crítica cultural dos jornais, invadiu o senso-comum. Mas a discussão, longe de esgotada, impõe-se como cada vez mais necessária. Se a interminável sucessão de colóquios acadêmicos e revistas especializadas sobre o tema se enfileiram sem sequer dar conta do número de romances que surgem a cada ano nas resenhas jornalísticas, é porque o gênero está longe do zênite.

 

E não só na França, lar indiscutível do neologismo e do paroxismo das narrativas de si, escritas do eu ou como se preferir nomear a prática de trazer a instância biográfica para o literário sem estatuto definido. Do Canadá à África, dentro ou fora da tradição literária francófona, a produção e o consumo de narrativas que nascem da dimensão autoral do eu não parece estar perto do fim. Prova-o o trabalho de Manuel Alberca sobre a profusão autoficcional recente na Espanha e na América Latina e os romances publicados nos últimos dez anos por Ricardo Lísias, Michel Laub, Cristóvão Tezza ou Marcelo Mirisola no Brasil, e a pouca monta do debate acadêmico em torno de seu estatuto, seu impacto, sua especificidade local.

 

O que propomos nessa edição da revista Criação & Crítica é testar todos os limites desse debate contemporâneo em torno da autoficção: qual sua especificidade, dentro e fora do discurso autoral e do próprio romance: metaliteratura, ensaio de si, vanguarda? O que traz a autoficção para seu leitor? E qual o papel desse leitor em relação ao autor, ao texto, ao universo literário que se constrói sobre bases tão conceitualmente frágeis? Como opera a recepção, por meio de quais jogos estéticos? E como se estrutura o edifício do valor literário em oposição à crítica (não rara) de que nada disso é literatura? Testar os limites do debate impõe-se a um gênero que vive de embaralhar tais limites: entre o factual e o imaginativo (real/biográfico versus fantasia/ficcionalização), estão documentos reais, trechos de diário, de outros romances, intertextualidades, provocações de toda ordem. O que sobra dessa terra arrasada que emerge de um romance de Christine Angot ou de Enrique Vila-Matas? E qual o limite desse jogo entre o ético e o estético (e entre o político e o jurídico), quando nomes e histórias de vida que jazem no romance parecem projetar um fora do texto, em alguma instância real? No ínterim dessas perguntas todas, onde está o próprio dessa literatura?

 

Esperamos contribuições que reflitam sobre tais questões e busquem, tanto na teoria como na análise concreta dos romances e outros textos ligados à autoria da obra literária, um pensamento original sobre o lugar do eu na literatura contemporânea.

As contribuições devem ser enviadas através do site, de acordo com as normas da revista, até o dia 15 de setembro de 2016.

A revista aceita artigos em português, francês, espanhol e inglês, além de resenhas, traduções e exercícios de estilo (textos na fronteira entre o crítico e o literário).

http://www.revistas.usp.br/criacaoecritica