Em entrevista concedida à Revista Literartes, a Profa. Doutora Glória Maria Lourenço Bastos fala sobre o cenário da literatura infantil e juvenil em Portugal, destacando autores e obras importantes, reflete sobre o mercado editorial, dentre outros assuntos. A entrevistada é professora auxiliar das áreas de Didática do Português e Literatura para Crianças no Departamento de Ciências da Educação da Universidade Aberta, bem como coordenadora do Curso de Especialização em Gestão da Informação e Bibliotecas Escolares. Defendeu tese de doutoramento em Lisboa, em 2002, com o título: Múltiplas Vozes – Sobre A Construção do Individual e do Social no Teatro para Crianças.
Sendo o encontro apontado, o 1º realizado pela SPA, na verdade, ao longo das últimas décadas, têm sido promovidos muitos encontros por várias instituições e diferentes organismos. Provavelmente, o mais conhecido é o Encontro de Literatura para Crianças, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, que chegou à sua décima oitava edição em 2008.
A Literatura para Crianças e Jovens conheceu um desenvolvimento significativo, a partir sobretudo da década de 80 do século XX. Tem sido objeto de estudos variados, realizados por professores e investigadores desta área. Nos últimos anos também, em algumas Universidades portuguesas, têm surgido diversos trabalhos académicos, designadamente um número já considerável de dissertações de mestrado e algumas teses de doutoramento, desbravando autores e obras atuais da LIJ, ao lado de alguns trabalhos de índole mais histórica.
Temos uma revista específica sobre Literatura para Crianças, com o título Malasartes, que, apesar de ter enfrentado algumas dificuldades em termos editoriais nos últimos anos, continua a ser publicada. Essa revista destaca as novidades mais interessantes que vão surgindo no mercado português e publica igualmente alguns artigos temáticos.
Mas neste momento, a forma mais rápida e fácil de conhecer o que vai acontecendo na literatura para crianças e jovens em Portugal será através do site Casa da Leitura, onde é possível encontrar informação atual e de extrema importância para esta área da literatura e da cultura.
A informação que vou transmitir é certamente incompleta. Posso referir que, nos últimos anos, há duas coleções com grande sucesso que foram adaptadas como séries para televisão:
A coleção “Uma Aventura”, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada (desta colecção, o livro Uma aventura na casa assombrada foi realizado para cinema, em 2009) e a coleção “Triângulo Jota” de Álvaro Magalhães.
A maior flor do mundo, livro para crianças de José Saramago, teve uma adaptação para cinema de animação, disponível no youtube. Há um clássico da nossa literatura para crianças, o livro O Romance da raposa (1924), de Aquilino Ribeiro, que teve também, creio que em 1988, uma adaptação para cinema de animação e foi transmitida pela televisão numa série com vários episódios que narram pequenas aventuras da personagem principal, a raposa “Salta-Pocinhas”.
Ana de Castro Osório é uma figura importante, de que ainda se fala, sobretudo pelo seu papel durante a 1ª República, em Portugal em defesa da educação e das mulheres. Na área da literatura infantil, não é a primeira autora que escreveu para crianças em Portugal. É, no entanto, uma das figuras mais relevantes do princípio do século XX, conhecida principalmente pelas suas adaptações de histórias tradicionais. Algumas foram publicadas ainda no século XIX, mas têm sido reeditadas em novas edições. Alguns dos seus livros, “aprovados para uso nas escolas” (era esta a indicação que encontramos registada em diversas obras de Ana de Castor Osório), foram de facto utilizados em Portugal e no Brasil: são livros marcados pelo ideário republicano, com personagens-crianças que ilustram os benefícios da instrução e da educação cívica, segundo os princípios preconizados pela República.
Atualmente, destacam-se alguns nomes que merecem ser mencionados pela qualidade da sua escrita: Alice Vieira, Álvaro Magalhães, Manuel António Pina (que ganhou, em 2011, o Prêmio Camões), Ana Saldanha, António Torrado, Luísa Ducla Soares. Estes são autores bastante lidos e muito apreciados por diferentes faixas etárias, que já possuem uma vasta obra. Posso afirmar que, sobretudo na área da literatura infantil, temos um conjunto alargado de escritores que tem publicado de forma regular e vem cumprido padrões de qualidade bastante bons. Nos últimos anos, surgiram também ilustradores que se têm destacado e que têm contribuído para uma melhoria significativa na arte do livro infantil (só alguns exemplos, que não esgotam um conjunto recente de óptimos ilustradores: André Letria, Danuta Wojciechowska, João Caetano, Teresa Lima, Evelina Oliveira, Madalena Matoso, Bernardo Carvalho).
Em Portugal, todas as Escolas Superiores de Educação, que formam Educadores de Infância e Professores para o 1.º ciclo do ensino básico (6-9 anos) têm no plano curricular dos seus cursos uma área de Literatura Infantil. Encontramos também essa área em algumas Universidades integrada em cursos de formação de professores, portanto com uma relação forte com o campo da Educação. Mas temos algumas situações que escapam a essa orientação mais comum: por exemplo, na minha Universidade (Universidade Aberta), temos uma disciplina de Literatura Infantil e outra de Literatura Juvenil num curso na área das Bibliotecas – a Licenciatura em Ciências da Informação e da Documentação. Nesse caso, a literatura para crianças e jovens é perspectivada mais no campo da mediação leitora e no papel das bibliotecas para o desenvolvimento da leitura e, não, apenas na dimensão escolar e na relação com o trabalho do professor.
Sim, considero que o escritor Aquilino Ribeiro, com o seu Romance da Raposa (1924), ocupa um lugar semelhante ao de Monteiro Lobato. Aquilino, um artista na arte da palavra, escreve esse livro sem concessões, dedicando às crianças a riqueza da sua linguagem, numa pequena novela que gira em torno das aventuras de uma raposeta. Em 1936, publica outro livro, em que os animais são novamente os protagonistas: Arca de Noé – III Classe.
Pois, essa polêmica também existe em Portugal. Não será este o espaço para uma discussão sobre o assunto, por isso faço apenas duas perguntas: sem formação e investigação na área da Ciências Humanas, qual será o futuro do pensamento civilizacional? Por exemplo, sem o conhecimento histórico ou o conhecimento filosófico, como seria a sociedade do futuro? Para mim, seria uma sociedade sem memória e sem capacidade de análise. Em relação aos cursos de professores, continuam a ter alguma procura entre nós, apesar das muitas dificuldades que vão existindo, que passam quer pela dificuldade em encontrar colocação (a diminuição demográfica tem as suas implicações, mas também decisões de caráter econômico), quer por alguma desvalorização da profissão.
Em Portugal, depois de alguns anos de crescimento significativo, em termos editoriais, entramos na “recessão” e volta a ser mais difícil publicar, sobretudo para os jovens autores. Ainda assim, a área da literatura para crianças e jovens é uma das que tem resistido mais às dificuldades, sobretudo pelo apoio que surgiu com o Plano Nacional de Leitura (2007), que criou um certo ambiente propício ao livro infantil, a partir dos projetos que foram implementados. Também as bibliotecas escolares desfrutaram de um desenvolvimento acentuado desde 1997, e isso tem sido importante para o livro e para a leitura. O último estudo que foi feito sobre os índices de leitura dos portugueses, em 2007, revelou um aumento interessante a esse nível.
Os escritores portugueses na área da literatura para crianças e jovens têm muita dificuldade em penetrar noutros países. São poucos os autores e as obras que têm sido traduzidos. O caso mais significativo será o da nossa autora mais conhecida em termos europeus, que fez parte da “Honour list” do IBBY, em 1994: refiro-me à Alice Vieira.
Há alguns novos autores que têm vindo a conseguir marcar a sua presença na literatura infantil em Portugal, embora não tenham surgido muitas novidades nos últimos anos, nesta área. Eu destacaria, na escrita para os mais novos, alguns autores que surgiram já no século XXI: David Machado, Carla Maia de Almeida, Isabel Minhós Martins, Margarida Botelho. Em relação aos autores brasileiros, na verdade eles chegam ao nosso mercado através das edições realizadas no Brasil. Não vejo muitos autores publicados em editoras de Portugal e desconheço a razão.
Eu penso que, em relação à área da literatura, e sobretudo do livro infantil e juvenil, o suporte livro ainda irá permanecer durante muito tempo. Tenho uma opinião diferente em relação a outras zonas da escrita – por exemplo, penso que o ensaio irá rapidamente acabar na edição em livro. Mas no livro infantil, o trabalho ao nível da imagem ainda precisa do suporte em papel e do formato livro para conseguir alcançar toda a expressividade que caracteriza essa forma de arte. Neste sentido, livro e tela continuarão a ser companheiros durante algum (muito?) tempo.