Civilidade, distinção e identidade nacional nas páginas do Cozinheiro Imperial (1840)

Autores

  • Patrícia Maria da Silva Merlo Universidade Federal do Espírito Santo

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p189

Palavras-chave:

Cozinheiro Imperial, História da alimentação, Civilidade, Identidade nacional, Receituário

Resumo

A chegada da Corte lusa ao Rio de Janeiro, em 1808, reforçou a importância da alimentação como critério de diferenciação social. Saber comportar-se em público, sobretudo à mesa, era essencial para os membros da elite local por expressar sua conformidade cultural e social com os pares portugueses. Aliás, tal forma de comportamento, replicada dos modelos de comportamento das cortes europeias, converteu-se em um dos meios que as elites açucareira e cafeicultora encontraram para sustentar sua distinção social, nos termos de Pierre Bourdieu. No decurso do século XIX, o Rio de Janeiro, capital do país, corte da monarquia e maior porto comercial, converteu-se no modelo de comportamento que deveria moldar o novo país. Contudo, mesmo após a independência, a elite local continuou a se europeizar, assinalando mais profundamente a distinção entre os vários grupos que compunham a sociedade brasileira.

O primeiro receituário nacional nasceu nesse cenário, Cozinheiro Imperial, publicado em 1840. Sua principal base foram os livros portugueses Arte de Cozinha, de autoria de Domingos Rodrigues, publicado em 1680, e Cozinheiro Moderno, de Lucas Rigaud, datado de 1780. Soma-se a isso a influência francesa, em menor medida. Todavia, diferentemente de Portugal, no Brasil ainda se estava vivenciando a fixação de um discurso sobre a alimentação, tanto nas relações com a prática culinária, quanto com seu aspecto discursivo. Por isso, muitas novidades ligadas à emergência da gastronomia enquanto campo autônomo aparecem de maneira pálida em Cozinheiro Imperial. De fato, o primeiro livro de cozinha brasileiro não atesta uma “culinária brasileira”, mas suas reedições parecem apontar que a ampliação do público leitor implicou na reinterpretação e inclusão de ingredientes e modos de preparo mais ao gosto local. Acreditamos que o uso crescente de ingredientes locais e de receitas à brasileira pode ser interpretado como indício do lento delineamento da cozinha nacional, que caracterizou a emergência das cozinhas regionais no final do século XIX. Como apontado por Carlos Dória, o Cozinheiro Imperial representou o esforço inicial de nacionalização do saber culinário e, por essa razão, foi um marco na formação do pensamento brasileiro sobre o comer entre a elite agrária e os setores urbanos do país. No entanto, esse esforço esteve associado ao que a elite quis comer como construção de nacionalidade, preservando-se, pari passu, fiel ao modo de vida europeizado. Não obstante, Cozinheiro Imperial, apesar de reunir receitas aos moldes internacionais, já integrava na sua apresentação o apelo para que o livro fosse abrasileirado. Assim como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro começava a escrever uma história do Brasil, o receituário colaborou para o fortalecimento dessa identidade nacional em construção.

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Biografia do Autor

  • Patrícia Maria da Silva Merlo, Universidade Federal do Espírito Santo

    Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora vinculada ao Programa de História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo.

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Publicado

2019-11-30

Como Citar

Civilidade, distinção e identidade nacional nas páginas do Cozinheiro Imperial (1840). (2019). Revista Ingesta, 1(2), 189. https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p189