Continuidades e descontinuidades: a Arqueologia Aratu-Sapucaí e a história indígena ‘Cayapó’

Autores

  • Gabriel Zissi Peres Asnis Universidade Federal de Uberlândia
  • Marcel Mano Universidade Federal de Uberlândia

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2020.163394

Palavras-chave:

Aratu-Sapucaí, Cayapó, Mossâmedes, tradições arqueológicas, história dos contatos

Resumo

O artigo busca problematizar as associações diretas e acríticas entre grupos ceramistas da tradição arqueológica Aratu-Sapucaí e grupos conhecidos na documentação como “Cayapó”. Nas regiões dos atuais Triângulo Mineiro, alto Paranaíba, sul de Goiás e norte de São Paulo, a sobreposição espaço-temporal de ocupações de grupos daquela tradição e os mencionados nas fontes fez propor uma continuidade cultural entre povos afastados historicamente. A imagem de uma história linear e de uma cultura fossilizada esqueceu-se que os índios das fontes documentais foram descritos em situação colonial, um ambiente marcado por intensos contatos e disputas de interesses. De fato, tanto dados arqueológicos como documentais insistem em mostrar constantes contatos e transformações. Registros fósseis dessa tradição apontam influências de outras; e registros documentais dos “Cayapó” evidenciam uma complexa e intricada rede de relações com diferentes alteridades. Por isso, tanto a história dos grupos produtores da cerâmica Aratu-Sapucaí como a dos “Cayapó” coloniais não podem ser pensadas como isoladas, mas compostas de fronteiras porosas nas quais se expandiram, se retraíram e se sobrepuseram uma série de agenciamentos. Nessas fronteiras moldadas pelos contatos transitaram em redes não estruturadas pessoas, bens simbólicos, materiais, conhecimentos e técnicas que, por todos os lados e em todas as direções, direta ou indiretamente, impactaram e renovaram tradições. Sob essas condições, artefatos arqueológicos devem ser o registro físico dessas mudanças e não a evidência de uma continuidade. O artigo mobiliza então dados da Arqueologia, da História Indígena e da Antropologia com o propósito de levantar barreiras no trajeto que leva grupos do passado pré-colonial a aterrissarem no contexto colonial, ou vice-versa.

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Biografia do Autor

  • Gabriel Zissi Peres Asnis, Universidade Federal de Uberlândia

    Graduado em História e Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS/INCIS – da Universidade Federal de Uberlândia. Técnico em Arqueologia na Fundação Araporã de Araraquara. Professor na Oficina de Estudos em Ribeirão Preto e no Curso Pré-Vestibular para jovens e adultos da UFSCar. Membro do Grupo de Estudos em Arqueologia, Etnologia e História Indígena (GEPAEHI) da Universidade Federal de Uberlândia

  • Marcel Mano, Universidade Federal de Uberlândia

    Doutor em Antropologia. Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS/INCIS e do Programa de Pós-Graduação em História – PPGHI/INHIS da Universidade Federal de Uberlândia. Coordenador do Grupo de Estudos em Arqueologia, Etnologia e História Indígena (GEPAEHI) da Universidade Federal de Uberlândia

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Publicado

2020-06-30

Como Citar

ASNIS, Gabriel Zissi Peres; MANO, Marcel. Continuidades e descontinuidades: a Arqueologia Aratu-Sapucaí e a história indígena ‘Cayapó’. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Brasil, v. 34, n. 34, p. 154–173, 2020. DOI: 10.11606/issn.2448-1750.revmae.2020.163394. Disponível em: https://revistas.usp.br/revmae/article/view/163394.. Acesso em: 25 abr. 2024.