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A mulher e o poder de comunicação das vestes em Ilíada e Odisseia

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, SP, Brasil

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É interessante saber que a palavra “texto”, hoje em dia com o sentido de “estruturação de palavras”, “composição literária” ou “narrativa escrita”, originalmente significava “tecer” ou também “material de tecido”. Essas informações são pertinentes para entender a importância das vestimentas como meio de comunicação e expressão do poder feminino encontrado nos dois textos mais antigos da literatura ocidental: Ilíada e Odisseia, obras atribuídas ao grego  Homero.

A própria  existência  do  poeta  Homero  e também  a autoria dessas  duas  obras  são  questões  polêmicas, pois como nos conta Lilian A. Sais, no  artigo  recém-publicado  na Revista  Criação  &  Crítica: “Não sabemos muito sobre a forma como os poemas foram compostos“. Embora , aparentemente, “não tenham sido postos por escrito antes do século VI a.C.” , tudo  indica  que  são, na verdade, “fruto de uma tradição épica de composição oral“. Enfim, a proposta da autora é contar como as vestes aparecem nos poemas homéricos: “ a tecelagem, sendo um trabalho exclusivamente feminino em Homero, é importante para que as mulheres obtenham prestígio e fama“, expressando também, particularmente em Odisseia, a vestimenta como símbolo de consolidação de hospitalidade – conceito muito importante para os gregos do período arcaico.

Se Ilíada conta a guerra de 10 anos entre gregos e troianos, Odisséia conta a saga do  grande guerreiro grego Odisseu (Ulisses) em seu retorno ao lar e aos braços de Penélope, sua mulher. Esta, por sua vez, durante os últimos três anos de ausência do marido, engana seus 108 pretendentes com uma cilada: tece uma mortalha que nunca fica pronta. Assim, A. Sais  nos revela a ligação entre “a tecelagem, a  astúcia e  a  fala“, pois, em ambas as obras, só as mulheres fiam e tecem: “a  ligação entre tecelagem e engano está bem enraizada no texto homérico, […] o verbo ‘tecer’ pode ser usado no sentido literal, de tecer vestes, ou no sentido metafórico, de tecer uma astúcia, um dolo ou um engano“. Na sociedade grega antiga, não se dava a palavra à mulher, mas nem por isso ela se calava, segundo a autora: “Em vez de falar, elas tecem. As mulheres, silenciadas, tecem, produzindo uma ‘fala metafórica’, ou seja,  fazendo  um  ‘material  silencioso falar'”.

Na obra Odisseia, Helena não deixa de ser também narradora da Guerra de Troia, pois passa a “tecer” os acontecimentos aí desenrolados, como se observa no Canto III – nossa heroína é aqui tomada em dubiedade, pois “ao mesmo tempo em que as mulheres podem ser vozes da verdade, como profetizas e professoras, podem também dar à mentira forma e aparência de verdade“, explica A. Sais. As vestes são confeccionadas por mulheres e consideradas elementos-chave – elas comunicam: “Numa sociedade machista em que a mulher era constantemente silenciada, a tecelagem era uma das poucas formas que ela tinha de se comunicar. Não são poucos os mitos que abordam o poder de comunicação pictórico dos mantos e das vestes produzidos pelas mulheres.”

A autora  observa  que  Helena  executa  a  tecelagem  tão  perfeitamente  que  adquire fama e glória, ” Como se a veste fosse um símbolo das mãos que a produziu“. A importância das vestes e sua criadora permeia toda a obra, como se observa nestes exemplos: “ a  veste que oferta a Telêmaco é um monumento de suas mãos, sugerindo uma associação impossível de ser desfeita entre o objeto e o seu criador“; e “as vestes, que em Homero são tecidas exclusivamente por mulheres, representam uma importante função em cenas de reconhecimento e hospitalidade, e frequentemente há uma referência ao menos implícita às mãos de quem as concebeu“, conclui A. Sais.

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Artigo

SAIS, Lilian Amadei. Vestes que falam: a tecelagem e as personagens femininas dos poemas homéricos. Revista Criação & Crítica, São Paulo, n. 15, p. 7-19, dec. 2015. ISSN 1984-1124. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/102115>. Acesso em: 01 apr. 2016. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.1984-1124.v0i15p7-19.

Contato

Lilian Amadei Sais – Doutoranda em Letras Clássicas (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo).
E-mail: liliansais@gmail.com

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