Gênero em tradução: além do monolinguismo, de Judith Butler

Autores

  • Judith Butler University of California, Berkeley
  • Fernanda Miguens Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • Carla Rodrigues Universidade Federal do Rio de Janeiro

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.1517-0128.v39i2p364-387

Palavras-chave:

Gender, Sexo, Tradução, Monolinguismo, Vida vivível

Resumo

As reflexões anglófonas e teóricas sobre gênero muitas vezes assumem o caráter generalizante das suas próprias afirmações sem antes colocar a pergunta sobre se o “gender” existe como termo, ou se existe da mesma maneira em outras línguas. Parte da resistência à entrada do termo “gender” em contextos não anglófonos surge de uma resistência anterior ao inglês ou, de fato, apoiada na sintaxe de uma língua na qual as questões de gênero são resolvidas através de inflexões verbais ou de uma referência implícita. É claro que uma forma mais abrangente de resistência tem relação com os medos de que a categoria possa produzir, por si mesma, formas de liberdade sexual e desafios para as hierarquias existentes na língua para a qual está sendo traduzida. O ataque político e organizado ao gênero e aos estudos de gênero que está acontecendo no mundo todo tem muitas fontes, mas não é esse o foco desse ensaio. Este ensaio sustenta que não pode existir teoria de gênero sem tradução e que o monolinguismo anglófono muitas vezes assume que o inglês constitui uma base suficiente para as afirmações teóricas sobre gênero. Além disso, na medida em que o uso contemporâneo do termo “gender” vem de uma criação introduzida por sexólogos e, posteriormente, reapropriada pelas feministas, desde o início o termo esteve vinculado à inovação gramatical e aos desafios sintáticos. Sem um entendimento da tradução – com sua prática e seus limites – os estudos de gênero não podem existir num enquadramento global. Finalmente, o processo de se tornar de um gênero, ou de mudar de gênero, requer tradução para comunicar outros termos de reconhecimento das novas modalidades de gênero. Sendo assim, a tradução é parte constitutiva de qualquer teoria de gênero que busque ser multilíngue e aceite o caráter historicamente dinâmico das línguas. Esse enquadramento pode facilitar o caminho para o reconhecimento de diferentes gêneros, assim como de diferentes considerações sobre a identidade de gênero (essencialista, construtivista, processual, interativa, interseccional), que requerem tanto a tradução quanto uma definição de seus limites. Sem a tradução e a invenção histórica do termo “gender” não há como compreender a categoria dinâmica e mutável do gênero ou as resistências que ela hoje enfrenta.

Downloads

Os dados de download ainda não estão disponíveis.

Biografia do Autor

  • Judith Butler, University of California, Berkeley

    Judith Butler é Maxine Elliot Professor no Departamento de Literatura Comparativa e no Programa de Teoria Crítica na Universidade da Califórnia, em Berkley. Ela é autora de vários livros, incluindo: Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity (1990), Undoing Gender (2004), Who Sings the Nation-State?: Language, Politics, Belonging (com Gayatri Spivak, 2008), Parting Ways: Jewishness and the Critique of Zionism (2012), Dispossession: The Performative in the Political escrito com Athena Athanasiou (2013), e Senses of the Subject e Notes Toward a Performative Theory of Assembly (2015). Em 2016, ela publicou um volume coeditado, Vulnerability in Resistance, com a Duke University Press. Os seus livros foram traduzidos em mais de vinte idiomas. Atualmente ela é co-diretora do Consórcio Internacional dos Programas de Teoria Crítica. Ela pode ser encontrada por meio do endereço eletrônico philoSOPHIAjcf@gmail.com.

  • Fernanda Miguens, Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Tradutora, mestra e doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

  • Carla Rodrigues, Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Professora de Filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora da Faperj.

Referências

ADORNO, Theodore W. “On the Use of Foreign Words in Writing.” In: Notes on Literature. New York: Columbia University Press, 1958.

AGACINSKI, Sylviane. Femmes entre sexe et genre. Paris: Seuil, 2012.

AIZURA, Aren; STRYKER, Susan. The Transgender Studies Reader, Vol. 2. New York: Routledge, 2013.

BARAD, Karen. “Posthumanist Performativity: Toward an Understanding of How Matter comes to Matter”. Signs, v. 28, n. 3, 2003, pp. 801-831.

BUTLER, Judith. “Seduction, Gender, and the Drive.” In: FLETCHER, John; RAY, Nicholas (Eds.). Laplanche, Theory, Culture. London: Lawrence and Wishart, 2014.

BUTLER, Judith; ATHANASIOU, Athena. Dispossession: The Performative in the Political. Cambridge, UK: Polity Press, 2013.

CASSIN, Barbara; APTER, Emily; LEZRA, Jaques (Eds.). The Dictionary of Untranslatables: A Philosophical Lexicon. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2014. [CASSIN, Barbara; SANTORO, Fernando; BUARQUE, Luisa. Dicionário dos intraduzíveis. Volume um: línguas. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.]

CLUNE-TAYLOR, Catherine. “From intersex to DSD: The Disciplining of Sex development”. PhanEx: Journal of Existencial and Phenomenological Theory and Culture, v. 5, n. 2, 2010, pp. 152-178.

DERRIDA, Jaques. Monolinguism of the Other. Stanford, CA: Stanford University Press, 1998. DERRIDA, Jaques. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Tradução: Fernanda Bernardo. Porto: Campo das Letras, 2001.]

DREGER, Alice. “Why ‘Disorders of Sex Development’? (On Language and Life).” 17 nov. 2007. Disponível em: alicedreger.com/dsd. Acesso em: out. 2021.

FAUSTO-STERLING, Anne. Sex/Gender: Biology in a Social World. New York: Routledge, 2012.

FLETCHER, John. Freud and the Sexual. London: International Psychoanalytic Books, 2011.

GERMON, Jennifer. Gender: A Genealogy of an Idea. Basingstoke, UK: Palgrave Macmillan, 2009.

GOLDIE, Terry. The Man Who Invented Gender: Engaging the Ideas of John Money. Vancouver: University of British Columbia Press, 2014.

HALBERSTAM, Jack. The Queer Art of Failure. Durham, NC: Duke University Press, 2011. HALBERSTAM, Jack. A arte queer do fracasso. Tradução: Bhuvi Libanio. Recife: Cepe, 2020.]

JOHNSON, Barbara. The Wake of Deconstruction. Cambridge, UK: Blackwell Publishers, 1994.

KARKAZIS, Katrina. Fixing Sex: Intersex, Medical Authority, and Lived Experience. Durham, NC: Duke University Press, 2008.

KRAUS, Cynthia. “Classifying Intersex in DSM-5: Critical Reflections on Gender Dysphoria.” Archives of Sexual Behavior, v. 44, n. 5, 2015, pp. 1147-1163.

LAPLANCHE, Jean. “Gender, Sex, and the Sexual.” Translated by Susan Fairfield. Studies in Gender and Sexuality, v. 8, n. 2, 2008, pp. 201-219.

LAPLANCHE, Jean. Freud and the Sexual. Translated by John Fletcher. London: International Psychoanalytic Books, 2011.

MOI, Toril. Simone de Beauvoir: The Making of an Intellectual Woman. Oxford, UK: Oxford University Press, 2008.

MONEY, John; EHRHART, Anke. Man and Woman, Boy and Girl. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1972.

PERREAU, Bruno. Queer Theory: The French Response. Stanford, CA: Stanford University Press, 2016.

PRECIADO, Paul. Testo Junkie: Sex, Drugs, and Biopolitics in the Pharmacopornographic Era. New York: The Feminist Press, 2013.

PRECIADO, Paul. Testo junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.]

REILLY, Robert R. “Pope Francis vs. Gender Ideology.” The Catholic World Report, 13 ago. 2016. Disponível em: www.catholicworldreport.com/2016/08/13/pope-francis-vs-gender-ideology. Acesso em: out. 2021.

RENNES, Juliette (Ed). Encyclopédie critique du genre. Corps, sexualité, rapports sociaux. Paris: La Découverte, 2016.

RUBIN, Gayle. Deviations: A Gayle Rubin Reader. Durham, NC: Duke University Press, 2011.

SCHWARZER, Alice. Der große Unterschied: Gegen die Spaltung von Menschen in Männer und Frauen. [The Big Difference: Against the Splitting of Human Beings into Men and Women]. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2000.

SCOTT, Joan W; FLOTOW, Luise von. “Gender Studies and Translation Studies: ‘Entre Braguette’ – Connecting the Transdisciplines.” In: Border Crossings: Translation Studies and Other Disciplines. GAMBIER, Yves; DOORSLAER, Luc van (Eds.). Amsterdam; Philadelphia: John Benjamins, 2016, pp. 349-374.

SIMONS, Margaret (Ed.). Feminist Interpretations of Simone de Beauvoir. University Park: Penn State University Press, 1995.

STOLLER, Robert. Sex and Gender: On the Development of Masculinity and Femininity. New York: Science House, 1968.

STRYKER, Susan; WHITTLE, Stephan. The Transgender Studies Reader, Vol. 1. New York: Routledge, 2006.

WITTIG, Monique. The Straight Mind and Other Essays. Boston: Beacon Press, 1992.

Downloads

Publicado

2021-12-21

Como Citar

Gênero em tradução: além do monolinguismo, de Judith Butler. (2021). Cadernos De Ética E Filosofia Política, 39(2), 364-387. https://doi.org/10.11606/issn.1517-0128.v39i2p364-387