Retórica e Memória em algumas estrofes d'Os Lusíadas

Autores

  • Lourival da Silva Burlamaqui Neto Universidade Federal de Pernambuco

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2175-3180.v10i20p5-21

Palavras-chave:

Os Lusíadas. Memória. Retórica.

Resumo

Nas sociedades de corte, o poema épico possuía íntima conexão com o discurso historiográfico. Nesses contextos, o enredo da ficção épica era construído sobre um notável feito da história nacional, cabendo ao escritor reconfigurar esse evento na trama poemática (dispositio) e orná-lo com diversos recursos retóricos (elocutio). Dessa forma, a memória dos feitos nacionais e de outras ações louváveis do passado, à medida que constituía uma espécie de arquivo ao qual o autor recorria com o intuito de encontrar a matéria ideal para seu canto, também servia de parâmetro ao leitor que, averiguando as modificações e acréscimos impostos ao episódio histórico, avaliava a capacidade inventiva do poeta. Os Lusíadas, poema épico de Luís de Camões, insere-se nessa dinâmica e apresenta um notável aproveitamento das crônicas portuguesas medievais e dos relatos de viagem lusitanos, constituindo-se no panteão em que estavam presentes tipos históricos ilustres. O autor português, porém, considerando os preceitos de uma poética estruturada sobre Aristóteles (1984), Horácio (1984) e Quintiliano (2015, 2016) imprimiu variações nas suas fontes, articulando a memória dos feitos nacionais com um tratamento retórico engenhoso. Este artigo analisa algumas estrofes presentes nos cantos III e V de Os Lusíadas à luz do conceito memória e do teor retórico dessas passagens. Emprega-se a primeira definição para demonstrar que várias passagens do poema acumulam referências a textos de épocas diversas, aglutinando, em poucos versos, tempos muito distintos. Demonstra-se, assim, que a memória, além de ser um arcabouço de referências simbólicas, é o fio, a faculdade criadora que viabiliza esse amálgama temporal de imagens anacrônicas. Esse caleidoscópio temporal, como demonstram Alves (2011), Ford (2007) e Hansen (2008), possuía correspondência com a própria estrutura da epopeia, caracterizada pela heterogeneidade de gêneros retóricos. Por fim, trata-se brevemente, através do episódio do Adamastor, do esquecimento no panorama renascentista.

Downloads

Os dados de download ainda não estão disponíveis.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. O tempo que resta: um comentário à Carta aos Romanos. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
ALVES, Hélio. Épica na Literatura Portuguesa do século XVI. In: SILVA, Vítor Aguiar e (coord.). Dicionário de Luís de Camões. São Paulo: Leya, 2011.
ARISTÓTELES. Retórica. São Paulo: Editora WMF, Martins Fontes, 2012.
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.
BARROS, João de; COUTO, Diogo de. Da Asia. Lisboa: Regia Officina Typografica, 1778. Disponível em: HTTPS://archive.org/stream/daasiadejoodeb00barr#page/n7/mode/2up. Acessado em: Maio de 2015.
BENJAMIN, Walter. O anjo da história. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
CAMÕES, Luís de. Obra Completa. Organização, introdução, comentários e anotações de Antônio Salgado Junior. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. (Biblioteca Luso-Brasileira. Série Portuguesa).
CATULO. O livro de Catulo. Tradução, introdução e notas de João Ângelo Oliva Neto. São Paulo: Edusp, 1996.
FORD, Andrew. Epic as Genre. In: BLOOM, Harold (ed.). Homer. New York: Chelsea House, 2007.
GALVÃO, Duarte. Chronica de El-Rei D. Affonso Henriques. Lisboa: Escriptorio, 1906.
HANSEN, João Adolfo. Notas sobre o gênero épico. In: TEIXEIRA, Ivan (org.). Épicos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008b. (Multiclássicos).
HOMERO. Ilíada. Tradução: Frederico Lourenço. São Paulo: Penguim Classics, Companhia das letras, 2014.
_________. Odisseia. Tradução e introdução: Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin Classics, Companhia das Letras, 2014.
HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de arte do Rio, 2015.
MATOS, Maria Vitalina Leal de. Lusíadas (OS). In: SILVA, Vitor Aguiar e (coord.). Dicionário de Luís de Camões. São Paulo: Leya, 2011.
RODRIGUES, José Maria. Estudos sobre os Lusíadas. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010.
SILVA, Luís de Oliveira e. Épica e Guerra. Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa, n. 16, p. 69-89, 2003.
VIRGÍLIO. Eneida. Tradução: Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Editora 34, 2014.

Downloads

Publicado

2018-12-31

Como Citar

Retórica e Memória em algumas estrofes d’Os Lusíadas. (2018). Revista Desassossego, 10(20), 5-21. https://doi.org/10.11606/issn.2175-3180.v10i20p5-21