eeEstudos Econômicos (São Paulo)Estud. Econ.0101-41611980-5357Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade
de São Paulo (FEA-USP)10.1590/0101-416147253efbArticlesA Sustentabilidade do endividamento externo brasileiro no período
1963-72: uma análise empírica♦BastianEduardo F.Universidade Federal do Rio de
JaneiroInstituto de EconomiaRio de JaneiroRJBrazileduardobastian@ie.ufrj.brProfessor - Instituto de Economia -
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ) Endereço: Av. Pasteur, 250
- sala 103, Urca - Rio de Janeiro/RJ CEP: 22290-240 - E-mail:
eduardobastian@ie.ufrj.brUniversidade Federal do Rio de
JaneiroApr-Jun20174723653940910201520022017This is an Open Access article distributed under the terms of the
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unrestricted non-commercial use, distribution, and reproduction in any
medium provided the original work is properly cited.Resumo
O presente artigo analisa o grau de vulnerabilidade externa da economia
brasileira no início do governo presidencialista de João Goulart (1963-64). Para
tanto, utiliza-se de um modelo simples que permite avaliar o grau de solvência
externa de um país ao longo do tempo a partir de projeções para o indicador
passivo externo líquido sobre exportações de bens e serviços. As projeções para
o período 1963-72 sinalizam que o país estava em uma situação de vulnerabilidade
externa naquele momento, mas que esta condição poderia ser contornada através de
uma taxa adequada de crescimento das exportações de bens e serviços. Estas
projeções são contrastadas com o comportamento efetivo da economia brasileira no
período 1963-72. Os resultados mostram que o forte crescimento das exportações
de bens e serviços neste período reduziu o grau de vulnerabilidade externa do
país, mas que, ainda assim, este processo de ajustamento externo entre 1963-72
deve ser relativizado.
Abstract
This article analyzes Brazil's external vulnerability at the beginning of João
Goulart's presidentialist term (1963-64). Based on projections for the indicator
net external liabilities as a share of the exports of goods and services for the
period 1963-72, it shows that Brazil was externally vulnerable in 1963, but this
situation could be reverted in case of a sufficiently high exports' growth rate.
The projections were then contrasted with the actual data of the period 1963-72.
Data showed that Brazil's external vulnerability was reduced thanks to exports
growth, but also dispute the idea that there was an actual external adjustment
process in the period.
O problema da vulnerabilidade externa é um tema que frequentemente preocupou os
economistas brasileiros ao longo do século XX e início do século XXI. Neste período
houve, de fato, inúmeros episódios de crises de balanço de pagamentos, sendo os mais
recentes a crise da dívida externa dos anos 1980 e a crise cambial de 1998-1999. Nos
últimos dez anos, o cenário externo foi mais favorável e não houve nenhum problema
mais agudo nas contas externas. Todavia, diante dos seguidos déficits em conta
corrente nos últimos anos e do déficit da balança comercial em 2014, o tema da
vulnerabilidade externa retornou ao debate brasileiro.
A primeira metade da década de 1960 foi um desses momentos históricos em que as
dificuldades nas contas externas se fizeram sentir. Na realidade, naquele período,
os problemas iam além da questão externa e o Brasil encontrava-se em uma situação
econômica delicada: após a fase de euforia vivida durante o governo de Juscelino
Kubitschek (1956-61), a economia começava a sofrer com um quadro de aceleração da
inflação e taxas de crescimento cadentes. Ao mesmo tempo, o contexto político era
também conturbado e, entre 1961 e 1963, o regime político foi modificado duas vezes.
Foi nesse contexto turbulento que o Plano Trienal foi formulado no último trimestre
de 1962 para ser o plano econômico de João Goulart para o triênio 1963-65 caso a
opção pelo presidencialismo saísse vitoriosa - como acabou ocorrendo - no plebiscito
de janeiro de 1963.1 O Trienal tinha por
objetivo controlar a inflação e retomar o processo de crescimento econômico. No
entanto, para atingir este duplo propósito, era preciso enfrentar muitos desafios,
dentre os quais um dos mais prementes, que era o de lidar com os problemas de
balanço de pagamentos a que o país estava sujeito à época. Segundo a visão exposta
no plano, haveria, para o período 1963-65, pagamentos externos vultosos - sob a
forma de amortizações e juros - além da previsão de déficits em conta corrente e no
balanço de pagamentos. No caso, os dados apresentados no Trienal previam pagamentos
ao exterior no triênio 1963-65 da ordem de US$ 1,66 bilhão, e estimava déficits em
transações correntes que, na soma do referido triênio, chegariam a US$ 545 milhões
(PLANO TRIENAL, 1962:21-22). Neste
contexto, os formuladores do Trienal apontavam, inclusive, para a urgência de obter
acordos de refinanciamento da dívida externa.
O presente artigo tem por objetivo avaliar qual era o grau de vulnerabilidade externa
a que estava exposta a economia brasileira no começo do ano de 1963, ou seja,
precisamente no início do mandato presidencialista de João Goulart. Para tanto,
utiliza-se um modelo simples inicialmente formulado por Mário Henrique Simonsen em
fins dos anos 1970 e posteriormente refinado pelo próprio Simonsen e por Rubens
Penha Cysne, o qual permite avaliar o grau de solvência externa de um país ao longo
do tempo a partir de projeções para o indicador passivo externo líquido sobre
exportações de bens e serviços. Em particular, pretendese aqui avaliar o grau de
solvência externa da economia brasileira em 1963 a partir de projeções desse
indicador para o período 1963-72. Modelos deste tipo e exercícios de avaliação de
sustentabilidade do endividamento externo foram muito populares durante a crise da
dívida nos 1980 e, posteriormente, durante outras fases em que a economia esteve
mais exposta a crises de balanço de pagamentos, como foi o caso da segunda metade
dos anos 1990 e começo dos anos 2000.2 Todavia,
exercícios desta natureza ainda são escassos para períodos históricos anteriores à
segunda metade da década de 1970. Assim, ao fornecer uma medida quantitativa de
solvência externa do Brasil em 1963, o presente trabalho pode contribuir para uma
melhor compreensão do grau de vulnerabilidade externa a que estava sujeita a
economia brasileira naquele período.
Após calcular a trajetória prevista do indicador passivo externo líquido sobre
exportações de bens e serviços para o período 1963-72, o artigo compara a trajetória
estimada do indicador de solvência externa para o período 1963-72 - a partir dos
parâmetros do final de 1962 - com o comportamento efetivamente descrito por esse
indicador no período 1963-72. No caso, o objetivo é analisar como as políticas
implantadas no período contribuíram para melhorar (ou piorar) a solvência externa da
economia brasileira em relação ao que seria esperado a partir dos parâmetros de
1962. Nesse contexto, haverá uma análise das políticas implantadas durante o governo
presidencialista de João Goulart (19634) e, especialmente, das políticas adotadas
durante os três primeiros governos da ditadura militar.
O artigo está dividido em duas seções, além desta introdução e das conclusões. A
segunda é dedicada à apresentação do modelo de Simonsen e Cysne e aos cálculos. No
caso, projeta-se o comportamento do indicador passivo externo líquido sobre
exportações de bens e serviços no período 1963-72, a partir das condições vigentes
ao final de 1962. Além disso, caso a projeção indique um comportamento explosivo do
endividamento externo brasileiro para o período em questão, calcula-se a taxa de
crescimento das exportações que seria requerida para estabilizar o grau de
endividamento. A terceira seção, por sua vez, discute os resultados obtidos na seção
anterior, comparando estes resultados das estimações com o comportamento efetivo das
variáveis no período 1963-72 e analisando as razões que explicam as eventuais
discrepâncias.
2. A sustentabilidade do endividamento externo brasileiro (1963-72)
O grau de vulnerabilidade externa de um país pode ser avaliado a partir de um
exercício simples, bastante utilizado no Brasil durante a crise da dívida externa
nos anos 1980. Trata-se de um exercício baseado em um modelo proposto por Mário
Henrique Simonsen e Rubens Penha Cysne, modelo este que foi inteiramente construído
a partir de relações básicas da Contabilidade Social, não estando atrelado,
portanto, a hipóteses teóricas específicas ou a aspectos singulares do Brasil. Esta
característica faz com que este modelo possa ser replicado em outros contextos
históricos e para o caso de outros países. Noutros termos, trata-se de um modelo
útil para analisar o problema da vulnerabilidade externa no Brasil não apenas no
passado, mas também hoje em dia no presente, sendo que a sua aplicação não se
restringe ao caso brasileiro, podendo, por exemplo, ser utilizado também para
avaliar o caso dos países europeus que hoje enfrentam dificuldades nas contas
externas.
No caso, a intenção do modelo é observar como evolui no tempo a capacidade de um país
de honrar as suas dívidas caso sejam mantidas as condições econômicas vigentes em um
determinado ano arbitrariamente escolhido. Noutros termos, pensando no caso
brasileiro quando do começo do governo presidencialista de João Goulart, o exercício
permite observar como evoluiria no tempo a capacidade de o Brasil honrar seus
compromissos externos, mantidas as condições prevalecentes no começo do ano de 1963,
momento em que se inicia a fase presidencialista do governo Goulart.
Assim, tal como proposto por Simonsen & Cysne
(1989), o exercício está baseado na Equação 1, a qual permite avaliar o comportamento esperado do
grau de solvência externa de um país a partir de determinadas condições
iniciais.3
zt=z0−h/i−xei−xt+h/i−x
z0 = valor inicial da relação passivo externo líquido sobre exportações de
bens e serviços
h = superávit da balança comercial sobre exportações de bens e serviços4
i = taxa de remuneração do passivo externo líquido
x = taxa instantânea de crescimento das exportações de bens e serviços
t = tempo
No caso, a variável z resulta da razão entre o passivo externo
líquido do país e suas exportações de bens e serviços. O passivo externo líquido
mede o montante de passivos externos (descontados os ativos) que um país possui em
determinado momento do tempo. Mais precisamente, segundo Simonsen & Cysne (1989), o passivo externo líquido era
igual a:
Saldo devedor dos empréstimos contraídos pelo país no exterior -
Saldo credor dos empréstimos concedidos pelo país ao exterior + Estoque
de capitais estrangeiros de risco investidos no país - Estoque de
capitais nacionais de risco investidos no exterior + Saldo das
obrigações a curto prazo do país com o exterior - Saldo das reservas
internacionais - Saldo das reservas bancárias no exterior
(SIMONSEN; CYSNE, 1989:71).
A variável z (passivo externo líquido sobre exportações de bens e
serviços) fornece uma medida de capacidade de pagamento de um país, uma vez que
corresponde aos anos de exportação que seriam necessários para quitar todo o passivo
externo líquido (GIAMBIAGI et al.,
1998:448). Esta característica se deve ao fato de os países devedores não
emitirem moeda internacional, de modo que as exportações são um indicador importante
para os credores internacionais, uma vez que constituem a principal fonte que os
devedores têm para obtenção de divisas (SIMONSEN;
CYSNE, 1989:73-4).
Por fim, quanto à análise do grau de vulnerabilidade externa propriamente, Simonsen & Cysne (1989) propuseram uma
regra de bolso que permite avaliar a sustentabilidade do
endividamento a partir de diferentes valores do parâmetro z. Quando
z < 2, diz-se que o país está em uma situação confortável,
caso z esteja entre 2 e 4, então a posição é duvidosa e, para
z > 4, o país está em situação crítica (SIMONSEN; CYSNE, 1989:74). Originalmente, a
regra foi pensada pelos autores para a segunda metade dos anos 1970, momento em que
havia um grau de liquidez considerável para economias emergentes em função dos
petrodólares. Como o presente estudo foca no final dos anos 1960 e começo dos 1970,
período em também havia ampla liquidez no mercado internacional para emergentes,
parece razoável seguir a regra sugerida pelos autores.
Apesar de a relação passivo externo líquido sobre exportações de bens e serviços ser
um indicador muito utilizado em estudos de vulnerabilidade externa, há algumas
críticas a esse indicador que levam à sugestão de indicadores alternativos. No caso,
a principal crítica deve-se ao fato de o conceito de passivo externo líquido
incorporar diferentes tipos de passivos - como dívidas e o estoque de investimento
direto estrangeiro - de maneira que utilização do valor absoluto do passivo externo
líquido não leva em consideração os impactos que diferentes composições do passivo
podem ter no grau de vulnerabilidade externa. Medeiros e Serrano (2001) apresentam observações interessantes no que
tange a essa questão. Por um lado, destacam que diferentes componentes do passivo
possuem diferentes taxas de remuneração. Por outro, chamam a atenção para o fato de
que a estrutura de prazos depende também da composição do passivo externo (MEDEIROS e SERRANO, 2001:120). Por exemplo, a
estrutura de prazos de investimentos estrangeiros diretos é muito distinta daquela
de títulos de dívida externa - em particular de curto prazo. Ademais, dívidas têm
data definida de vencimento, enquanto investimentos apenas sinalizam uma potencial
demanda futura por divisas em algum momento não definido precisamente (LARA, 2012: 20-23). Esse ponto é muito
importante, pois "crises de liquidez externa e a crise cambial propriamente dita em
geral ocorrem apenas quando subitamente os credores externos recusam-se a
refinanciar os compromissos externos que vencem em determinado período" (MEDEIROS e SERRANO, 2001: 120). Assim, para um
dado valor absoluto de passivo externo líquido, quanto menor a participação do IDE e
maior a participação de dívida externa - especialmente de curto prazo - em relação
ao total do passivo externo, mais exposto o país está a uma crise cambial ou de
liquidez em função de uma reversão nos fluxos de capitais (MEDEIROS e SERRANO, 2001: 121; LARA, 2012: 21).5
Diante dessas questões, Medeiros e Serrano
(2001) recomendam a utilização de indicadores alternativos. Dada a
dificuldade prática de distinguir as diferentes taxas de retorno dos diversos
componentes do passivo externo, os autores recomendam analisar a razão déficit em
conta corrente/exportações como indicador da sustentabilidade de uma trajetória de
endividamento externo.6 Ademais, como entendem
que o risco de crise cambial (ou crise de liquidez externa) depende do montante dos
passivos que está para vencer e da capacidade de o país honrar esses compromissos de
curto prazo, recomendam a utilização da razão entre passivos externos de curto prazo
e reservas cambiais como indicador de fragilidade financeira externa (MEDEIROS e SERRANO, 2001: 120-1). Nesse
tocante, Lara (2012) esclarece que é preciso
distinguir liquidez externa de solvência externa. O conceito de solvência diz
respeito à questão da sustentabilidade do endividamento e está atrelada à capacidade
exportadora do país, de modo que pode ser medida por indicadores como passivo
externo líquido sobre exportações de bens e serviços - como em Simonsen e Cysne (1989) - ou pela razão déficit em conta
corrente sobre exportações - como sugerem Medeiros e
Serrano (2001). Por sua vez, o conceito de liquidez externa está ligado à
probabilidade de crises cambiais e deve ser avaliado a partir das reservas
internacionais acumuladas, uma vez que elas medem a capacidade de o país fazer
frente a uma súbita demanda por moeda estrangeira. Nesse contexto, o indicador mais
recomendável seria a razão entre passivos externos de curto prazo e reservas
cambiais (LARA, 2012: 20-1).
Apesar do mérito das observações desses autores, optou-se aqui por seguir a abordagem
original de Simonsen e Cysne (1989), o que,
na prática, significa centrar a discussão na análise da solvência externa e,
ademais, utilizar o passivo externo líquido sobre exportações de bens e serviços
como referência principal para analisar a questão. Como o presente artigo baseia-se
em um modelo proposto por Simonsen e Cysne
(1989), pareceu mais razoável seguir na íntegra a abordagem desses
autores. De todo modo, na parte empírica do artigo sobre o caso brasileiro entre
1962-72, far-se-ão algumas observações em relação aos indicadores déficit em conta
corrente sobre exportações e razão entre passivos externos de curto prazo e reservas
cambiais. Além disso, como foi observado acima que a composição do passivo externo
líquido entre dívida externa líquida e estoque de IDE é algo que pode ser
importante, será apresentada também a variação do indicador dívida externa líquida
sobre exportações de bens e serviços entre 1962 e 1972. A inclusão desses outros
indicadores fornecerá uma perspectiva mais ampla sobre a sustentabilidade do
endividamento externo brasileiro naquele momento do que se a análise ficasse
restrita apenas ao indicador passivo externo líquido sobre exportações de bens e
serviços.
Retornando à Equação 1 proposta por
Simonsen e Cysne (1989), a equação em
questão permite, portanto, avaliar o comportamento esperado do grau de solvência
externa de um país a partir de determinadas condições iniciais. Naturalmente, a
limitação deste tipo de abordagem reside no fato de os valores dos parâmetros se
manterem constantes ao longo do tempo. Assim, os resultados que o modelo fornece
refletem o que irá ocorrer no futuro caso os valores escolhidos para os parâmetros
no ano base não sofram alterações, de modo que as trajetórias obtidas são sempre uma
extrapolação das condições iniciais. Todavia, esta limitação não elimina o interesse
no uso deste instrumental. A verificação de que um país se encontra em uma
trajetória perigosa a partir de determinadas condições iniciais significa,
efetivamente, que este país se encontra em uma situação vulnerável e que deve,
portanto, tomar já no curto prazo medidas para reverter o quadro.
O exercício aqui proposto consite justamente em utilizar a Equação 1 para descrever a trajetória
da capacidade de pagamento dos compromissos externos do Brasil se fossem mantidas as
condições prevalecentes quando o Plano Trienal foi colocado em prática, ou seja, no
primeiro trimestre de 1963. Com isso, ter-se-á uma medida do grau de vulnerabilidade
externa a que estava exposta a economia brasileira quando Goulart iniciou o seu
mandato presidencialista.
Para viabilizar a realização deste exercício, é preciso obter os parâmetros que
descrevem as condições iniciais, o que, no caso, significa tomar os dados referentes
ao fechamento do ano de 1962. Alguns dos parâmetros são simples de calcular, como a
taxa instântenea de crescimento das exportações de bens e serviços, a qual consiste
simplesmente na taxa de crescimento destas exportações entre 1961 e 1962. Outros
requerem um esforço maior. Como não há dados do passivo externo líquido em 1962 e as
estatísticas disponíveis não permitem o cálculo exato, utilizou-se como
proxy o valor da dívida externa líquida de 19567 adicionado pelos resultados da conta corrente
entre 1957 e 1962, dado que, segundo Simonsen e
Cysne (1989), estes valores da conta corrente fornecem aproximadamente a
variação do passivo externo líquido ao longo do tempo (SIMONSEN; CYSNE, 1989:71). Desta forma, o valor aproximado do
passivo externo líquido do Brasil em 1962 era de US$ 4,271 bilhões. Como o valor das
exportações de bens e serviços de 1962 foi de aproximadamente US$ 1,292 bilhão, logo
o valor de z0 foi de 3,304. Por outro lado, como houve um déficit
na balança comercial de quase US$ 293 milhões, a fração das exportações transferida
para o exterior (h) em 1962 foi igual a -0,227.8
O cálculo da taxa de remuneração do passivo externo líquido (i) para
1962 requer, por sua vez, levar em consideração os juros que remuneram a dívida
externa líquida e os lucros e dividendos associados ao estoque de investimento
externo direto e dos investimentos de portfólio. No caso, o cálculo se dá a partir
dos juros e lucros e dividendos de 1962 e da dívida externa líquida e do estoque de
investimento externo direto e dos investimentos de portfólio de 1961. Para
simplificar, consideraremos que a parcela lucros e dividendos em 1962 foi igual a
zero,9 de modo que a taxa de remuneração do
passivo externo líquido é igual à taxa de juros que remunera a dívida externa
líquida. Assim, a taxa de remuneração do passivo externo líquido
(i) para 1962 é calculada a partir da divisão dos gastos com juros
em 1962 - iguais a US$ 121 milhões - sobre o montante da dívida externa líquida do
ano anterior (US$ 2,821 bilhões),10 o que gera
uma taxa igual a 0,043. Os dados estão sumarizados na Tabela 1.11
Parâmetros de 1962
X =
1292,885
Div 1961 =
2821
H =
-292,915
J =
121
h =
-0,227
L+DIV =
0
x =
-0,157
i =
0,043
D =
4271,310
(i-x) =
0,200
z0 =
3,304
h/(i-x) =
-1,136
Fonte: Elaboração Própria.
Assim, a partir dos dados acima expostos, obtém-se a Equação 2, a qual fornece a trajetória da capacidade de
pagamento da economia brasileira mantidas as condições vigentes ao final de 1962.
Neste contexto, cabe lembrar que, como as variáveis (i - x) e h/(i - x) são
parâmetros, os valores calculados para o final de 1962 são tratados como invariáveis
ao longo do tempo no exercício proposto.
zt=3,304+1,136e0,2t−1,136
Os resultados podem ser expressos graficamente, o que tem a vantagem de fornecer uma
visão mais clara sobre a trajetória resultante. Para fins analíticos, um período de
dez anos (1962-72) é um horizonte razoável para avaliar as condições de solvência
externa a partir dos parâmetros de 1962. Assim, a trajetória pode ser visualizada no
Gráfico 1.
Projeção do indicador de solvência externa brasileira
(1962-72)
Fonte: Elaboração própria.
O resultado mostra que o Brasil estava em uma situação extremamente vulnerável,
mantidas as condições vigentes ao final de 1962. Naquele ano de 1962, o indicador
z era igual a 3,304, o que, pela regra de
bolso proposta por Simonsen e Cysne
(1989), indica que o grau de vulnerabilidade externa ainda não era
insustentável, mas já estava em um patamar que levantava dúvidas acerca de sua
sustentabilidade. O Gráfico 1 mostra que,
mantidas as condições vigentes ao final de 1962, o endividamento externo brasileiro
caminharia de forma rápida para uma situação insustentável nos dez anos que se
seguiriam. Segundo a projeção, já em 1963 o indicador chegaria a 4,287,
ultrapassando o nível limite de 4. Este quadro pioraria vertiginosamente, de modo
que em 1966 o indicador já estaria acima de 8 e, em 1972, alcançaria o astronômico
valor de 31,671. Diante desta deterioração do quadro externo, seria impossível que o
país retomasse o crescimento econômico e/ou estabilizasse os preços. Assim,
modificar os indicadores externos era uma questão urgente no contexto de 1963.
Todavia, apesar do caráter crítico da vulnerabilidade externa brasileira mostrado no
exercício anterior, há outro exercício interessante que permite qualificar este
resultado. Este exercício consiste em calcular os requisitos necessários para que,
no espaço de dez anos a partir de 1963, a economia brasileira atingisse um patamar
confiável no que tange à sua solvência externa. Noutros termos, a ideia é obter os
valores dos parâmetros que seriam necessários para o indicador z
ser igual a 2. Em particular, a proposta é calcular qual seria a taxa de crescimento
das exportações que seria necessária para que, no ano de 1972, o indicador
z fosse igual a 2, ou seja, estivesse no limite da
sustentabilidade.
Supondo que (i-x)t = y, pode-se armar o problema da seguinte forma:
zt=3,304+1,136ey−1,136
Para t = 10, pretende-se que z(t = 10) seja igual a 2.
Como y é igual - 0,3477, então, para obter o valor de x, tem-se que igualar este
valor a (i-x)t. Como o tempo (t) é dez anos e i é igual 0,043, o
valor da taxa de crescimento das exportações pode ser facilmente obtido.
0,43−10x=−0,347710x=0,777x=0,078
Dessa forma, a taxa de crescimento das exportações de bens e serviços que garantiria
a sustentabilidade do endividamento externo brasileiro no período 1963-72 seria
igual a 7,8%.
3. As consequências da vulnerabilidade externa: uma discussão sobre o período
1963-72
Os exercícios apresentados na seção anterior mostraram que a situação de solvência
externa do Brasil em 1962 ainda não era insustentável, mas, mantidas as condições do
final de 1962, o endividamento externo explodiria no período 1963-72. Nesse
contexto, a utilização dos indicadores de solvência externa e liquidez externa
sugeridos por Medeiros e Serrano (2001) e
Lara (2012) ajudam a fornecer um quadro
mais completo do grau de vulnerabilidade externa do Brasil no começo do governo
presidencialista de João Goulart.
Do ponto de vista da liquidez externa, a sugestão desses autores era utilizar a razão
entre passivos externos de curto prazo e reservas cambiais. No caso do Brasil do
começo de 1963, esse indicador pode ser obtido a partir dos pagamentos
internacionais de curto prazo - sob a forma de juros e amortizações - que o país
tinha que fazer em 1963 e nos anos seguintes em relação ao montante de reservas
internacionais que o país possuía ao final de 1962. Segundo dados do Plano Trienal,
o Brasil tinha que fazer pagamentos da ordem de US$ 591 milhões em 1963 e de US$
1,66 bilhão no acumulado do triênio 1963-65 (PLANO
TRIENAL, 1962: 21-22). Como as reservas internacionais (liquidez
internacional) ao final de 1962 montavam US$ 285 milhões, as condições de liquidez
externa do Brasil no começo do governo presidencialista de Goulart eram
preocupantes: os passivos de curto prazo de 1963 eram mais do que o dobro das
reservas internacionais, sendo que o montante de passivos de curto prazo para o
triênio 1963-65 equivalia a 5,83 vezes o montante de reservas internacionais que o
país tinha no final de 1962.
O quadro também não era benigno do ponto de vista do indicador de solvência externa
sugerido por esses autores, ou seja, a razão déficit em conta corrente sobre
exportações. No caso, o Brasil registrou um déficit em conta corrente em 1962 da
ordem de US$ 452 milhões, o que, diante de exportações (de bens e serviços) de US$
1,292 bilhão, resultava em um valor para o indicador de - 0,35. A combinação dos
resultados dos dois indicadores de solvência externa - passivo externo líquido sobre
exportações de bens e serviços e déficit em conta corrente sobre exportações (de
bens e serviços) - apontava para um quadro também preocupante no começo de 1963. Por
um lado, o primeiro indicador mostrava uma situação de risco (parâmetro
z em torno de 3,3) e insustentabilidade no médio prazo. Por
outro, o segundo indicava uma tendência de agravamento do quadro, dado que o país
registrou um déficit em conta corrente em 1962.
Em síntese, havia no começo do governo presidencialista de João Goulart um quadro de
estrangulamento externo, visível tanto do ponto de vista da liquidez externa, quanto
da solvência externa. Para lidar com a questão da liquidez externa, era realmente
imprescindível reescalonar a dívida no exterior para aliviar os pagamentos de curto
prazo. Do ponto de vista da solvência externa, o quadro era também ruim, mas mais
promissor: conforme demonstrado no exercício da seção anterior, esta situação
poderia ser contornada no caso de um crescimento adequado das exportações de bens e
serviços. O fato de o endividamento externo brasileiro ser insustentável no médio
prazo - mas contornável através do estímulo às exportações - mostra que através de
políticas econômicas adequadas era possível reverter a situação adversa nas contas
externas.
A observação acima torna-se ainda mais interessante quando se analisam os dados
referentes ao que efetivamente ocorreu entre 1962 e 1972 no que tange ao
comportamento do indicador passivo externo líquido sobre exportações de bens e
serviços. Conforme pode ser visto no Gráfico
2, esse indicador declinou de 3,304 em 1962 para 2,158 em 1972, um valor
próximo à zona de segurança definida na regra de bolso sugerida por
Simonsen e Cysne (1989). Ademais, a
redução da vulnerabilidade externa é também atestada pelo indicador alternativo
dívida externa líquida sobre exportações de bens e serviços (DEL/X), o qual caiu de
2,512 em 1962 para 1,656 em 1972. Esse resultado é relevante, pois - conforme visto
na seção anterior - a composição do passivo externo líquido importa e, no caso, o
maior problema em um eventual processo de aumento do passivo externo líquido sobre
exportações de bens e serviços é quando esse processo é determinado por um aumento
da dívida externa líquida.
Relação passivo externo líquido sobre exportações de bens e serviços
(1962-72)
Fonte: Elaboração Própria a partir de Banco Central do Brasil e
Ipeadata.
Diante desta redução na vulnerabilidade externa ocorrida na prática entre 1962 e
1972, cabe agora tentar responder o que permitiu esta melhoria no quadro externo
nesse período.
A análise do período começa com o governo João Goulart e o seu Plano Trienal.
Todavia, o período presidencialista de Goulart foi muito curto, interrompido pelo
golpe militar de 1964. O próprio Plano Trienal foi abandonado precocemente: o
orçamento de 1964 enviado ao Congresso em 1963 ignorava as metas previstas pelo
plano (FONSECA, 2004, p. 614
apudBASTIAN, 2013: 155).
Na verdade, o governo Goulart acabou asfixiado pela complicada conjuntura interna e
externa daquele momento. No plano interno, havia um agudo conflito distributivo, e
Goulart tinha que tentar conciliar a combinação de, de um lado, o choque de custos -
via medidas de inflação corretiva - e as medidas austeras do
Trienal com, do outro lado, as pressões dos sindicatos, seus aliados históricos, por
reajustes salariais no contexto de uma inflação que fechara 1962 na casa dos 50% ao
ano. No plano externo, a situação de estrangulamento externo descrita anteriormente
tornava crucial renegociar a dívida externa, mas o governo norte-americano
desconfiava de Goulart e a negociação passava ainda por outras questões complexas
como o pagamento de indenizações a empresas norte-americanas que tinham sido
encampados em anos anteriores. A obtenção de uma ajuda externa insuficiente por
parte do governo dos Estados Unidos e a dificuldade em lidar com o problema do
conflito distributivo interno tornaram impossível o objetivo do Trienal de conciliar
crescimento econômico com queda da inflação, o que levou não apenas ao fracasso do
plano, mas também a um acirramento das tensões políticas ao longo de 1963,
culminando com o golpe militar ao final do primeiro trimestre de 1964 (BASTIAN, 2013: 142; 153-65).12 Diante desse contexto, a discussão das políticas econômicas
do período 1963-72 acaba centrada nas políticas dos primeiros governos da ditadura
militar.
Do ponto de vista dos resultados do Gráfico 2,
uma primeira hipótese explicativa que poderia ser mencionada seria uma redução no
ritmo de endividamento externo no período 1962-72. No curto prazo, no começo do
governo Castello Branco (1964-67), a dívida externa bruta chegou a se reduzir:
segundo dados do Banco Central, houve queda de US$ 3,61 bilhões em 1963 para 3,29
bilhões em 1964. Esta queda está provavelmente associada ao bem sucedido processo de
renegociação da dívida externa promovida pelo governo militar entre 1964-65.
Diferentemente do seu antecessor João Goulart, o governo Castello Branco tinha apoio
do governo dos Estados Unidos e encontrou em Washington um ambiente bastante
favorável à renegociação da dívida. O governo Castello Branco obteve grande ajuda
externa dos Estados Unidos, bem como conseguiu reescalonar a sua dívida oficial com
credores do Clube de Paris e firmar em 1965 um acordo de stand-by
com o Fundo Monetário Internacional (GOULD,
2006: p. 143).13 Após 1964, a
dívida externa bruta variou pouco e fechou o ano de 1967 em US$ 3,44 bilhões, valor
inferior ao de 1963.
A renegociação da dívida certamente aliviou os problemas do ponto de vista da
liquidez externa. Todavia, a melhoria no indicador de solvência externa não pode ser
atribuída a uma redução do endividamento externo. A partir de 1968, a dívida
brasileira cresceu velozmente, chegando a US$ 4,09 bilhões em 1968, US$ 6,24 bilhões
em 1970 e, finalmente, US$ 11,46 bilhões em 1972. Levando em conta que a dívida
externa bruta em 1962 era de US$ 3,53 bilhões em 1962, ela quase triplicou no
período 1962-72. Quanto à dívida externa líquida, o aumento foi menor em função do
aumento das reservas internacionais, mas, ainda assim, foi expressivo, uma vez que
aumentou de US$ 3,248 bilhões em 1962 para US$ 7,281 bilhões em 1972. Houve,
portanto, um crescimento muito significativo no endividamento externo.
O que explica este aumento no endividamento no período? É possível sugerir três
fatores. Em primeiro lugar, houve, na década de 1960, a expansão do mercado de
eurodólares, o que significou um grande aumento da disponibilidade internacional de
capitais para países em desenvolvimento. Segundo Bonelli & Malan (1976), a "liquidez internacional cresceu em 4 anos
(entre 1969 e 1973) a uma taxa média anual de 24% ao ano, enquanto a média anual
para os 20 anos anteriores (1949/1969) havia sido da ordem de 2,8% ao ano" (BONELLI; MALAN, 1976: p. 359). Este movimento de
maior disponibilidade de crédito externo foi acompanhado por um alargamento dos
prazos e barateamento das condições para tomada de recursos. Neste contexto, o
Brasil - assim como outros países em desenvolvimento - usufruiu desta conjuntura de
acesso facilitado ao crédito externo (WELLS,
1973: p.17). A maior liquidez internacional somou-se às reformas
financeiras feitas pelo governo brasileiro entre 1964-66 que ampliaram o grau de
abertura da economia do país ao capital estrangeiro de risco e de empréstimos. Entre
outras coisas, foram promulgadas leis que regulamentaram a captação direta de
recursos externos por empresas privadas nacionais e, igualmente, a captação de
empréstimos externos por parte de bancos nacionais com vistas ao repasse a empresas
domésticas (HERMANN, 2005: p. 78).
Ademais, conforme antes destacado, o fato de a ditadura militar ser alinhada
ideologicamente com os Estados Unidos no contexto da Guerra Fria, também
provavelmente facilitou o acesso ao crédito externo. Por exemplo, conforme destaca
Lara Resende (1982), "o Brasil foi,
durante o período 1964-67, o quarto maior receptor mundial de ajuda da AID" (LARA RESENDE, 1982, p. 782-783
apudBASTIAN, 2013:
163).14
Por fim, a própria retomada de fortes taxas de crescimento a partir do final dos anos
1960 pode também ter estimulado o aporte de investimentos no Brasil.15
Diante deste contexto, como o ajustamento não se deu pelo lado do endividamento, o
processo tem necessariamente que ter ocorrido pelo lado das exportações. Neste
sentido, a análise dos dados mostra que, de fato, houve uma forte expansão das
exportações na segunda metade dos anos 1960 e início dos anos 1970. As exportações
de bens e serviços cresceram quase 240% entre 1962-72, registrando uma taxa média de
crescimento anual de 10,83% no período em questão, taxa muito superior aos 7,8% que
seriam necessários para fazer a economia brasileira - diante das condições do começo
de 1963 - convergir para a zona de segurança proposta por Simonsen & Cysne (1989) em sua regra de bolso. Em
particular, cabe destacar que as exportações brasileiras de bens e serviços passaram
por um verdadeiro boom entre 1968-72, registrando crescimento de
112,68%, sendo que a taxa média de crescimento anual neste período foi de
19,77%.
O crescimento das exportações foi acompanhado também por mudanças no perfil da pauta
exportadora entre 1962 e 1972, a qual pode ser observada a partir dos dados da
Commodity Trade Statistics Database (Comtrade) das Nações
Unidas na Tabela 2. Entre outras coisas, as
exportações de alimentos e animais vivos que representavam 65,2% do
total exportado em 1962 passaram a representar pouco mais de 55% em 1972, movimento
acompanhado, no mesmo período, pelo segmento matérias brutas não
comestíveis, exceto combustíveis com queda de participação de 26,3%
para 20%. Estes dois itens continuaram sendo os mais importantes da pauta
exportadora brasileira, mas o seu peso total caiu de 91,5% em 1962 para 75% em 1972.
Em contrapartida, houve aumento da participação relativa dos produtos
manufaturados classificados segundo material de 0,8% em 1962 para 9% em
1972, bem como aumento do peso das exportações de maquinaria e equipamentos
de transporte de 1% em 1962 para 5,4% em 1972 e também do segmento
artigos manufaturados diversos que aumentou a sua participação
de 0,1% em 1962 para 2,9% em 1972. Os resultados mostram que, neste processo de
forte crescimento das exportações brasileiras ocorrido etre 1962 e 1972, houve
claramente uma maior diversificação da pauta exportadora.
Composição das Exportações Brasileiras (% total)
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
Alimentos e animais vivos
65,2
68,8
64,4
61,9
64,4
62,4
64,5
59,1
58,0
54,7
55,0
Bebidas e tabaco
2,0
1,7
2,1
1,7
1,3
1,3
1,1
1,2
1,3
1,4
1,3
Matérias primas não comestíveis, exceto combustíveis
26,3
23,0
24,9
25,0
24,6
23,5
22,9
26,1
23,3
22,0
20,0
Combustíveis minerais, lubrificantes e materiais
relacionados
0,6
0,7
0,2
0,0
0,0
0,1
0,0
0,1
0,6
0,8
1,0
Óleos e gorduras animais e vegetais
2,7
2,6
2,8
2,9
2,2
2,2
2,8
2,7
2,5
2,7
2,8
Produtos químicos
1,2
1,2
1,2
0,9
1,5
1,8
1,4
1,4
1,4
1,8
1,6
Produtos manufaturados classificados segundo material
0,8
0,9
2,7
4,9
3,5
5,2
4,3
5,4
7,7
7,0
9,0
Maquinaria e equipamentos de transporte
1,0
0,8
1,3
1,8
1,9
2,6
2,2
2,6
3,5
4,6
5,4
Artigos manufaturados diversos
0,1
0,1
0,1
0,2
0,2
0,3
0,2
0,4
0,8
2,0
2,9
Mercadorias e operações não classificadas nas demais
categorias
0,2
0,2
0,3
0,7
0,3
0,6
0,6
0,9
0,9
3,1
0,9
Fonte: Comtrade/ Nações Unidas.
A significativa expansão das exportações brasileiras no período 196372 foi, ao menos
em parte, resultado de políticas econômicas adotadas durante a ditadura militar. Já
no governo Castello Branco (1964-67), houve um esforço de reverter a negligência em
relação às exportações que prevaleceu em períodos anteriores.16 Neste sentido, afirmou-se no Programa de Ação Econômica de
Governo (PAEG) de 1964 que "será a alternativa da exportação que deverá concentrar
os esforços de fortalecimento da capacidade de importar" (PAEG, 1964: p. 130). Com isso, o plano anunciou uma série de
políticas voltadas para o estímulo das exportações e o período 1964-68 foi
caracterizado pela "retirada dos gravames e entraves administrativos que pesavam
sobre a atividade" (DOELLINGER et
al., 1974:44). As principais medidas contidas no plano estão
listadas abaixo:
"Manutenção de taxas cambiais realísticas, pois o atraso cambial vinha
prejudicando as exportações;17
Racionalização do processo burocrático, como, por exemplo, extinção de
documentos desnecessários;
Isenção de ônus fiscais sobre a exportação;
Simplificação do processo de drawback;
Financiamento à exportação e à produção de manufaturas exportáveis, com
especial ênfase ao crédito à exportação fornecido pelo CACEX;
Instituição de um sistema de seguro de crédito para exportação contra
riscos políticos e comerciais;
Expansão das linhas diretas de navegação de marítima entre o Brasil e os
demais países latino-americanos" (PAEG,
1964: 131-133).
O período 1968-73 seria marcado pela intensificação desta estratégia de estímulo das
exportações. De fato, a partir de 1969, surgiu um sistema de isenções tributárias,
subsídios fiscais e financiamentos a taxas subsidiadas que "não só proporcionou
reduções substanciais nos custos de produção, como também permitiu apreciável margem
de lucro nas vendas ao exterior" (DOELLINGER
et al., 1974: 43). Dentre as medidas havia, por
exemplo, as de abono do IPI e do ICM para empresas industriais que exportassem: os
impostos iam sendo abonados quanto maior fosse o volume exportado, podendo as
empresas até se tornarem credoras do governo18 (DOELLINGER et
al., 1974: 21-22). Estas medidas de comércio exterior seriam
reforçadas pela política de minidesvalorizações cambiais que passou a ser implantada
a partir de agosto de 1968. Nesta política, o intervalo entre as desvalorizações era
de três a dez dias, de maneira que, ao impedir a taxa de câmbio real de se apreciar,
protegia-se a receita das exportações (ALMEIDA;
BACHA, 1999:10). Desta forma, o Brasil passou a apresentar naquele
momento políticas cambial e de comércio exterior francamente favoráveis ao
crescimento das exportações.
Todavia, a forte expansão das exportações não pode ser creditada inteiramente às
políticas econômicas implementadas no período. Há que se destacar que a conjuntura
internacional foi francamente favorável. Entre 1967 e 1973, o comércio mundial
expandiu-se 18% ao ano (MALAN, 1981: 150;
152). Neste contexto, cabe destacar no caso brasileiro que "como os preços de
exportação cresciam mais do que os de importação (uma média de 9,4% ao ano em
oposição a 6,2% para preços de importação), os termos de troca aumentaram cerca de
20% de 1967 a 1973" (MALAN, 1981:154). Assim,
reverteu-se a tendência de deterioração dos termos de troca prevalecente no final
dos anos 1950 e início dos 1960. Mais do que isso, esta conjuntura internacional
criou um cenário muito favorável para a expansão das exportações brasileiras. Assim,
em síntese, a combinação de um cenário externo favorável com políticas econômicas de
estímulo às exportações permitiu a forte expansão das exportações de bens e serviços
observada entre 1962 e 1972, o que, por sua vez, tornou possível a redução da
vulnerabilidade externa (a partir do indicador utilizado), mesmo em um contexto de
aumento do montante da dívida externa.19
Não obstante, é preciso fazer uma série de qualificações a este processo de
ajustamento externo ocorrido entre 1962-72. A primeira está ligada às
características do indicador passivo externo líquido sobre exportações de bens e
serviços. No caso, a questão é que o indicador leva em conta as exportações, mas não
as exportações líquidas. Se o país está aumentando muito as suas exportações de bens
e serviços, mas as importações de bens e serviços estão crescendo mais ainda
(déficit na balança comercial), o país está, na verdade, perdendo divisas, e não
ganhando divisas para honrar seus compromissos externos. Os próprios Simonsen e Cysne (1989) reconhecem esta
limitação ao comentar que "a regra [de bolso] é bastante tosca, pois o que interessa
aos capitalistas externos é que o país possa, quando necessário, transformar-se de
devedor jovem em devedor maduro, para tanto acumulando um saldo comercial ... que
exceda a renda líquida enviada ao exterior..." (SIMONSEN e CYSNE, 1989: 74).20
Neste contexto, o Gráfico 3 compara as
exportações de bens e serviços com as exportações líquidas de bens e serviços (saldo
da balança comercial) no período 1963-72 e mostra que, do ponto de vista das
exportações líquidas, o quadro externo não é tão favorável: excetuando o triênio
1964-66, o país registrou déficits na balança comercial durante todo o período. Mais
do que isso, o déficit comercial se agravou no final dos anos 1960 e começo dos anos
1970, apesar do forte crescimento das exportações neste período.
Exportações e Exportações Líquidas (US$ milhões)
Fonte: Banco Central do Brasil.
Uma importante variável explicativa deste processo é o comportamento das importações
associado ao ciclo econômico, posto que as importações apresentavam, nesta época,
uma elasticidade em relação ao produto muito superior a 1 (FISHLOW, 1976:38-39). Durante a estagnação da economia
brasileira em 1963 (crescimento de 0,6%) e da lenta recuperação nos dois primeiros
anos da ditadura militar (crescimento médio de 2,9%), as importações sofreram uma
queda de 19,38% entre 1962 e 1965 contra um crescimento de 34,77% das exportações em
igual período. Neste contexto, é interessante notar que, com a renegociação da
dívida externa em 1964-65 e o crescimento das exportações líquidas na mesma época, o
governo militar conseguiu promover um ajuste nas contas externas já no período
1964-66: em 1966, o indicador passivo externo líquido sobre exportações chegou a
2,199. Contudo, com as altíssimas taxas de crescimento econômico registradas a
partir do final da década de 1960 (crescimento médio de 10,6% entre 1968-72), as
importações aumentaram 186,79% entre 1967 e 1972, superando largamente a taxa de
crescimento de 142,78% das exportações no mesmo período.21 Os déficits comerciais reapareceram e, diante do crescente
déficit na balança de rendas,22 os déficits em conta corrente
aprofundaram-se a partir do final dos anos 1960 (Gráfico 4), aumentando a necessidade de financiamento externo. O
indicador déficit em conta corrente sobre exportações (de bens e serviços) fechou o
ano de 1972 em - 0,38 contra - 0,35 registrado ao fim de 1962, ou seja, o quadro de
solvência externa, medido por esse indicador, apontava para uma ligeira piora em
1972 em relação ao começo do período analisado. Assim, apesar de o indicador de
solvência externa proposto por Simonsen e Cysne
(1989) estar próximo a 2 em 1972,23
o quadro externo não era tão benigno.
Balança de Rendas e Saldo da conta-corrente (US$ milhões)
Fonte: Banco Central do Brasil.
Outra ressalva importante ao processo de ajustamento ocorrido entre 1962 e 1972 é
apresentada por Cruz (1984). No caso, o autor
relativizou exatamente a ideia de que o período do milagre
econômico foi uma fase em que o endividamento externo teve importância
grande nas altas taxas de crescimento. Para ele, a ampliação da dívida não ocorreu
especificamente como uma resposta à necessidade de superar
constrangimentos do setor externo em função do forte
crescimento verificado nesta fase de milagre econômico, uma vez que
os recursos necessários para cobrir os déficits na balança comercial e na balança de
serviços eram bem menores do que o superávit verificado na conta [financeira e]24 de capital (CRUZ, 1984: p. 17-18).25 Ademais,
conforme destacou Wells (1973), o Brasil
estava assumindo riscos, uma vez que, já nesta fase do milagre
econômico, o país vinha acumulando dívida externa a taxas de juros
flexíveis, o que o deixava exposto a reversões na economia internacional que estavam
fora de seu controle (WELLS, 1973: 20; 22).
Assim, o endividamento ocorrido no período foi - ao menos parcialmente -
desnecessário e, além disso, se deu de uma maneira que fragilizava externamente a
economia para o médio e longo prazos.
Por fim, é preciso lembrar que o final da década de 1960 e o começo dos anos 1970
foram extremamente particulares do ponto de vista da economia internacional, tendo
em vista a forte expansão do comércio internacional e dos fluxos internacionais de
capitais e a difusão de ambos para a periferia da economia mundial (MALAN, 1981: 151-152). Neste contexto, o
processo de expansão das exportações e a possibilidade de reduzir o indicador
passivo externo líquido sobre as exportações de bens e serviços - mesmo em face de
um aumento do endividamento externo - deveram-se, ao menos em parte, a estas
condições peculiares e muito favoráveis do período em questão. Com a mudança do
cenário externo a partir do Primeiro Choque do Petróleo em 1973, a possibilidade de
continuar se endividando e compensar esta maior dívida com expansão das exportações
ficou - ao menos em parte - comprometida.
4. Conclusões
O artigo procurou discutir o grau de sustentabilidade do endividamento externo
brasileiro quando do início do governo presidencialista de João Goulart. Neste
contexto, utilizou-se um modelo proposto por Mário Henrique Simonsen e Rubens Penha
Cysne, que permitia fazer esta avaliação em função do comportamento ao longo do
período 1963-72 da variável passivo externo líquido sobre exportações de bens e
serviços.
A análise a partir do modelo permitiu observar que o Brasil encontrava-se, naquele
momento, em uma situação de grande vulnerabilidade externa, uma vez que, mantidas as
condições então vigentes, o indicador passivo externo líquido sobre exportações de
bens e serviços apresentaria comportamento explosivo nos anos subsequentes. Esse
quadro de vulnerabilidade externa foi confirmado também pelo indicador de liquidez
externa e pelo indicador alternativo de solvência externa. No entanto, por outro
lado, observou-se que - do ponto de vista do indicador passivo externo líquido sobre
exportações de bens e serviços - este processo poderia ser detido através de
políticas de estímulo às exportações.
A avaliação dos dados do período 1962-72 mostrou que, na prática, a economia moveu-se
na direção de uma menor vulnerabilidade externa, uma vez que o indicador de
solvência aproximou-se dos patamares de segurança sugeridos pela regra de
bolso de Simonsen e Cysne
(1989). Além disso, o indicador dívida externa líquida sobre exportações de
bens e serviços também se reduziu significativamente no período. Este processo de
ajustamento externa deveu-se às políticas de estímulo às exportações feitas pelos
primeiros governos da ditadura militar e por uma conjuntura internacional
extremamente vantajosa para a economia brasileira.
Todavia, fizeram-se algumas ressalvas ao processo de ajustamento externo da economia
brasileira no período em questão. Por um lado, mostrou-se, por exemplo, que o forte
crescimento das exportações foi acompanhado - a partir do final dos anos 1960 - por
uma expansão ainda mais forte das importações que passou a provocar déficits na
balança comercial. Nesse contexto, por exemplo, o indicador déficit em conta
corrente sobre exportações de bens e serviços registrava em 1972 um valor
ligeiramente pior que o de 1962. Além disso, chamou atenção o fato de que houve um
aumento (em parte desnecessário) do endividamento externo no período, e para o fato
de este endividamento estar associado a taxas de juros flexíveis, sujeitas a
variações dependendo do comportamento da economia mundial. Por fim, a possibilidade
de reduzir os riscos de insolvência ao mesmo tempo em que se aumentava o
endividamento foi resultado do contexto internacional favorável prevalecente no
final dos 1960 e início dos 1970. Com o choque do petróleo de 1973, as condições na
economia mundial foram modificadas, o que criou restrições para a continuidade desta
estratégia.
O autor agradece aos pareceristas anônimos pelas sugestões que certamente
aperfeiçoaram o artigo e aos participantes do I Congresso Fluminense de História
Econômica em Niterói (RJ) e do X Congresso Brasileiro de História Econômica e XI
Conferência Internacional de História de Empresas em Juiz de Fora (MG) por seus
comentários e sugestões a versões anteriores desse artigo. O autor agradece
ainda a Marta Castilho pela sugestão de uso dos dados do Comtrade, a Francisco
Eduardo Pires de Souza e Carlos Pinkusfeld Bastos pelas informações referentes
às mudanças de 2015 na metodologia do Balanço de Pagamentos e a Franklin Serrano
pelas conversas sobre indicadores de vulnerabilidade externa. Os eventuais erros
e omissões remanescentes são de minha responsabilidade.
O plebiscito de janeiro de 1963 decidiria se o país voltaria ao regime
presidencialista ou continuaria no regime parlamentarista, solução adotada no
segundo semestre de 1961 para contornar a crise política instaurada após a
renúncia repentina de Jânio Quadros.
Para exemplos de trabalhos que procuraram medir o grau de vulnerabilidade externa
da economia brasileira nos anos 1990 e 2000, ver Carneiro (1997), Giambiagi
et al. (1998) e Pires de Souza (2002).
Para o desenvolvimento do modelo que leva até a Equação 1, ver o apêndice.
Na versão original de Simonsen & Cysne
(1989), o parâmetro h designava a transferência
líquida de recursos sobre as exportações de bens e serviços. Ocorre que, após
mudanças metodológicas no balanço de pagamentos, a balança comercial passou a
incorporar - além das exportações e importações de bens - as exportações e
importações de serviços. Assim, o que antes era chamado de transferência líquida
de recursos hoje equivale a um superávit na balança comercial, e o que era
chamado de hiato de recursos hoje corresponde a um déficit na balança comercial.
Para uma apresentação sintética da estrutura do balanço de pagamentos, ver Terra (2014).
Um outro aspecto que aponta para a importância de levar em consideração a
estrutura do passivo externo está relacionado ao risco cambial. Conforme explica
Lara (2012), no caso de investimentos
em portfólio, o risco cambial é do agente externo, enquanto, no caso de dívidas,
o risco cambial é do tomador (Lara, 2012:
23).
Conforme explica Lara, a razão entre déficit em conta corrente sobre exportações
permite avaliar a tendência da razão passivo externo líquido sobre exportações
de bens e serviços. Assim, "quanto maior for a razão déficit em conta-corrente
sobre exportações, maior será o crescimento do passivo externo como proporção
das exportações" (Lara, 2014: 22).
O ano de 1956 foi tomado como ponto de partida, pois é o primeiro ano para o qual
há estatísticas da dívida externa bruta no Banco Central do Brasil. O valor da
dívida externa líquida para este ano (US$ 2,128 bilhões) resultou da subtração
da dívida externa bruta (US$ 2,736 bilhões) pelo montante de reservas
internacionais (liquidez internacional) da ordem de US$ 608 milhões. Os dados da
dívida externa foram obtidos no Ipeadata e corresponde à dívida externa total,
incluindo empréstimos intercompanhia. Os dados das reservas internacionais foram
obtidos no Banco Central.
Todos os dados utilizados neste estudo são referentes à metodologia do balanço de
pagamentos vigente no Brasil até o primeiro semestre de 2015. Em 2015, foi
introduzida uma nova metodologia. Entre outras coisas, a nova metodologia
modificou a forma de inclusão dos lucros reinvestidos e juros reinvestidos.
Ademais, a conta financeira passou a ter sinal positivo para a saída de capitais
e negativo para entrada de capitais. Por fim, as reservas internacionais
passaram a entrar na conta financeira e com sinal positivo - para o caso de
aumento de reservas. Para maiores detalhes, ver: http://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/n/6MANBALPGTO. Acessado em 21 de
dezembro de 2016.
Esta simplificação não é uma hipótese heroica, pois o valor da
parcela lucros e dividendos em 1962 teve um valor baixo (US$ 18 milhões) e foi,
efetivamente, igual a zero nos anos de 1963 e 1964.
O valor da dívida externa líquida de 1961 foi obtido a partir das estatísticas do
Banco Central do Brasil para a dívida externa bruta e as reservas internacionais
daquele ano.
O valor da dívida externa líquida (Div1961) é referente ao ano de 1961, enquanto
que os valores do passivo externo líquido (D), das exportações de bens e
serviços (X), juros (J), lucros e dividendos (L + DIV) e superávit da balança
comercial (H) são referentes ao ano de 1962. Todos estes valores estão em
milhões de dólares. Os demais itens são parâmetros.
A estagnação da economia em 1963 aliviou o déficit em transações correntes, mas,
em todo caso, não gerou um superávit. Além disso, o déficit foi financiado com
perda de reservas em ouro e contratação de empréstimos - em termos desfavoráveis
- com bancos privados (MALAN, 1984, p.
104 apudBASTIAN, 2013:162). Para uma análise das
dificuldades econômicas enfrentadas no contexto do Plano Trienal e uma
apresentação sucinta das propostas do plano para fazer frente aos problemas
macroeconômicos, ver, por exemplo, Fonseca
(2004), Melo et
al.(2008) e Bastian
(2013).
Loureiro (2011) mostra a postura dura do
governo dos Estados Unidos nas negociações com o governo Goulart. Ribeiro (2006) detalha os resultados das
negociações do Brasil com os seus credores internacionais no começo da ditadura
militar e o montante da ajuda recebida. A partir de documentação do Fundo
Monetário Internacional, Gould (2006)
mostra que a pressão dos Estados Unidos foi decisiva para que o Fundo - apesar
da reticência de seu quadro técnico - firmasse um acordo de
stand-by com o Brasil já no começo de 1965 (GOULD, 2006: p.137-144).
A AID é a sigla para a United States Agency for International
Development, agência do governo norte-americano fundada em 1961 e
voltada, segundo sua missão, para ajuda ao combate à pobreza e promoção de
sociedades democráticas.
Segundo dados do Banco Central, o investimento direto estrangeiro no Brasil se
elevou de US$ 87 milhões em 1964 para US$ 154 milhões em 1965 e chegou a US$
459,9 milhões em 1972.
Na realidade, o Plano Trienal de 1962 já chamava a atenção para a importância do
estímulo às exportações, mas, conforme comentado anteriormente, o Plano Trienal
foi abandonado precocemente.
Na prática, as exportações somente seriam realmente alavancadas a partir de 1968,
quando entrou em vigor o regime de minidesvalorizações cambiais.
A medida de isenção do IPI por volume exportado foi colocada em prática em 1969.
A inclusão do ICM ao benefício deu-se em janeiro de 1970, a partir de convênio
do governo federal com os estados (DOELLINGER
et al., 1974: p. 21).
Na visão de Fishlow (1976), a forte
expansão das exportações foi o que mais distinguiu a experiência brasileira da
segunda metade dos 1960 e primeira metade dos 1970 do restante da experiência do
país no pós-Segunda Guerra Mundial. Segundo ele, "foi a primeira vez em mais de
meio século que o rápido crescimento das exportações se tornou peça chave na
estratégia de desenvolvimento" (FISHLOW,
1976:72).
Na tipificação proposta pelo autor, devedor jovem é o país com
as seguintes características: H < 0, D > 0 e ΔD > 0. Por sua
vez, o devedor maduro tem as seguintes características: H >
0, D > 0 e ΔD < 0 (SIMONSEN e
CYSNE, 1989, p.72). Renda líquida enviada ao exterior equivale a um
déficit na balança de rendas.
Contas a partir de dados do Banco Central.
O aumento do déficit de rendas foi provavelmente uma resultante do próprio
aumento do endividamento externo a partir do final dos anos 1960. O aumento no
passivo externo tende a provocar maiores déficits na balança de rendas. Este é
um aspecto importante, pois um passivo externo maior acaba por causar uma
realimentação no processo de endividamento externo.
O valor do indicador para 1972 era 2,158.
O termo utilizado por Cruz (1984) é conta
de capital. O termo conta financeira e de capital é posterior ao livro.
"As contratações líquidas de empréstimos e financiamentos tiveram como
contrapartida principal a formação de reservas internacionais" (CRUZ, 1984: 17).
O apêndice se baseia em Bastian (2001).
Conforme explicado anteriormente, no modelo original de Simonsen e Cysne (1989),
o termo H designava a transferência líquida de recursos e
(- H) o hiato de recursos.
As transferências unilaterais englobavam "os pagamentos e recebimentos sem
contrapartida de serviços, doações, remessas de imigrantes, reparações de
guerra..." (SIMONSEN E CYSNE,
1989:62).
Apêndice26
A discussão de Simonsen e Cysne (1989;
2007) começa com a equação da dívida, a qual descreve a evolução ao
longo do tempo do passivo externo líquido. A equação está baseada no fato de a
variação do passivo externo líquido, em um dado período de tempo, poder ser
medida - de forma aproximada - pelo déficit em conta corrente verificado no
mesmo. Supondo tempo contínuo e decompondo esse déficit em renda líquida enviada
ao exterior e superávit (déficit) da balança comercial,27 obtém-se então a equação da dívida (SIMONSEN; CYSNE, 1989: 71).
dD/dt=iD−H
dD/dt = derivada em relação ao tempo do passivo externo líquido
i = taxa de remuneração do passivo externo líquido
H = superávit da balança comercial
A parcela iD corresponde ao déficit na balança de rendas. Por simplificação, são
excluídas as rendas do trabalho e aquilo que na metodologia vigente em 1989 se
chamava de transferências unilaterais.28
Dessa forma, i representa uma taxa média de remuneração dos
capitais externos. A transferência líquida de recursos corresponde às
exportações líquidas de bens e serviços, de forma que o passivo externo líquido
(D) decresce à medida que H aumenta ceteris
paribus.
A partir de alguma álgebra, pode-se chegar à outra equação (Equação 2) que mede a
sustentabilidade do endividamento externo, a qual depende da relação entre o
passivo externo líquido e as exportações de bens e serviços fatores. Neste
contexto, a Equação 2 está
medindo como a capacidade de pagamento externo de um país varia ao longo do
tempo.
dz/dt=i−xz−h
z = D/X = passivo externo líquido sobre exportações de bens e serviços
dz/dt = derivada em relação ao tempo do parâmetro z
x = taxa instantânea de crescimento das exportações de bens e serviços
h = H/X = superávit da balança comercial sobre exportações de bens e serviços
A resolução desta equação diferencial linear não homogênea é bastante simples. A
solução de uma equação dessa natureza é expressa através da soma de dois termos:
a função complementar (zc) e a integral particular (zp). A função complementar
corresponde à solução de uma equação homogênea (quando h = 0) e a integral
particular fornece qualquer solução particular da equação não homogênea em
questão (CHIANG, 1982: p. 409).
A função complementar pode ser calculada através do método de separação de
variáveis:
A constante arbitrária B pode ser descrita por uma condição
inicial. Supondo que z assuma o valor
z0 quando t = 0, então B = z0 - h/(i
- x). Dessa forma, a solução da equação diferencial é justamente a equação 1 da página 3:
zt=z0−h/i−xei−xt+h/i−x
z0 = valor inicial da relação passivo externo líquido sobre
exportações
t = tempo
A solução acima é válida somente para o caso em que i é
diferente de x. Assim, existe ainda uma segunda solução
possível correspondente à situação em que i = x. Esta solução é obtida via
integração e corresponde à equação z(t) = z0 - ht. Como é
muito difícil que os valores de x e i sejam
idênticos, só se utiliza, no trabalho, a solução para i diferente de
x.
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