“É importante que não tome mais comprimidos do que lhe foi indicado”: estratégias linguísticas de desresponsabilização da indústria farmacêutica em folhetos informativos
DOI:
https://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v37i2p235-251Palavras-chave:
Compreensibilidade, Linguagem clara, Responsabilidade legal, Pragmática, Análise do DiscursoResumo
Legalmente, as farmacêuticas são responsáveis pelos danos, ferimentos ou prejuízos provocados no utilizador causados pelos seus produtos. Contudo, a linguagem presente em advertências de produtos e bens de consumo (Dumas, 1990; Shuy, 1990; Tiersma, 2002) e em folhetos informativos (FI) (van der Waarde, 2008; Hagemeyer & Coulthard, 2017) parece proteger os fabricantes de possíveis litígios, transferindo a responsabilidade para o consumidor ou utilizador. Assim, pretende-se averiguar, a partir de uma abordagem pragmática e de análise do discurso, quais as estratégias linguísticas em Português Europeu (PE) que contribuem para a desresponsabilização das farmacêuticas das ações dos utilizadores. A análise qualitativa de um corpus de 20 FI em PE revela que o recurso a voz passiva, construções impessoais, atenuação de atos diretivos, frases declarativas com valor imperativo e linguagem vaga representam estratégias intencionais para as farmacêuticas se protegerem de eventuais processos litigiosos. Por outro lado, a compreensibilidade do texto fica ainda comprometida pelas incoerências gramaticais, pelo constante cálculo de inferências e pela presença de termos técnicos, “medicalês”.
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