A sombra dos submersos

Autores

  • Anna Basevi Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2237-1184.v0i31p73-97

Palavras-chave:

Literatura, Primo Levi, Salvos, Submersos, Testemunho

Resumo

A divisão entre submersos e salvos revela-se a divisão-chave da visão de mundo de Primo Levi. O “submerso interno” (Di Castro) presente em todo sobrevivente se desdobra no submerso como Doppelgänger, uma voz interna que impulsiona o testemunho e que no escritor encontra sua representação narrativa, oscilante entre a metáfora da ameaça de uma sombra persecutória (presente na produção poética) e a personagem do amigo-duplo Alberto, companheiro desaparecido.
A urgência do testemunho se desdobra na questão de como representar os submersos, os únicos que desceram até o fundo e poderiam devolver um testemunho realmente integral. Contudo, o escritor encontra uma “palavra sobrevivente” (Derrida) para aprofundar as facetas da vergonha, interrogar os fantasmas da culpa e delinear a “zona cinzenta”. Diante desta ferida insanável, Levi recusa a ideia de um privilégio merecido, nem precisa do conforto de uma providência divina: vários fatores contribuíram à sua salvação, mas as forças que operam são o acaso e a sorte. Já que a Fortuna, como salienta Robert Gordon, é uma força mítica que nossa cultura sempre utilizou para lidar com a realidade incompreensível e incontrolável, no caso do sobrevivente ela preenche a ausência angustiante de explicações; em Levi torna-se ponto de apoio para compor a representação literária dos eventos.
A sobrevivência é, portanto, da ordem do “estranho”. Origem, evolução, adaptação, seleção natural, embate entre ordem e caos confluem no conto “Carbono” e demonstram que afinal o polo de maior atração de toda sua produção é o quesito: quem sobrevive e por quê?

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Biografia do Autor

  • Anna Basevi, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

    Italiana, graduada em Roma em literatura portuguesa com o professor Ettore Finazzi-Agrò. De 1995 a 2017, foi professora de italiano nos Institutos Italianos de Cultura de São Paulo e do Rio de Janeiro. Depois do mestrado, concluiu o doutorado em literatura italiana na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com uma tese sobre “O estranho-estrangeiro em Primo Levi”. Publicou em revistas acadêmicas e, em ocasião do centenário do autor, publicou na revista italiana Doppiozero, dirigida por Marco Belpoliti, e passou a colaborar com o site do Primo Levi center de Nova York. Fez parte da comissão organizadora do I Colóquio Internacional “Mundos de Primo Levi”, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em setembro 2019, com os professores Renato Lessa, Rosana Kohl Bines e Andrea Lombardi. Foi pesquisadora com bolsa FAPERJ - nota 10 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com projeto de aprofundamento e divulgação da obra de Primo Levi no Brasil, até agosto 2020.

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Publicado

2020-12-28

Edição

Seção

Ensaios

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