Call for Papers (2022.1) - A Antiguidade do Nordeste Africano

2021-10-09

Os estudos científicos sobre o passado antigo do Nordeste Africano foram marcados por perspectivas colonialistas e orientalistas, sobretudo no contexto do Vale do Nilo (Egito e Sudão). O principal exemplo disto é a Egiptologia, disciplina surgida no bojo da expansão colonial (Carruthers, 2015) que basicamente inaugurou o que Said (2010) chamou de Orientalismo moderno. O papel de berço civilizacional que o Egito faraônico passou a desempenhar na narrativa do progresso ocidental impulsionou a disciplina e a transformou tanto em um frutífero campo experimental para metodologias arqueológicas, quanto em um polo gravitacional para justificativas do racismo pseudocientífico (ver Smith 2018).

Recentemente, todavia, os estudos sobre a antiguidade do nordeste africano têm sofrido fortes modificações, incluindo críticas a interpretações homogeneizantes de experiências culturais diversas (e.g., Lemos 2020) e conexões africanas (e.g., Cooper 2020), o que acaba levando a uma maior exploração de contextos disciplinares como a História e a Arqueologia da África. Desde o início do século XXI, uma das preocupações explícitas passou a ser abordar a antiga Núbia de maneira independente do Egito e mostrar a complexidade e a heterogeneidade de povos diversos que compartilharam uma experiência nilótica comum (ver Wengrow et al. 2014).

Outros aspectos que caracterizam a produção acadêmica recente sobre a antiguidade do nordeste africano incluem, em geral, críticas ao colonialismo e à colonialidade, uma abertura à transdisciplinaridade, e um geral interesse em debates teórico-metodológicos e éticos. O potencial dessas pesquisas pode alcançar, ainda, novos patamares, caso passemos a explorar outras fronteiras disciplinares para além da História Antiga ou da Egiptologia.

Convidamos a todas e todos oriundos das diversas áreas do conhecimento para enviarem suas contribuições ao estudo do nordeste africano na Antiguidade, incluindo recortes mais tradicionais como Egito e Núbia, mas também recortes que desafiem fronteiras epistemológicas e disciplinares tradicionais e que explorem o potencial de lugares de fala alternativos. Partindo do nordeste africano como referência espacial, aguardamos trabalhos apoiados em fontes literárias ou na cultura material; discussões teórico-metodológicas e epistemológicas; análises críticas da história da Egiptologia e demais ciências atuantes na região; e discussões críticas acerca da recepção e do ensino de Egito e Núbia. Dentre os temas sugeridos, apontamos alguns tópicos de interesse especial, lembrando que outros temas são igualmente bem-vindos:

- Integração e diversidade no nordeste africano;

- Lógicas locais e realidades sociais alternativas para além perspectivas tradicionais/normativas;

- Interconexões e redes de contato no nordeste africano (e.g., conexões entre o Egito e a Núbia e os povos do deserto);

- Interconexões e redes de contato entre o nordeste africano e outras regiões do continente africano na Antiguidade;

- Perspectivas globais a respeito do nordeste africano em conexão com o mundo mediterrânico e asiático;

- Perspectivas sobre como o ensino do Egito e da Núbia pode contribuir para formas críticas de produzir conhecimento a respeito da história e do patrimônio cultural do nordeste africano.

 

Referências

Carruthers, W. Introduction. Thinking about Histories of Egyptology. In: Carruthers, W. (Ed.) Histories of Egyptology: Interdisciplinary Measures. London: Routledge, 2015, pp. 1-15

Cooper, J. Egyptian among Neighboring African Languages. UCLA Encyclopedia of Egyptology, 2020. Disponível em https://escholarship.org/uc/item/2fb8t2pz

Lemos R. Material Culture and Colonization in Ancient Nubia: Evidence from the New Kingdom Cemeteries. In: Smith, C. (ed.) Encyclopedia of Global Archaeology. Cham: Springer, 2020, pp. 1–25. Disponível em https://doi.org/10.1007/978-3-319-51726-1_3307-2

Said, E. Orientalismo. O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Cia de Bolso, 2010.

Smith, S. T. Gift of the Nile? Climate Change, the Origins of Egyptian Civilization and Its Interactions within Northeast Africa. In BÁCS, T., BOLLÓK, Á, and VIDA, T. (Eds.) Across the Mediterranean – Along the Nile: Studies in Egyptology, Nubiology and Late Antiquity Dedicated to László Török on the Occasion of his 75th Birthday. Volume 1. Budapest: Archaeolingua, 2018, pp. 325–346.

Wengrow, D. et al. Cultural Convergence in the Neolithic of the Nile Valley: A Prehistoric Perspective on Egypt’s Place in Africa. Antiquity, n. 88, 2014, pp. 95–111.

 

Organizadores

Fábio Frizzo (UFTM, fabio.frizzo@uftm.edu.br)

Maria Thereza David João (UNINTER, maria.jo@uninter.com)

Rennan Lemos (LMU München, rdsl3@cantab.ac.uk)