Chamada de trabalhos: Opiniães 17. Dossiê temático: 60 anos de Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso

2020-04-25

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A Opiniães – Revista dos Alunos de Literatura Brasileira (FFLCH-USP, Qualis B5) convida pesquisadores e alunos a submeterem artigos e ensaios para a sua próxima edição, que terá um dossiê temático em homenagem aos 60 anos de publicação da Crônica da casa assassinada, do escritor mineiro Lúcio Cardoso. Além dos artigos e ensaios dedicados ao romance, serão aceitos trabalhos que explorem os ecos da Crônica da casa assassinada na prosa moderna e contemporânea, suas reapropriações em outras linguagens, bem como ensaios de natureza comparativa com as demais produções cardosianas ou com as de seu tempo histórico.

 

Aproveitamos para lembrar que a Opiniães também destina espaço para a publicação de artigos de tema livre (desde que de acordo com o foco e o escopo da revista), ensaios, traduções inéditas, resenhas de obras publicadas nos últimos dois anos e criação literária em prosa e em verso. A submissão dos textos deverá seguir as normas da revista e deve ser feita até o dia 15/07/2020, via sistema, pelo endereço eletrônico http://www.revistas.usp.br/opiniaes. As submissões são abertas a pesquisadores vinculados ou não a instituições acadêmicas, não sendo necessários título de mestre/doutor nem coautoria com docentes.

 

Sobre o dossiê temático: 60 anos de Crônica da casa assassinada¸ de Lúcio Cardoso

 

Nos primeiros meses de 1959, saía Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso: seu último romance finalizado em vida; seu retorno ao gênero após quase quinze anos dedicando-se a outras linguagens artísticas. Publicado pela editora José Olympio, o livro imediatamente tomou as páginas da imprensa, sendo motivo de querelas entre intelectuais e escritores da época.  Lúcio, que estreou na literatura no conturbado período de acirramento político, estético e ideológico dos anos 1930, mais uma vez viu uma obra sua marcada pelo sinal da polêmica.

 

A primeira recepção da Crônica da casa assassinada debruçou-se sobretudo no tema do incesto e nas imagens obsedantes da obra, que foi classificada como “um romance imoral”, como “um fato mais escatológico do que literário”, pelo crítico recifense Olívio Montenegro. Em defesa da obra e do romancista, Walmir Ayala coletou depoimentos de uma dezena de escritores e críticos, dentre eles Manuel Bandeira, Octávio de Faria, Adonias Filho, Lêdo Ivo, Aníbal Machado, entre outros. Assis Brasil, por exemplo, diria que taxar uma obra como imoral “ilustra bem nossos atrasados conceitos literários em face de uma obra de criação”.

 

Em que pese o calor da polêmica imediata a sua publicação, os anos seguintes arrefeceram o debate em torno da suposta imoralidade do romance de Lúcio Cardoso e a obra passou a ser analisada a partir de seus valores estéticos e literários. Manuel Bandeira, por exemplo, destacou “o dom poético [de Lúcio], o dom de criar vida, atmosfera, de armar os lances imprevisíveis e patéticos do destino”, ao mesmo tempo que criticava a planificação das vozes narrativas (“como me incomodara que todos escrevessem da mesma maneira, que é afinal a maneira de Lúcio!”).

 

A partir da década de 1980, a crítica, sobretudo a universitária, se debruçou sobre a obra apontando a multiplicidade de sendas interpretativas possibilitadas pela Crônica da casa assassinada. A começar pelo estudo pioneiro de Mario Carelli, cuja biografia Corcel de fogo, acompanhada de uma tradução da obra para a língua francesa e do estabelecimento de uma edição crítica para a prestigiada Coleção Archivos, da Unesco, serve como marco inicial para as novas pesquisas em torno do romancista e sua obra. As veredas da interpretação são amplas. Ela passa pelos estudos sobre a polifonia narrativa (Mario Carelli, José Américo Miranda de Barros); pelo romance folhetim, melodramático e filosófico (Alfredo Bosi, Marília Rothier Cardoso); pela questão do feminino, do trágico e da investigação psicanalítica (Elizabeth Cardoso, Ruth Silviano Brandão, Maria Teresinha Martins, Beatriz Damasceno); pela vida literária e o lugar da produção de Lúcio na historiografia literária (Luís Bueno, Teresa de Almeida, Cássia dos Santos), até as novas leituras a partir das diversas abordagens dos Estudos Culturais.

 

Para além da literatura, Crônica da casa assassinada também ressoou fortemente em outras expressões artísticas, como no cinema de Paulo César Saraceni e Luiz Carlos Lacerda, no teatro de Dib Carneiro Neto, e até nas artes plásticas e na música de Tom Jobim. Cada vez mais se reconhece que Crônica da casa assassinada é capaz de sintetizar questões de ordem interna e externa, sociológica e psicológica, oferecendo um lugar privilegiado para investigação da decadência da oligarquia rural brasileira e de uma das vertentes da prosa moderna brasileira. Mikhail Bakthin afirmou que “as obras dissolvem fronteiras da sua época, vivem nos séculos, isto é, no grande tempo”, e é à luz dessa leitura que se pode situar este romance de Lúcio Cardoso.