CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS – DOSSIÊ 38 - Relações dialogais, vulnerabilidades e resistências no ambiente interno das organizações

2021-11-30

Os processos comunicacionais desenvolvidos nos ambientes internos das organizações são espaços de troca, de compartilhamento, de diálogo e também de negociações agonísticas, instituídos e atualizados na interação entre os líderes, gestores, empregados, seja a partir de processos e estratégias da organização, seja para atender às demandas institucionais ou da gestão. O constante processo de construção e desconstrução de vínculos que dão forma aos processos relacionais estabelecidos, evidenciam marcas da diversidade subjetiva e coletiva, aumentando os desafios diante da emergência de conflitos morais e dilemas éticos. As dinâmicas interacionais que modelam os arranjos das relações em ambientes internos das organizações são também reflexo do redimensionamento das transformações contemporâneas e das relações de trabalho, implicando outras práticas de formação profissional, de arranjo e controle dos vínculos empregatícios e da ética empresarial. Além disso, perpassam essas relações a cultura organizacional, as relações de poder, as disputa de forças e de sentidos entre diferentes atores.

É justamente esse entendimento da comunicação que se estabelece em ambientes internos das organizações que nos indica como seus fluxos são atravessados e tensionados por distintas lógicas e racionalidades, que podem defini-la como processo comunicativo dinâmico que articula a situação discursiva, os interlocutores, os discursos por eles acionados e suas interações simbólicas. Os agenciamentos de gestão e controle (voltados para o alcance de objetivos e o cumprimento de metas de sucesso e credibilidade) convivem agonisticamente com os agenciamentos relacionais, que apostam no diálogo e na estratégia como prática para promover aproximações e interfaces entre gestores e colaboradores.

Ao mesmo tempo que deve ser fonte de fortalecimento das identidades e vínculos entre aqueles que vivenciam o ambiente interno das organizações, a comunicação é perpassada por múltiplas opressões, sofrimentos e assujeitamentos. A experiência da violência simbólica e da desumanização no contexto do trabalho podem ser expressas nos silenciamentos, no assédio verbal, moral e sexual, na brutalidade que atravessa raça, classe e gênero, revelando como as instituições criam sistemas de diferenciação que constroem e posicionam pessoas como de dentro ou de fora, dignas ou indignas, apreciáveis ou sem valor. Tais mecanismos de apreciação valorativa das diferenças estabelecem, aprofundam ou redefinem vulnerabilidades, sejam elas de dimensão moral, física, semântica, financeira, social, econômica, de gênero, interseccional.

Assim, diferentes perspectivas teóricas e metodológicas para pensar o  fenômeno da comunicação estão presentes no ambiente interno das organizações, assim como a frequência do risco, da mobilidade nas relações organizacionais, das ameaças impostas pela perspectiva neoliberal, da violência e brutalismo dos sistemas de gestão. Os complexos e dinâmicos processos internos não são lineares,  apesar da organização ter a intenção de constituir estabilidades, descaracterizar as diferenças, demarcar espaços identitários e posicionamentos estratégicos. No entanto, os atores encontram brechas, fissuras, quebras e intervalos para enfrentar os desafios postos pelo poder e pelas estruturas organizacionais definidas e fechadas.

Os aspectos comunicacionais das interações internas nos ambientes organizacionais revelam uma potência estética e política ligada ao trabalho reflexivo de desestabilizar papéis e representações impostos por meio da invenção de auto-narrativas, de relatos de si e de testemunhos que promovem os afetos e as afetações, os modos de partilhar, de escutar, de compreender e de buscar experimentações coletivas mais justas. Sob esse prisma, qualquer dinâmica dialógica em contextos organizacionais internos não deve ter como objetivo unificar os sujeitos numa espécie de grande ‘orquestra’ em harmonia, mas articulá-los em redes de negociação, conflito e dissenso capazes de expor assimetrias e opressões, deslocando enquadramentos ideológicos que continuam a permitir sua naturalização. Relações dialogais não são remédio rápido para alívio de problemas institucionais, mas podem ajudar a descortinar desigualdades morais em meio às quais vivem os sujeitos nos ambientes organizacionais.

Com a chegada dos tempos pandêmicos muitos deslocamentos aconteceram, como  o confinamento social, a imposição do trabalho remoto e híbrido,  a não presença física dos gestores, a casa partilhada com o espaço de trabalho, o uso excessivo das tecnologias digitais, modificando as relações organizacionais internas, as relações afetivas, as formas de trabalho e de tratamento dos conflitos e adoecimentos. Esta realidade reflete-se diretamente nos processos internos de interlocução, que agora precisam considerar todos esses aspectos que interferem nos comportamentos e na dinâmica da comunicação interna conformada em outro contexto, marcado por outras disputas, relações de poder e tentativas de manutenção dos vínculos que articulam um comum possível.

Neste dossiê, a Revista Organicom busca reunir estudos e pesquisas que mobilizem aspectos epistemológicos, teóricos, empíricos e metodológicos para compreender a comunicação em ambientes internos nesse outro cenário e as diferentes abordagens sobre as dinâmicas comunicacionais que redefinem constantemente contextos, práticas, processos de interação que modelam as territorialidades, os afetos e as vulnerabilidades existentes a partir das tensões entre a organização e os atores internos. Dessa maneira, ressalta-se a importância de artigos que abordem e discutam as seguintes temáticas afinadas à proposta do dossiê:

 

  • Comunicação Interna: tendências, reflexões e técnicas
  • Cultura, memória, territorializações e rituais
  • Comunicação em ambientes internos, relações de poder e práticas de resistência
  • A produção de espaços heterotópicos e utópicos em cenários de distopia política, crise ambiental e pandemia
  • Construções discursivas da identidade e da diferença no ambiente interno das organizações
  • Dilemas impostos às práticas de gestão da diversidade
  • Arranjos discursivos e disputas de sentido no espaço comunicacional partilhado internamente
  • Silenciamentos, opressões, conflitos morais, traumas e contradições no âmbito interno das organizações
  • Vulnerabilidades, afetos e táticas minoritárias de auto-definição e auto-realização
  • Limiares entre controle e descontrole diante da emergência de desigualdades e crises
  • O trabalho e as dinâmicas de gestão de suas práticas na contemporaneidade

 

 

Editoras convidadas:

Ângela Marques (PPGCOM/UFMG)

Ivone de Lourdes Oliveira (PPGCOM-Puc-Minas).