pluralPlural - Revista de Ciências SociaisPlural - Revista de Ciências Sociais2176-80992176-8099Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo10.11606/issn.2176-8099.pcso.2022.200797ARTIGO“O Evaristo é um modelo que a gente tá fazendo”: O seguro como política e como horror“Evaristo is a model that we’re making”: Safe as policy and horror0000-0002-6849-2553CanheoRoberta OlivatoaDoutoranda e mestra em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense.Universidade Federal Fluminense16022023Jul-Dec20222921421640608202202112022Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative CommonsResumo
A partir da pesquisa realizada durante o mestrado, busco aprofundar neste artigo reflexões sobre a edificação do Presídio Evaristo de Moraes, classificado como seguro, como espaço de acolhimento para a população LGBT presa na cidade do Rio de Janeiro. Assim, o objetivo é demonstrar a construção discursiva do seguro - por atores externos aos muros prisionais e ancorada em preceitos de direitos humanos - como uma política pública para uma população considerada vulnerável. A metodologia utilizada combina entrevistas semiestruturadas com atores institucionais, relatos etnográficos do período em que realizei visitas ao presídio e a análise qualitativa de resoluções, normativas, relatórios, dentre outros documentos que estabelecem diretrizes para o tratamento da população LGBT no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. O artigo desnuda as contradições da edificação de um presídio em péssimas condições como um modelo de acolhimento para pessoas LGBT privadas de liberdade.
Abstract
Based on my research carried out during the master’s degree, I seek to deepen in this article reflections on the edification of the Evaristo de Moraes Prison, a prison classified as “safe”, as a “welcoming” space for the “LGBT population” imprisoned in the city of Rio de Janeiro. Thus, the objective is to demonstrate the discursive construction of “safe”-by actors outside the prison walls, and anchored in human rights precepts- as a public policy for a population considered as “vulnerable”. The methodology used combines semi-structured interviews with institutional actors; ethnographic reports of the period in which I visited the prison; and qualitative analysis of legal resolutions, regulations, and official reports, among other documents that establish guidelines for the treatment of the LGBT population in the Rio de Janeiro Penitentiary System. The paper shows as a result the unveiling of the contradictions of building a prison in terrible conditions as a model of reception for LGBT people deprived of liberty.
Palavras-chave:Presídio Evaristo de MoraesSeguroPopulação LGBTAtores institucionaisDireitos humanosKeywords:Evaristo de Moraes prisonSafeLGBT populationInstitutional actorsHuman rightsINTRODUÇÃO
Chegamos, eu e outra membra da Associação Elas Existem - Mulheres Encarceradas, por volta de meio dia, nos identificamos na portaria e fomos ao encontro do diretor, que logo nos levou ao pavilhão onde se localizam as alas (as salas administrativas e enfermaria são apartadas, em outro prédio). Fomos, então, apresentadas a um dos presos, que compunha a comissão LGBT1 (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) do presídio, e que depois nos contou que já estava há mais de 17 anos dentro do sistema.2 O diretor se retirou e nos deixou com ele, que, muito atencioso, nos mostrou a disposição de celas e alas e, durante o percurso, convidava outras pessoas integrantes da população LGBT do presídio a nos acompanhar.
Notamos logo de início a superlotação do presídio. As celas, com capacidade máxima para 56 pessoas, abrigavam cerca de 108, segundo os próprios presos. O mau cheiro, a umidade e o frio dentro do pavilhão também chamaram a nossa atenção. Durante o percurso, pudemos identificar algumas divisões específicas em galerias. As pessoas evangélicas, por exemplo, contavam com duas galerias próprias, com muros pintados e coloridos, ao fundo do pavilhão.
As mulheres transexuais e travestis convivem na área comum, junto aos demais presos. Elas relataram casos em que, para habitar as galerias dos evangélicos - o que era benéfico quando se tinha algum problema no convívio -, pessoas trans haviam sido obrigadas a rasparem os cabelos e a se vestirem com roupas atribuídas ao gênero masculino. Em relação à prescrição de hormônios, apesar de a Resolução nº 558 atribuir a responsabilidade de fornecimento à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), isso não acontece, e o seu abastecimento fica a cargo da família da pessoa presa.
Isso se torna um grande problema, já que poucas recebem visitas e, dentre essas, um número ainda menor conta com esse tipo de ajuda. O problema se agravou nos últimos tempos, pois as poucas que recebem os hormônios, geralmente pedem uma quantidade maior, podendo, assim, dividir com aquelas que não recebem esse apoio familiar. Sob o argumento de que as trans estariam comercializando os hormônios, a administração passou a detê-los, entregando àquelas que os recebiam apenas a quantidade suficiente para a administração individual mensal. Outra questão que todas apontaram foi a violência no tratamento de determinados agentes em relação à população LGBT. Um desses agentes foi citado por todas, sendo certo que o horário de seu plantão era sempre o mais temeroso. Durante os plantões de tais agentes, não era permitida a circulação nas galerias portando acessórios e roupas consideradas socialmente femininas. Quando chegamos ao pavilhão, inclusive, nos deparamos com duas trans dentro da cela de isolamento, por terem saído para o banho de sol de top, o que não era aceito pelos agentes daquele plantão.
Não são poucas as pessoas soropositivas ali dentro, que não contam com nenhum atendimento especializado. Um homem gay nos relatou sua situação, de estar dormindo no chão frio, devido à falta de colchões, tendo contraído tuberculose duas vezes em um espaço curto de tempo. Muitas presas trans que portavam silicone industrial nos corpos estavam também com feridas, causadas, segundo elas, por uma rejeição, que era intensificada com o contato com o chão frio.
Terminada a conversa dentro do pavilhão das alas, o mesmo preso que havia nos recebido e uma das presidentas da comissão LGBT nos levaram para conhecer a enfermaria. A dispensa em que deveriam estar armazenados os medicamentos, estava vazia, faltando até medicamentos básicos, como dipirona. Depois, entramos na sala destinada às consultas médicas (realizadas apenas uma vez por semana, para atender a um contingente de quase três mil presos), e não conseguimos ficar lá por muito tempo. As paredes estavam cobertas por mofo e respirar, ali, era praticamente impossível (Caderno de campo, dia 30 de junho de 2017).
O relato acima refere-se à única vez em que transitei entre as alas - espaços onde as pessoas encarceradas são alocadas - do Presídio Evaristo de Moraes (PEM), localizado no bairro São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro. À época, eu fazia parte da Associação Elas Existem - Mulheres Encarceradas, que pautava criticamente o encarceramento feminino no contexto fluminense, e que tinha como uma de suas funções a realização de atividades em unidades prisionais. Meses antes, ao longo do segundo semestre de 2016, havia entrado no PEM na companhia de uma defensora pública estadual, que realizava uma pesquisa com pessoas trans (travestis e mulheres transexuais) alocadas nesse presídio.
Durante a pesquisa, desempenhando a função de assistente da defensora, sentava-me junto a ela na sala designada para atendimentos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, localizada no mesmo prédio em que estavam as salas administrativas, apartada do pavilhão em que os presos ficavam. As presas trans eram trazidas por um faxina3 para participar da pesquisa, em que eram entrevistadas pela defensora e por mim. A tarefa era preencher um formulário por ela elaborado, cuja principal função era averiguar o cumprimento das determinações contidas na Resolução n° 558, de 2015, da SEAP, que estabeleceu diretrizes e normativas para o tratamento da população LGBT no sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro.
Entre os direitos garantidos pela Resolução SEAP 558/2015, estavam: a inclusão do nome social na Guia de Recolhimento do preso; o direito ao uso de uniforme e roupas íntimas de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica, inclusive durante os banhos de sol; a garantia de acesso aos serviços públicos de saúde, incluindo a hormonoterapia; e a manutenção dos cabelos compridos para as travestis e mulheres transexuais que assim desejassem.
A Resolução SEAP 558/2015 foi editada na esteira de um crescente movimento nacional para se estabelecer parâmetros de acolhimento para pessoas LGBT privadas de liberdade, tendo como pano de fundo a Resolução Conjunta do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNPCP/CNCD/LGBT n° 01, de 2014, que tratou da matéria em âmbito nacional.
Na atualidade, outras iniciativas passaram a figurar como importantes marcos no que diz respeito aos espaços de aprisionamento de pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexos) e na concessão de outros diversos direitos a essa população, como é o caso das Resoluções nº 348 e nº 366, do Conselho Nacional de Justiça, publicadas, respectivamente, em 2020 e 2021; e da decisão liminar proferida em 2021 pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, proposta pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), em 2018. Tais iniciativas, no entanto, não compreendem o objeto de estudo do presente artigo; considero necessária, porém, a contextualização mínima da temática no campo normativo, e a indicação da permanência de sua centralidade até os dias atuais.
Não pretendo retomar em pormenores neste artigo as informações colhidas a partir do preenchimento dos formulários elaborados pela Defensoria Pública ao longo das minhas visitas ao PEM. Isso porque meu interesse primordial durante o trabalho de campo foi pensar a produção de pessoas LGBT privadas de liberdade como sujeitos políticos de direitos, produção levada a cabo por atores institucionais, ao invés de etnografar as vidas, as relações e os conflitos vivenciados por essas pessoas aprisionadas. Dessa forma, meu objeto de pesquisa foi investigar quais os processos de Estado - sempre generificados (Vianna, Lowenkron, 2017) - que levaram à constituição desses novos sujeitos; quais técnicas de governamentalidade estão presentes nesses processos.
Como parte desse intento, realizei entrevistas semiestruturadas com atores institucionais envolvidos na elaboração e implementação da mencionada resolução, entre os anos de 2015 e 2016. Meus principais interlocutores de pesquisa foram representantes de instituições, como a Secretaria de Administração Penitenciária, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, e o Programa Rio sem Homofobia.
A metodologia utilizada combinou, além das entrevistas semiestruturadas com atores institucionais, relatos etnográficos do período em que realizei visitas ao presídio, na companhia da defensora pública; e a análise qualitativa de resoluções, normativas, relatórios, dentre outros documentos que estabeleceram diretrizes para o tratamento da população LGBT no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Com a proposta de adensar a pesquisa realizada durante o período de meu mestrado, invisto neste artigo mais intensamente na análise qualitativa de documentos, em especial de relatórios oriundos de inspeções no Presídio Evaristo de Moraes realizadas por órgãos de fiscalização, notadamente a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ).
Aqui, centro meus esforços em reflexões sobre a edificação do Presídio Evaristo de Moraes, classificado como seguro, como espaço de acolhimento para a população LGBT presa na cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, objetiva-se demonstrar a construção discursiva do seguro - por atores estatais, e ancorada em preceitos de direitos humanos - como uma política pública para uma população considerada vulnerável, a população LGBT presa.
Importante pontuar que os direitos humanos são tratados neste artigo a partir de uma perspectiva etnográfica, como uma categoria polissêmica, “cuja ‘vida social’ tem extrapolado em enorme medida seus sentidos normativos e substantivos, em prol de dinâmicas heterogêneas e diversas de mobilização” (Eilbaum et al., 2019, p. 26). Dessa forma, o interesse se volta aos efeitos dos usos sociais dessa categoria e no modo como os atores institucionais aqui considerados a mobilizam, de maneira abstrata, para sustentar que seus empreendimentos estão de acordo com esses preceitos.
A vulnerabilidade aparece aqui também como uma categoria acionada pelos atores institucionais e pelas normativas para caracterizar a população LGBT presa como necessitada de políticas tutelares, por meio dos marcos do humanitarismo (Fassin, 2005). Ou seja, como uma população congelada ao papel de vítima e, consequentemente, desprovida de agência.
O artigo está dividido em quatro seções, para além desta introdução. Na primeira seção, situo na literatura as discussões sobre seguro prisional, e seus múltiplos sentidos. Na segunda, o foco recai sobre o PEM e em como ele passa a ser edificado como um espaço seguro para a população LGBT ali alocada. Na terceira seção, recorro a relatórios produzidos pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro e pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro após inspeções realizadas no presídio, objetivando demonstrar o que esses documentos dizem sobre ele e suas condições de aprisionamento. Na quarta seção, apresento as considerações finais, enfatizando as contradições da edificação de um presídio em péssimas condições como um modelo de acolhimento para pessoas LGBT privadas de liberdade.
SEGUROS PRISIONAIS E SEUS MÚLTIPLOS SENTIDOS
Num sentido mais amplo, o seguro no sistema prisional corresponde a unidades prisionais, pavilhões ou celas destinadas àqueles que não estariam seguros nos espaços dominados por facções ou junto à massa carcerária. Neste tópico, pretendo demonstrar, não obstante, a polissemia da categoria seguro prisional, recorrendo, para tanto, a uma literatura que vem debruçando-se ou, ao menos, tangenciando o assunto. Por fim, pretendo mostrar quais os sentidos assumidos quando se fala de espaços destinados à população LGBT presa.
A temática do seguro nas prisões brasileiras tem sido objeto de atenção de pesquisadores, especialmente nas últimas décadas. Entretanto, desde a década de 1970 o tema aparece em pesquisas que enfocam a divisão espacial da prisão e a distribuição dos presos em pavilhões, galerias, alas e celas.
A pesquisa de José Ricardo Ramalho, realizada no Carandiru, em 1975, em meio à Ditadura Militar, por exemplo, mostra que o Pavilhão 5 da prisão era chamado pelos presos de “pavilhão seguro” ou “pavilhão de castigo” e descrito por eles como a “cadeia dentro da cadeia” (Ramalho, 2002, p. 17). De um lado, era utilizado para cumprimento dos castigos que se impunham aos presos em consequência de contravenções na própria cadeia; de outro, como medida de segurança para os presos gravemente ameaçados por outros.
Além disso, uma seção do 5º andar era destinada aos presos considerados desequilibrados mentais. Em um mesmo pavilhão, assim, concentravam-se os perigosos, os ameaçados e os “loucos” (Ramalho, 2002, p. 116-17). Não exatamente como seguro, mas ainda num sentido de segregação, travestis aparecem na obra como possíveis geradoras de brigas e disputas entre os presos, e, por esse motivo, ficariam em cela separada.
Pensando as divisões entre seguro e convívio, Adalton Marques identifica em sua pesquisa três sentidos de seguro atribuídos pelos presos: “aqueles que pedem proteção para a administração prisional diante de ameaças de outros encarcerados”; “a condição daqueles que pedem proteção”; e “o lugar onde ficam os presos protegidos”. Assim, seguro assume, em seu trabalho, a significação de “população, condição e lugar” (Marques, 2009, p. 29). O convívio seria todo o resto. Ainda, o autor destaca duas composições do seguro: pelos presos que nunca estiveram no convívio, devido aos seus históricos criminais; e por aqueles que “pedem seguro” após quebrarem alguma regra do “proceder” (Marques, 2009, p. 30-1).
Por sua vez, Fábio Mallart explora em sua tese as circulações e confinamentos aos quais são submetidas determinadas populações da cidade, que passam por instituições de acolhimento, centros de internação para adolescentes, hospitais psiquiátricos, Centros de Atenção Psicossocial, espaços urbanos como a cracolândia, prisões e manicômios judiciários. Dentro das prisões, nos espaços denominados pelo autor como “seguro do seguro”, estão aqueles não figurados nos organogramas institucionais. Tais espaços são diferentes dos castigos e seguros, que têm previsão legal (Mallart, 2019).
Esses cubículos “seguro do seguro” são trancados vinte e quatro horas por dia, sendo ainda mais fétidos e escuros que outras celas do mesmo espaço, destinados a quem não pode conviver com os que já não podem conviver com a massa carcerária, alocados no seguro. São espaços que integram o que o autor chama de “subterrâneos” (Mallart, 2019, p. 43), espaços que a administração prisional não quer fazer submergir e aparecer.
No campo dos recentes estudos sobre o aprisionamento de pessoas LGBT, vemos pesquisas sobre unidades classificadas pelas administrações prisionais como seguras - como é o caso do PEM -, em que se tem o sentido de seguro como constitutivo de todo aquele espaço prisional; sobre alas apartadas do convívio comum, especialmente designadas para a alocação dessa população; ou ainda sobre alas específicas dentro de presídios já considerados seguros, o seguro do seguro.
Ao contrário do “seguro do seguro” descrito por Mallart (2019), os seguros destinados a pessoas LGBT são acompanhados, muitas vezes, de uma visibilidade intencional pela administração prisional ou pelos atores institucionais responsáveis por sua idealização, na medida em que perfazem os espaços onde os direitos humanos idealmente são respeitados.
Para abordar esse tipo de seguro, tomo como referência as pesquisas de Zamboni (2017); Sander (2021); Boldrin (2015, 2017); Ferreira (2014); Passos (2014); Ferreira et al. (2019); e Nascimento (2020), que discorrem sobre a constituição de alas e seguros voltados à população LGBT em diferentes estados brasileiros.
A edificação de um espaço de respeito aos direitos humanos é descrita por Nascimento (2020), por exemplo, ao narrar a existência de uma ala em uma prisão no Ceará onde “bichas” dividiam o espaço com idosos, “artigos errados” e internos realizando tratamento da Aids. Eles seriam os “rejeitados” no léxico da administração prisional (Nascimento, 2020, p. 6).
Essa concentração teria sido pensada pela administração em um sentido de proteção dessas vidas, considerando ainda um movimento crescente de chegada de facções vindas de outras regiões. O autor expõe o contraste do respeito a algumas reivindicações nesse espaço - o nome social, acesso à saúde, atividades recreativas, manutenção de cabelos, roupas e adereços de acordo com suas identidades - ao passo que, nas demais prisões do Ceará, as pessoas trans continuavam sem tais direitos, sendo alvo de violências institucionais e por parte dos demais presos.
Aludindo também à questão do domínio das facções, porém em São Paulo, em que há uma hegemonia do Primeiro Comando da Capital (PCC), Zamboni (2017) aponta como o Estado se vale de unidades classificadas como neutras ou de seguro para concentrar certos perfis que seriam rechaçados nas demais unidades, dentre eles uma variedade de pessoas presas que destoam dos padrões de masculinidade valorizados no universo prisional, como as bichas, monas, travestis e os envolvidos (Zamboni, 2017).
Por seu turno, Ferreira (2014) discorre sobre como uma ala específica, ou a histórica reunião de acusados/condenados por crimes sexuais e mulheres transexuais/travestis nos mesmos pavilhões dos presídios, passa a ser produzida, no Presídio Central de Porto Alegre, pela narrativa da segurança, de um território seguro. Passos (2014) disserta também acerca da construção da ala LGBT no mesmo presídio, mostrando como sua materialização se deu através da produção discursiva de um sujeito situado e legítimo, invariavelmente oprimido e vitimizado, sem plena autonomia, cuja vida está em permanente risco e cuja preservação da integridade física não depende apenas de si.
A recente pesquisa de Vanessa Sander, por sua vez, mostra como a construção de uma ala LGBT em uma penitenciária masculina na região metropolitana de Belo Horizonte (frequentemente lembrada como a primeira experiência desse tipo) se deu como uma medida de “humanização do sistema penitenciário mineiro”, apoiada em dois principais pilares, “a proteção contra a violência sexual e a garantia da livre expressão de gênero e sexualidade” (Sander, 2021, p. 24) e com especial atenção para a figura da “travesti presa”, tratada simultaneamente como um corpo potencialmente violador e provavelmente violável; e como a “gestão de populações específicas nas prisões não é pensada a contrapelo da garantia de direitos, mas em estreita conexão com tal semântica” (Sander, 2021, p. 105).
Esta longa abertura, perseguindo os sentidos de seguro prisional em diferentes pesquisas (sem a pretensão de ser um levantamento exaustivo), objetivou mostrar seu caráter polissêmico. Entendo, assim, que não se pode defini-lo de antemão ou atribuir a ele qualquer sentido fixo, que não seja construído de forma contextualizada e relacional. Há, não obstante, elementos que ressoam entre esses mais diferentes sentidos de seguro, e binômios como proteção/aniquilação, vulnerabilidade/risco, visibilidade/invisibilidade que aparecem em muitos deles.
Nesse contexto, tentarei demonstrar, tendo esses binômios como parte constituinte do sentido, de que maneira o presídio Evaristo de Moraes (PEM) passa a ser alçado ao lugar de um espaço de acolhimento, ao passo que suas más condições de aprisionamento são denunciadas em todos os documentos trabalhados e ensejam, inclusive, uma decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em agosto de 2019, como se verá mais adiante.
“O EVARISTO É UM MODELO QUE A GENTE TÁ FAZENDO”: A EDIFICAÇÃO DO PEM COMO ESPAÇO SEGURO PARA A POPULAÇÃO LGBT PRESA
O PEM, ou galpão da Quinta - como é popularmente chamado, por ter sido originalmente construído para ser um galpão da Secretaria de Transportes e Obras do Estado -, localiza-se no bairro São Cristóvão, na zona norte da capital fluminense, e reúne acusados e condenados por crimes sexuais e assassinatos, tipificações que, como diziam os agentes penitenciários, constituíam a escória do crime, além das chamadas minorias.
Como não fora construído para alocar pessoas, suas alas não possuíam paredes do chão ao teto, o que facilitava a entrada de animais. Além disso, em razão do pavilhão que abrigava os presos estar em um nível abaixo (praticamente um subsolo), o espaço era extremamente úmido e contaminado pelo mau cheiro.
A menção ao PEM como principal destino e modelo prisional de acolhimento da população LGBT era recorrente nas entrevistas realizadas com atores institucionais, menção que remetia a tempos muito anteriores à confecção da Resolução SEAP 558/2015, e que indicava aquele espaço como histórico destino preferencial das pessoas LGBT que eram presas.
Por esse motivo, uma visita conjunta dos membros do Conselho Estadual dos Direitos da população LGBT4 ao PEM foi realizada em fevereiro de 2015. Nos meses subsequentes, a equipe do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual (Nudiversis) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro percorreu outras quatro unidades prisionais que concentravam travestis e transexuais presas, realizando com elas entrevistas sobre sua condição de aprisionamento. As visitas culminaram na confecção do “Relatório da Situação das Pessoas LGBT Encarceradas no Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015a).
Por um lado, o relatório destaca o “gravíssimo cenário” encontrado nos presídios (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015a, p. 8), o qual foi exposto pela Defensoria em sessão ordinária do Conselho em abril de 2015, que culminou em acordo pela edição da Resolução em maio daquele ano pela SEAP. Por outro, indica que “especificamente na Unidade Prisional Evaristo de Moraes, observou-se um ambiente de mínimo acolhimento e respeito, apesar da existência de problemas relacionados à saúde, bem como à revista e visita íntimas” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015a, p. 7).
A justificativa para a caracterização do presídio como local de “acolhimento” seria a faculdade, por discricionariedade do diretor, dada às travestis e transexuais de manterem “cabelos longos, utilizar vestuário feminino, receber objetos pessoais de uso feminino” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015a, p. 7), além de, geralmente, serem tratadas pelo nome social.
À diferença de presídios modelos de acolhimento de pessoas LGBT em outros estados, no PEM não há uma ala específica designada a elas. Como enunciado na cena introdutória deste artigo, as únicas galerias distintas no presídio à época eram duas destinadas a pessoas evangélicas, além de uma destinada a pessoas idosas, situada perto da entrada do pavilhão.
Em outros estados, a implementação das alas, frequentemente acompanhada de divulgação midiática, é considerada uma boa prática institucional, já que cria, em tese, espaços considerados de menor perigo, especialmente para mulheres transexuais e travestis. De toda forma, uma ala específica, ou um presídio seguro passam a ser produzidos pela narrativa de um território alinhado aos direitos humanos.
Dessa maneira, a pesquisa ilumina, em consonância com outras pesquisas aqui indicadas, uma edificação do PEM como um lugar seguro, em que se implementam políticas públicas para uma população considerada vulnerável, a população LGBT presa. Políticas públicas estas produzidas por atores de fora dos muros prisionais, ancoradas em preceitos dos direitos humanos, como ilustram os excertos de entrevistas reproduzidas abaixo:
Coordenador do Programa Rio Sem Homofobia: Daí um trabalho bacana que tá sendo feito, primeiro lugar assim, como a população LGBT não é tão grande dentro do sistema, a ideia é tentar, principalmente os gays e as travestis e transexuais, concentrarem essa população em algumas unidades penitenciárias. […] Mas o que a gente tem visto é que a maioria absoluta prefere ir pro presídio Evaristo de Morais, aonde estão os outros presos e presas LGBTs. Por quê? Porque você começa a ter ali uma condição de avaliar também qual tipo de necessidade, qual tipo de assistência, até pra gente ter um projeto, um plano piloto, aplicar ali pra gente ver depois como colocamos em prática (entrevista concedida em 20.05.2015) Assessora SEAP: O ponto básico era, existiam travestis dentro do Evaristo de Moraes, ele sempre foi um ponto, só que o sistema não tinha ainda aquele olhar em cima das travestis […] aí nós começamos a mudar as coisas, melhorar […] Mas o polimento mesmo maior foi em 2015, com a criação da Resolução 558, que aí sim elas começaram a ter os mesmos direitos das mulheres dentro do Sistema Penitenciário. Agora o cabelo cresce, a maquiagem entra, são umas meninas lindas ali.
Pesquisadora: E existe essa política de tentar direcionar essa população LGBT mais pro Evaristo mesmo, é uma demanda das presas…ou?
Assessora SEAP: A princípio sim, só que os regimes são diferentes. No Evaristo é quem tá sumariando e fechado, fechado.5 Quando vem pro semiaberto, ele vai pra Bangu, pra ir pro Plácido de Sá Carvalho. A porta de entrada agora tá direcionando também pra Gericinó, tá direcionando pra Volta Redonda, porque o sistema tá sobrecarregado. O sistema foi construído pra 27 mil e 600 presos, e nós estamos com 51 mil.
Pesquisadora: Entendi. E vocês tem alguma perspectiva de ampliação desses direitos da população LGBT? Trabalham em qual sentido hoje?
Assessora SEAP: Não, eu acho assim que os direitos hoje todos foram dados, direitos de igualdade, de privilégio não. Fora isso, acho que o que tava mais pendente mesmo era a saúde; a saúde foi resolvida então não tem problema mais nenhum […] O Evaristo de Moraes é um modelo que a gente tá fazendo, a gente tá, tudo que a gente joga, antes de jogar lá em cima, a gente joga ali pra ver se tudo dá certo. Então eu acho que lá é mais tranquilo (entrevista concedida em 30.8.2016).
Nesse registro, o presídio visitado emerge do discurso de atores institucionais como um espaço seguro, de acolhimento a essa população, onde as políticas públicas são bem-sucedidas. Por sua vez, esse sucesso deve ser visibilizado, administrado e gerido, e a legitimidade para tanto está ancorada na vulnerabilidade e no risco que perfazem a existência de uma população LGBT privada de liberdade, que deverá estar concentrada para melhor ser administrada e protegida.
A materialização desse presídio como um “modelo”, um lugar em que “a saúde foi resolvida, então não tem problema mais nenhum” e para onde, inclusive, as pessoas colocadas em liberdade querem “voltar”, coloca em foco, portanto, a conjugação fundamental entre aquilo que é enunciável sobre “direitos humanos”, “políticas públicas para grupos considerados vulneráveis” e “funcionalidade do sistema carcerário” (Passos, 2014, p. 35-6).6
Por fim, é necessária a ressalva de que tais atores institucionais aqui mencionados não representam a totalidade de atores implicados na constituição das políticas de alas específicas para LGBTI no Brasil, e mais especificamente, no Rio de Janeiro. Como demonstram Zamboni (2020) e Nascimento (2022), essas políticas representam um esforço conjunto, ainda que muitas vezes não coordenado, de movimentos LGBTI+, movimentos sociais ligados aos direitos humanos e setores estatais. No caso da pesquisa de Nascimento (2022), essas políticas são inclusive forjadas a partir da movimentação de atores de fora, mas também de dentro da prisão (funcionários e pessoas presas). No entanto, optei neste artigo por delimitar minha análise aos modos como foram encabeçadas pelos atores institucionais que, de alguma forma, estiveram envolvidos na confecção da Resolução SEAP 558/2015.
RELATÓRIOS DE VISITAS E INSPEÇÕES: O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS SOBRE O PRINCIPAL DESTINO DA POPULAÇÃO LGBT PRESA NO RIO DE JANEIRO
Conforme mencionado na introdução, parte da pesquisa foi realizada por meio da análise qualitativa de resoluções, normativas e relatórios. Nesse tópico, invisto especificamente na análise de relatórios oriundos de inspeções no Presídio Evaristo de Moraes realizadas por órgãos de fiscalização, no caso, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ).
Por meio de um pedido de acesso à informação,7 em que solicitei a integralidade dos relatórios de visitas realizadas pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro ao PEM, entre 2014 e 2020, foram-me disponibilizados dois documentos: o primeiro, relativo a duas visitas, realizadas em 30 de abril e 12 de maio de 2015; e o segundo relativo a uma visita realizada em 11 de abril de 2017.8
Em relação ao primeiro relatório, foi apontado como motivo da realização de duas visitas em um espaço tão curto de tempo uma série de empecilhos à vistoria colocados pela administração prisional do presídio. A equipe, que possui prerrogativa para a realização de vistorias sem a necessidade de aviso prévio, relatou ter esperado mais de uma hora e meia para acessar as galerias do PEM no primeiro dia, bem como as intimidações sofridas pelos presos perpetradas por agentes prisionais, compelindo-os a não encaminharem qualquer reclamação, exceto aquelas que fossem referentes ao atendimento da própria Defensoria Pública.
Foi relatado, ainda, o impedimento de uso de registros audiovisual e fotográfico e uma série de outros “embaraços criados […] para realização da vistoria” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015b, p. 02), como a vigilância realizada pelos agentes prisionais no momento da inspeção e das entrevistas, sendo a conduta inadequada do então diretor do presídio diversas vezes destacada. Na visita, foi verificada uma superlotação prisional da ordem de 127,7% em relação à capacidade do presídio.
Já a segunda visita, em 12 de maio de 2015, foi realizada em conjunto com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e com o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ). Havia ocorrido também a recente mudança na direção do PEM, o que possibilitou, segundo o relatório, uma “total liberdade para conversa com os presos” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015b, p. 32).
Ao descrever a distribuição das galerias e celas, o relatório indica a existência dos espaços de isolamento, com três celas, e do chamado seguro, com sete celas. Importante ressaltar que o seguro no PEM, à diferença de outros estabelecimentos prisionais, é destinado aos presos que estão em transferência, sendo em tese, um espaço de alocação provisório. Apesar das condições precárias de estrutura serem observadas em todo o pavilhão prisional, é nessas celas que a suspensão de condições mínimas de existência se faz mais forte, segundo o Relatório:
A pior situação de higiene encontrada foi na galeria destinada ao “isolamento”, onde observamos condições totalmente sub-humanas. Uma das celas estava sem luz, com água acumulada, lixo, fezes e dejetos. No início, em um canto, fica acumulado o lixo (todo o ambiente de umidade e junção de diversos resíduos é um campo fértil para proliferação de pequenos vermes e insetos). A sujeira caminha por toda a extensão da cela, fazendo uma espécie de fossa em local fechado e ainda com ausência de luz. Quanto à limpeza, não há; os presos, apesar de serem os responsáveis por esta, não contam com material de limpeza, como já acima relatado e nenhuma ajuda de funcionários da SEAP.
[…] Nas celas destinadas ao seguro, onde os presos permanecem por não poderem conviver com o efetivo carcerário, enquanto aguardam transferência para outra unidade, encontramos presos que lá estão há 3,4,7 meses e até há mais de um ano!!!
Observa-se que essas celas têm a característica de provisoriedade, devido à falta de estrutura e porque os presos que lá estão não possuem acesso a televisão, rádio, cantina, escola, lazer, têm visitação restrita, entre outras coisas, o que agrava ainda mais o cumprimento de sua pena (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015b, p. 23-25).
Questões sobre a assistência religiosa católica e evangélica também são tratadas, sendo enfatizada a existência de celas reservadas para os presos evangélicos, onde se observou nítida “diferença para as demais celas em termos de limpeza e estrutura, parecendo que esses presos têm (sic) um tratamento diferenciado na Unidade” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015b, p. 29), possuindo acesso a materiais de limpeza, colchões e roupas de cama.
Esse relato não difere daquele que inaugura o artigo, em que descrevo a necessidade das pessoas trans rasparem os cabelos e se vestirem com roupas consideradas masculinas, como se numa adequação à conversão evangélica, que as possibilitaria habitar um lugar de melhores condições. Uma conversão, portanto, que não remete apenas a uma conversão religiosa, mas que implica numa conversão da ordem do ser, uma negociação do corpo pela religião, pelo espaço, por um conjunto de relações, em um movimento de possibilidades de agências, não obstante, marcadas por um rebaixamento ostensivo, representado pelas condições de extrema necessidade.
A existência das galerias evangélicas, bem como a existência das celas de isolamento, nos faz pensar que, apesar de inexistir de maneira institucionalizada um seguro do seguro para pessoas trans ou LGBT no PEM, esses lugares de certa maneira desempenham tal função, no primeiro caso num sentido próximo àquele de proteção; e no segundo, num sentido muito mais próximo àquele de castigo.
Prosseguindo com o relatório de inspeção, para além das questões de infraestrutura do presídio, a alimentação é classificada como de péssima qualidade, vindo muitas vezes estragada e fora do horário estipulado. A água, por sua vez, não é potável, como mostra uma foto juntada pela Defensoria Pública, em que é possível ver a proliferação de larvas e insetos na água, utilizada inclusive para consumo.
Em relação à saúde, aponta-se a existência de muitos internos com tuberculose, pneumonia e Aids, dentre outras doenças, além da inexistência de medicamentos, o atraso em sua oferta ou sua insuficiência. Os presos eram enviados para o Hospital Hamilton Agostinho em Bangu apenas quando estavam “no fim de suas forças” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2015b, p. 39). Ou seja, iam para o hospital apenas para que pudesse ser constatado o óbito.
O segundo Relatório da Defensoria, de abril de 2017, principia também com a exposição de um conflito com a administração do presídio, que, sob nova direção, desaconselhou a realização da vistoria no dia, justificando que estaria sendo realizado naquele momento o procedimento denominado pelo diretor de “revista geral” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2017, p. 2), em que os presos ficavam nus, o que traria a eles constrangimentos. Nesse momento, a equipe de inspeção avistou presas transexuais sendo revistadas sem roupas na frente de ISAPs (Inspetores de Segurança e Administração Penitenciária) e dos demais presos, o que, conforme o relatório, violaria o disposto no artigo 7° da Resolução SEAP 558/2015.
O relatório (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2017, p. 6) chama atenção para o fato de o presídio ser “neutro” (ou seja, sem predominância de alguma facção) e para a grande concentração de pessoas LGBT ali alocadas, o que faria do espaço um presídio “referência” (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2017, p. 14) para pessoas trans e travestis no Rio de Janeiro.
Além disso, na data da vistoria, o PEM estaria com um percentual de ocupação de 172%. No seguro e no isolamento, as condições de estrutura se assemelhavam àquelas descritas no relatório de vistoria de 2015, sendo verificada, ademais, a ausência de luz em tais espaços. O documento destaca ainda o grande número de relatos de espancamentos dos presos pelos agentes, principalmente daqueles cumprindo sanção disciplinar, bem como a ocorrência de sessão de tortura no corredor em frente ao isolamento (tendo uma delas ocorrido no dia anterior à inspeção).
Há denúncias também de xingamentos frequentes, inclusive quando os presos solicitavam assistência médica. Preferiam sofrer em silêncio, quando doentes ou machucados, a solicitar atendimento e serem violentados pelos agentes. A equipe, diante dos relatos, solicitou à direção que fossem cedidas as imagens das câmeras do circuito interno de segurança, porém a resposta recebida foi de que as câmeras daquele setor não estavam funcionando.
Mais adiante, o relatório concentra-se, especificamente, na situação de transexuais e travestis alocadas no presídio:
Durante a vistoria a equipe conversou com dezenas de presas travestis e transexuais, que por escolha ficam espalhadas nas celas coletivas. As internas relataram que são tratadas de forma discriminatória e sofrem xingamentos de cunho transfóbico constantemente por parte dos agentes penitenciários e não recebem tratamento conforme sua identidade de gênero. Relataram também que o nome social delas não é respeitado. Foram ouvidas reclamações especialmente contra o agente X9 que costuma dizer que as internas transexuais e travestis são homens e as xinga de “monstro”, dentre outros nomes pejorativos.
Vale pontuar que a Resolução n° 558/15 da SEAP garante o respeito à identidade de gênero e veda o tratamento discriminatório por funcionários do sistema penitenciário, conforme o disposto no art. 1° da referida Resolução. Sobre o desrespeito ao nome social das presas, agentes e servidores da Unidade relataram que isso ocorre em razão da SEAP não possuir cadastro adequado para os presos e presas transexuais e travestis, o que viola o art.2, § 2° da Resolução 558/15.
As presas transexuais e travestis relataram também que dependem exclusivamente dos visitantes para ter acesso ao tratamento hormonal adequado, pois o medicamento não é fornecido pelo Estado. Muitas não recebem visitas e por isso não conseguem dar continuidade ao tratamento.
[…] Sabendo da latente falta de informação existente no Sistema Prisional Fluminense, a equipe distribuiu uma cartilha preparada pelo Núcleo de Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (NUDIVERSIS) da Defensoria Pública em conjunto com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) com informações e dúvidas frequentes acerca dos direitos e deveres da população LGBT no cárcere, determinadas na Resolução n° 558/15 da SEAP. Foram entregues cartilhas para internas e internos LGBTs, assim como para os agentes penitenciários, professores e profissionais de saúde. Apesar da cartilha ter sido elaborada em parceria com a SEAP, muitos funcionários e presos disseram desconhecê-la (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2017, p. 15-16).
Questões sobre o fornecimento de água e sua falta de potabilidade, má qualidade da alimentação, ausência de banho de sol adequado, precariedade da infraestrutura do presídio, ausência de higiene e umidade excessiva são também indicadas no relatório, que traz ao final uma série de recomendações ao poder público. Estas abrangem também a necessidade de capacitação de todos os funcionários lotados no PEM, visando sua sensibilização e conhecimento sobre os direitos das pessoas LGBT privadas de liberdade; o fim da revista íntima de pessoas trans em conjunto com outros presos e o fornecimento de medicamentos hormonais a presas trans, garantindo seu acesso ao tratamento, em respeito ao art. 9 § 1° da Resolução SEAP n° 558/2015.
Além dos relatórios da Defensoria Pública, foram consultados dois relatórios elaborados pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/ RJ),10 ambos disponíveis no site do Mecanismo: o Relatório Mulheres, meninas e privação de liberdade (MEPCT/RJ, 2016) e o Relatório Temático Sistema em Colapso (MEPCT/RJ, 2018).11
O primeiro relatório, como o nome indica, concentrou-se essencialmente na situação de pessoas trans no presídio, sendo que a visita ao PEM foi a única visita a um presídio classificado como masculino para a confecção do documento. Durante a visita, a equipe do MEPCT/RJ ouviu “relatos de tortura contra presas transexuais e travestis suspeitas de portarem entorpecentes, as quais tiveram uma mangueira enfiada no ânus, foram xingadas e humilhadas”, além de “relatos de agressões perpetradas por agentes do Serviço de Operações Especiais (SOE) durante o transporte das presas” (MEPCT/RJ, 2016, p. 53).
O relatório destaca, ainda, que “as únicas pessoas nas celas de isolamento no dia da inspeção eram mulheres transexuais - uma estava isolada por suposto desrespeito às ordens do inspetor e outra por suposto porte de drogas, fatos que ensejaram sanção disciplinar” (MEPCT/RJ, 2016, p. 53). O relatório conclui, pelos relatos, que a maior violência sofrida pelas presas trans em relação à identidade de gênero envolvia os agentes da SEAP, e não o coletivo de presos.
O segundo relatório, que foca nas questões sanitárias das instituições prisionais no Rio de Janeiro, destina boa parte das considerações ao PEM. Um dos importantes destaques feitos pela equipe foi a criação, em maio de 2018, da Coordenação de Unidades Prisionais Femininas e Cidadania LGBT (COFEMCI) pela SEAP, que dentre suas iniciativas informadas, estariam “a implantação do projeto lilás, para dar conta de apoio a mulheres que passaram por violência doméstica; e as visitas nas unidades femininas e que possuam presos e presas LGBT para mapeamento das necessidades e demandas desses grupos” (MEPCT/RJ, 2018, p. 106). Como se vê, a SEAP, uma vez mais, investe recursos na implementação de políticas voltadas às pessoas LGBT presas.
O documento volta a mencionar o PEM como sendo a unidade com maior contingente de presas trans, onde a hormonização persistia sendo realizada apenas por meio de entrega de hormônios por familiares, cuja aplicação era acompanhada pelo médico da unidade. Destaca também a superpopulação do presídio, contando em novembro de 2018 com 3872 presos (o que seria o equivalente a 259% da capacidade). Nas recomendações ao final do relatório, clama-se (como de praxe) pelo respeito aos dispositivos da Resolução SEAP 558/2015, como o direito ao nome social, ao tratamento hormonal, a adequada formação de servidores no que se refere ao tratamento dispensado à população LGBT (MEPCT/RJ, 2018).
A constante menção aos dispositivos da Resolução SEAP 558/2015 em todos os relatórios trabalhados, e ao seu insistente descumprimento ao longo dos anos, apontam para as limitações da elaboração de normativas que acabam “servindo apenas para produzir uma jurisprudência a ser evocada como as demais leis, normas e convenções cotidianamente postas em suspensão pelo funcionamento ordinário das prisões fluminenses” (Godoi, 2019, p. 154).
As descrições das condições de aprisionamento nos relatórios trabalhados denotam uma completa falta de mobilização por parte da SEAP em fazer cumprir dispositivos por ela mesma criados. Essa inoperância reforça o argumento de que, ainda que exista um esforço por parte da SEAP, bem como de outras instituições, em publicar resoluções e criar iniciativas de caráter progressivo no campo de gênero e sexualidade, o que se vê, na prática, é sua completa inocuidade.
Por fim, o último documento analisado foi uma decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que, em agosto de 2019, concedeu medidas cautelares - recurso utilizado em situações de gravidade ou urgência - em favor das pessoas privadas de liberdade no PEM (CIDH, 2019),12 requerendo a adoção pelo Estado brasileiro de ações urgentes, visando à prevenção de danos irreparáveis às pessoas que se encontrem sob sua jurisdição. A medida foi solicitada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sob alegação de que os internos enfrentavam graves condições de detenção e falta de assistência médica adequada.
Na decisão, a Comissão informa que a solicitante reportou que, em abril de 2019, o Presídio Evaristo de Moraes estava com uma taxa de superlotação de 252,17%, o que era particularmente preocupante do ponto de vista sanitário. Um quadro com o número de mortes registradas no presídio, anexado no requerimento pela Defensoria, também é exposto na decisão, revelando a ocorrência de 147 óbitos de 2008 a abril de 2019.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As narrativas dos atores institucionais, as normativas, os relatórios de vistoria e os relatos etnográficos que compõem o material deste artigo desnudam as contradições da edificação de um presídio em péssimas condições como um modelo de acolhimento para pessoas LGBT presas.
Assim, o trabalho mostra a construção de políticas públicas para essas pessoas, como sua concentração em um presídio seguro, instrumentalizada por atores institucionais que se dizem comprometidos com uma agenda de direitos humanos. Esse seguro ganha, então, contornos de uma política que visa à proteção de vulneráveis, perfectibilizando um nó entre risco e vulnerabilidade. Ao contrário de outros espaços também considerados seguros, aqueles destinados a LGBTs são frequentemente visibilizados, alçados à categoria de boa prática institucional.
Entretanto, esse seguro intencionalmente visibilizado carrega também uma dimensão de invisibilidade, representada pelas condições de extrema precariedade de seu espaço físico, pela má qualidade da alimentação e da água, pela umidade e sujeira das celas, pela presença de animais e insetos, pelo chão frio, que quando em contato com a pele de corpos siliconados, produz feridas.
A invisibilidade é ainda potencializada quando as celas de isolamento - que na cena introdutória abrigam duas trans em castigo, por apenas terem agido como permitido pela tão comentada Resolução SEAP 558/2015 - são ainda mais sujas, mais fétidas, mais úmidas e mais escuras. Esses são, ademais, os locais preferenciais dos espancamentos perpetrados pelos agentes penitenciários, como mostra um dos relatórios da Defensoria Pública. São os locais onde as câmeras de segurança e as luzes estão permanentemente fora de funcionamento, fora do que é visível. O PEM, portanto, considerado espaço de proteção da população LGBT, é também espaço de aniquilação.
Os relatórios e a decisão da CIDH, publicados entre 2015 (ano de implementação da Resolução SEAP 558/2015) e 2019, mostram o avanço das condições de insalubridade, o aumento progressivo da superpopulação do presídio (que de 127,7% em 2015 passa a 259% em 2018), um número elevadíssimo de mortes etc. Mostram também a proliferação de iniciativas da SEAP, como a criação da Coordenação de Unidades Prisionais Femininas e Cidadania LGBT (COFEMCI) em 2018, com o fim de mapear os principais problemas enfrentados, que, na verdade, estão desde sempre escancarados e, como o artigo mostra, devidamente documentados.
Na entrevista, a assessora da SEAP diz que, apesar da sua tentativa de monitoramento e de concentrar a população LGBT no presídio Evaristo de Moraes, e dos esforços empreendidos na implementação da Resolução SEAP 558/2015, que deu um “polimento maior”, inoportunamente o “sistema tá sobrecarregado”.
O Estado, ente intrinsecamente masculino (Brown, 2006) e abstrato, pensado como substância dotada de unidade e coerência (Abrams, 2006) é, nesse contexto, preservado, uma vez que a resolução dos problemas não dependeria de sua esfera de atuação (da SEAP, no caso). O sistema que nasce sobrecarregado e assim permanece eternamente, que “não tinha ainda aquele olhar em cima das travestis”, passa a tê-lo por meio da constituição do seguro e da formulação de normativas. O sistema, de outra parte, que é deficiente, que está em crise, possui, em contrapartida, um espaço eficiente de incidência de políticas públicas vinculadas a um status de sucesso, que o desvinculam do fracasso institucional da prisão como um todo.
É, então, o problema do sistema; também é, por vezes, o problema na ponta do serviço, uma vez que a SEAP se mostra preocupada em oferecer capacitação aos seus agentes penitenciários, que insistem em desrespeitar as normativas; são a infraestrutura e as instalações inadequadas do presídio; é a crise do sistema penitenciário. Diz-se que são, no entanto, os pequenos desarranjos (ditos aleatórios e contingenciais) que, ao serem eventualmente consertados, colocarão esse Estado em um local de excelência e completude.
Esses desarranjos não são, contudo, nem aleatórios, nem contingenciais, mas condições absolutamente centrais. Condições que demonstram as contradições fundamentais de um Estado que constrói políticas públicas progressistas, e que de alguma forma se vale desse papel de provedor dos direitos humanos de pessoas LGBT para sua promoção; mas que ao mesmo tempo produz concretamente nas carnes e corpos dessas pessoas o lugar efetivo a elas destinado, um lugar de abjeção (Butler, 2000) - representado pela sua alocação em um presídio cuja existência e funcionamento ensejaram, inclusive, uma decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos exigindo providências do Estado brasileiro.
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Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, e57687. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n157687.NASCIMENTOFrancisco Elionardo de Melo2020Agrupamentos de travestis e transexuais encarceradas no Ceará, Brasil281e57687https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n157687NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo (2022). Fanzines e protagonismo LGBTI+ na formação da política penitenciária do Ceará. Revista Estudos Feministas , v. 30, n. 3, e80427. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n380427.NASCIMENTOFrancisco Elionardo de Melo2022Fanzines e protagonismo LGBTI+ na formação da política penitenciária do Ceará303e80427https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n380427PASSOS, Amilton Gustavo da Silva (2014). Uma Ala Para Travestis, Gays e Seus Maridos: Pedagogias institucionais da sobrevivência no Presídio Central de Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Educação). Porto Alegre: Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.PASSOSAmilton Gustavo da Silva2014Dissertação (Mestrado em Educação)Porto AlegreFaculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do SulRAMALHO, José Ricardo (2002). O mundo do crime: a ordem pelo avesso. São Paulo: IBCCRIM .RAMALHOJosé Ricardo2002São PauloIBCCRIMSANDER, Vanessa (2021). Pavilhão das sereias: uma etnografia dos circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transexuais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.SANDERVanessa2021Tese (Doutorado em Ciências Sociais)CampinasInstituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de CampinasVIANNA, Adriana; LOWENKRON, Laura (2017). O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens. Cadernos Pagu, Campinas, n. 51, e175101. https://doi.org/10.1590/18094449201700510001VIANNAAdrianaLOWENKRONLaura2017O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagensCampinas51e175101https://doi.org/10.1590/18094449201700510001ZAMBONI, Marcio (2017). O barraco das monas na cadeia das coisas: notas etnográficas sobre a diversidade sexual e de gênero no sistema penitenciário. Aracê - Direitos Humanos em Revista, v. 4, p. 93-115. https://arace.emnuvens.com.br/arace/article/view/135. (acesso em 05/08/2022).ZAMBONIMarcio2017O barraco das monas na cadeia das coisas: notas etnográficas sobre a diversidade sexual e de gênero no sistema penitenciário493115https://arace.emnuvens.com.br/arace/article/view/135acesso em 05/08/2022ZAMBONI, Marcio (2020). A População LGBT Privada de Liberdade: sujeitos, direitos e políticas em disputa. Tese (Doutorado em Antropologia Social). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.ZAMBONIMarcio2020Tese (Doutorado em Antropologia Social)São PauloFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
As siglas serão utilizadas da maneira como aparecem nas falas dos interlocutores, ou como aparecem nas normativas, relatórios e demais documentações.
Neste artigo, os termos êmicos serão apresentados em itálico.
No PEM, eram identificados como faxinas os presos que possuíam trabalho e interlocução com a administração prisional. Considerando o sistema brasileiro de forma ampla, a figura do faxina é usualmente identificada como aquela que acumula diversas funções de trabalho interno, com ênfase para a função da faxina nos pavilhões das prisões.
O Conselho estadual dos direitos da população LGBT, do qual a Defensoria faz parte, foi criado sob o mandato de Sérgio Cabral, em abril de 2009, a partir das resoluções da I Conferência Estadual de Políticas Públicas para GLBT 50 do Rio de Janeiro, ocorrida no ano antecedente.
O preso que está sumariado é aquele preso preventivamente, ou seja, ainda não julgado. Já o preso em regime fechado é aquele já condenado que cumpre a pena, em geral superior a oito anos, dentro de um estabelecimento prisional.
Passos (2014), como já aludido, disserta sobre a construção da ala LGBT no Presídio Central de Porto Alegre, cuja materialização se deu através da produção discursiva de um sujeito em permanente risco, que deve ser protegido. Por sua vez, Marques (2018) demonstra de que maneiras as próprias tentativas de humanização e democratização da segurança deram emergência ao atual estado de coisas no sistema penal paulista, centralizando sua análise nos discursos democráticos e humanistas como parte constitutiva do afloramento dos problemas da segurança pública no estado de São Paulo.
A Lei Federal nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à informação, dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previstas na Constituição Federal.
Conforme já sistematizado por Godoi (2019, p. 144-45), “cada ‘Relatório de Visita à Unidade Prisional’ analisado registra: nome e endereço da unidade inspecionada; os defensores e auxiliares que realizaram a inspeção e os dispositivos legais que fundamentam a fiscalização; as características da unidade, a facção hegemônica, a capacidade oficial e a população reclusa no dia; a divisão interna do espaço prisional, com descrição de celas e galerias; as dinâmicas de banho de sol, fornecimento de água e alimentação; os serviços técnicos reportados pela direção, especificando número de profissionais e frequência de atendimentos; oportunidades de estudo, trabalho e lazer; efetivo de servidores por plantão e suas condições de alojamento e trabalho; dinâmica de visitação familiar e íntima; observações decorrentes das entrevistas com os presos; considerações gerais; e, finalmente, recomendações. Conforme esclarecimentos prestados pela coordenação do Nuspen, cada relatório demora cerca de um mês para ser feito e é encaminhado por correio eletrônico à própria unidade, à Seap, à Vara de Execuções Penais (VEP), ao MP e a outras autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário”.
Nome retirado para preservar a identidade do agente.
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ) foi criado pela Lei Estadual n. 5.778 em 2010, tendo por finalidade planejar e conduzir visitas periódicas e regulares a espaços de privação de liberdade, verificando as condições em que se encontram submetidas as pessoas privadas de liberdade, a fim de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes.
Disponíveis em http://mecanismorj.com.br/ (acesso em 10/04/2022).
Disponível em https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2019/40-19MC379-19-BR-PT.pdf (acesso em 05/06/2022).