Entre o inconsciente e a cidadania: arte e loucura na reforma psiquiátrica brasileira a partir de uma etnografia no Museu de Imagens do Inconsciente
DOI:
https://doi.org/10.11606/rrjzxr82Palavras-chave:
individualismo, noção de pessoa, arte, loucura, reforma psiquiátricaResumo
O artigo examina as continuidades e descontinuidades entre os saberes e práticas propostos pela psiquiatra alagoana Nise da Silveira, conhecida a partir de meados do século XX por defender o uso de atividades expressivas como forma de tratamento em terapia ocupacional, e as subsequentes interseções entre arte e loucura no curso da reforma psiquiátrica brasileira. Para tanto, parte-se de uma etnografia na oficina de criação do Museu de Imagens do Inconsciente, situada em um complexo hospitalar no Rio de Janeiro, e de uma breve revisão bibliográfica sobre as políticas públicas em saúde mental contemporâneas, particularmente aquelas comprometidas com práticas artísticas e culturais. Através da análise comparativa dos processos de fabricação, interpretação e circulação dos objetos que emergem dessa trama, busca-se compreender em que medida o questionamento ao modelo asilar das instituições psiquiátricas tem sido estruturado pelas tensões entre as modernas concepções de pessoa, tais como as de “inconsciente” e “cidadania”.
This article examines the continuities and discontinuities between the knowledges and practices proposed by the Alagoan physician Nise da Silveira, known since the mid-twentieth century to defend the use of expressive activities as a form of treatment in occupational therapy, and the subsequent intersections between art and madness in the course of the Brazilian psychiatric reform. To this end, it starts from an ethnography in the creative workshop of the Museum of Images of the Unconscious, located in a hospital complex in Rio de Janeiro, and a short literature review on public policies in contemporary mental health, particularly those committed to artistic and cultural practices. Through the comparative analysis of the manufacturing, interpretation and circulation processes of the objects that emerge from this plot, one seeks to understand the extent to which the questioning of the asylum model of psychiatric institutions has been structured by the tensions between modern personhoods, such as “uncounscious” and “citizenship”.
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