Na dúvida, foi moralmente condenada ao invés de legalmente absolvida: etnografia de um julgamento pelo Tribunal do Júri de São Paulo, Brasil

Autores

DOI:

https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2020.178180

Palavras-chave:

Tribunal do júri, gênero, sexualidade, violência, moralidade

Resumo

Este texto apresenta uma etnografia realizada durante uma sessão do 1º Tribunal do Júri da cidade de São Paulo, em maio de 2008. Sua análise tem como meta contribuir para reflexões críticas sobre o assustador crescimento de desejos punitivos e de demandas por lei e ordem em nome da segurança de “cidadãos de bem”, o que, frequentemente, se dá em detrimento da própria lei e em função da força seletiva de marcadores sociais como gênero, raça e poder socioeconômico. No julgamento em questão, uma jovem, à época com 26 anos de idade, foi condenada a 26 anos e 2 meses de reclusão por omissão na tortura e homicídio de sua filha. A menina foi morta em julho de 2004, aos 5 anos idade, pelo companheiro da mãe, um policial julgado meses antes e condenado a 40 anos de reclusão pela autoria desses mesmos crimes. Apesar das dúvidas legais sobre a cumplicidade da ré na morte da filha, ela foi condenada por sua “moral sexual”, considerada incompatível com a de uma “boa mãe”.

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Biografia do Autor

  • Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, Universidade de São Paulo

    Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer é docente do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP, onde lidera o Núcleo de Antropologia do Direito (NADIR). Na USP, graduou-se em Ciências Sociais e em Direito, fez mestrado e doutorado em Antropologia Social. Pesquisa, orienta e publica trabalhos sobre tribunais do júri, jurisprudência e narrativas de violência, direitos humanos, demandas por reconhecimento de direitos, acesso à justiça, profissionais e profissões do direito, sistemas de justiça criminal e criminologia.

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Publicado

2020-12-01

Edição

Seção

Artigos

Como Citar

Schritzmeyer, A. L. P. (2020). Na dúvida, foi moralmente condenada ao invés de legalmente absolvida: etnografia de um julgamento pelo Tribunal do Júri de São Paulo, Brasil. Revista De Antropologia, 63(3), e178180. https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2020.178180