A judicialização da fosfoetalonamina sintética no Brasil

Autores

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2022.181722

Palavras-chave:

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Judicialização da Saúde, Registro de Medicamentos, Regulação e Fiscalização em Saúde, Vigilância Sanitária

Resumo

Este artigo analisou a judicialização da fosfoetanolamina sintética no Brasil, a partir de estudo exploratório das decisões judiciais da vara de fazenda pública da comarca de São Carlos, em São Paulo, após a interrupção do fornecimento da substância pela Universidade de São Paulo. O estudo catalogou os argumentos constantes da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.501/DF, que julgou inconstitucional a Lei n. 13.269/2016, que autorizou a produção e a prescrição da fosfoetanolamina sintética para quaisquer tipos de câncer (neoplasia maligna) enquanto os estudos clínicos não fossem concluídos. As sentenças de primeira instância concederam a fosfoetanolamina com base no testemunho dos pacientes sobre impactos positivos do uso da substância em sua saúde e pela ausência de registro de efeitos colaterais. Juízes que concederam acesso à fosfoetanolamina tinham ciência da carência de evidências científicas de segurança e eficácia, bem como do necessário registro da substância como medicamento no órgão  regulador, nos termos da legislação sanitária. No Supremo Tribunal Federal, a ausência de evidências científicas e a utilização de legislação para criar exceção casuísta levaram à declaração de inconstitucionalidade da norma pela maioria dos votos. O estudo registra, todavia, certa indisposição do Poder Judiciário em incorporar no processo decisório a avaliação das autoridades de regulação e fiscalização em saúde como fonte da correta avaliação da segurança e eficácia de medicamentos. Em conclusão, o testemunho dos pacientes sobre as perspectivas de cura ou redução do sofrimento, somado à ausência de provas nos processos judiciais sobre os riscos do consumo da fosfoetanolamina, foram cruciais para tais decisões.

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Biografia do Autor

  • Mayara Costa Freire Vasconcellos Pitanga, Universidade de Brasília. Faculdade de Direito. Brasília/DF, Brasil

    Bacharel em Direito na Universidade de Brasília (UnB)

  • Janaína Lima Penalva da Silva, Universidade de Brasília. Faculdade de Direito. Brasília/DF, Brasil

    Mestrado em Bioética e Direito pela Universidade de Barcelona. Coordenadora do Research Group Gender and Constitution da International Association of Constitutional Law. Membro da coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação. Professora Adjunta da graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

  • Pedro Ivo Sebba Ramalho, Universidade de Brasília. Faculdade de Direito. Brasília/DF, Brasil

    Pós-Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de Coimbra (Portugal); doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB). Research fellow no Núcleo de Direito Setorial e Regulatório (NDSR) da Faculdade de Direito da UnB. Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

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2022-12-27

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Seção

Artigos Originais

Como Citar

A judicialização da fosfoetalonamina sintética no Brasil. (2022). Revista De Direito Sanitário, 22(2), e0023. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2022.181722