Grãos sacralizados: notas sobre a difusão popular do milho a partir do seu uso simbólico em rituais religiosos

Autores

  • Myriam Melchior Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • Marcella Sulis Universidade Federal do Rio de Janeiro

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v2i1p118-136

Palavras-chave:

milho, História da Alimentação, afro-indígenas, sacralidade, poéticas

Resumo

Observar os significados simbólicos da cultura do milho no Brasil indica a sua importância como alimento de resistência, associado a uma sacralidade pouco visível à historiografia oficial. Na perspectiva do colonizador, o milho tinha pouca relevância além da econômica e não rivalizava com o trigo, cujo valor simbólico esteve associado ao cristianismo. Investigando as menções feitas ao milho na coletânea História da Alimentação, organizada por Flandrin e Montanari (2015), encontramos a ideia de que na Europa o milho foi recomendado apenas em períodos de crise de abastecimento. Diferentemente, no Brasil, notamos que a difusão do milho na alimentação popular se deveu, sobretudo, aos povos afrodescendentes, que adaptaram o seu uso doméstico e ritualístico. Embora sejam raras as informações sobre a utilização de alimentos nas religiões originais dos povos nativos e cativos, foi possível, através de estudos antropológicos e artísticos, comparar algumas práticas ritualísticas atuais herdeiras das etnias indígenas e afrodescendentes do período colonial brasileiro. A comparação mostra semelhanças entre os rituais religiosos afro-indígenas que apontam para o seu traço de união, que se mostrou valioso à sobrevivência do milho na alimentação brasileira. O estudo sobre a sacralidade do milho sinaliza para modos de transmissão de uma cultura alimentar envolta em embates entre as suas representações socioeconômicas e as suas potencialidades simbólicas, tanto mágicas como poéticas.

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Biografia do Autor

Myriam Melchior, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Doutora em Memória Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Comunicação Social e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Marcella Sulis, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Doutoranda em Hospitalidade na Universidade Anhembi Morumbi, Mestre em Ciências em Engenharia de Produção, Gestão e Inovação – COPPE/Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Publicado

2020-09-20

Como Citar

Melchior, M., & Sulis, M. (2020). Grãos sacralizados: notas sobre a difusão popular do milho a partir do seu uso simbólico em rituais religiosos. Revista Ingesta, 2(1), 118-136. https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v2i1p118-136

Edição

Seção

Dossiê II Simpósio Internacional de Pesquisa em Alimentação