Estratigrafia de uma paisagem invisível: narrativas museais e arqueológicas sobre o Recolhimento de Santa Teresa, Niterói/RJ/Brasil

Autores

  • Alejandra Saladino Universidad Complutense de Madrid
  • Lúcia Zanatta Brito Universidade Federal do Rio de Janeiro. Museu Nacional

DOI:

https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2022.188388

Palavras-chave:

arqueologia de gênero, arqueologia da paisagem, museologia, musealização, patrimônio sensível

Resumo

O Recolhimento de Santa Teresa de Itaipu, uma edificação do século XVIII construída com o fim de abrigar mulheres a pedido ou ordem de seus parentes do gênero masculino, bem como as de conduta social desviante, localiza-se na região oceânica de Niterói. À sua desativação, estimada na segunda metade do século XIX, sucedeu-se um processo de abandono e deterioração de suas estruturas, as quais foram aproveitadas como moradia por algumas famílias de pescadores tradicionais da região. Seus valores enquanto referência patrimonial foram reconhecidos em 1955, quando da sua inscrição no Livro de Tombo das Belas Artes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Preservado em ruínas, em 1977 foi transformado em museu regional do IPHAN, o Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI), inicialmente dedicado à arqueologia pré-colonial. Aqui objetivamos refletir sobre o lugar das recolhidas nas narrativas museais e arqueológicas que constituem o discurso do museu à luz da Arqueologia de Gênero, da Arqueologia da Paisagem e Museologia. Da análise, de base fenomenológica, advêm resultados preliminares a sugerir que o discurso da entidade ainda não se apropriou das ondas dos feminismos retroalimentadas pelos movimentos de renovação da Museologia, pois mantém, em primeiro plano, as narrativas relacionadas ao passado pré-colonial e ao passado recente, centradas na pesca artesanal e na relação com a paisagem, cujo protagonismo está no olhar e nas vivências masculinas. O significado da paisagem local se transformou sem evidenciar a multivocalidade daquele espaço, onde permanecem subterrâneas as memórias das mulheres encarceradas, a despeito da materialidade das ruínas do antigo recolhimento que proporcionam uma memória retrospectiva e materializada.

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Biografia do Autor

  • Alejandra Saladino, Universidad Complutense de Madrid

    Museóloga e arqueóloga, professora associada do Departamento de Estudos e Processos Museológicos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do iphan e da Universidad Complutense de Madrid.

  • Lúcia Zanatta Brito, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Museu Nacional

    Graduada em Arqueologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (PPGArq) do Museu Nacional/UFRJ. Voltada para pesquisas na área de Arqueologia Histórica, com interesse no estudo de arqueologia de gênero e arqueologia da paisagem.

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Publicado

2022-02-07

Como Citar

SALADINO, Alejandra; BRITO, Lúcia Zanatta. Estratigrafia de uma paisagem invisível: narrativas museais e arqueológicas sobre o Recolhimento de Santa Teresa, Niterói/RJ/Brasil. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Brasil, n. 39, p. 128–139, 2022. DOI: 10.11606/issn.2448-1750.revmae.2022.188388. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revmae/article/view/188388.. Acesso em: 19 abr. 2024.