JANELA

 

Triângulos e a casa. Uma promenade pela Casa Rubens Mendonça*

 

 

Miguel Antonio Buzzar

Arquiteto, professor doutor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP, Av. Trabalhador Sancarlense, 400, Centro, CEP 13566-590, São Carlos, SP, (16) 3373-9301, mbuzzar@sc.usp.br

 

 

A Casa Rubens Mendonça, conhecida como Casa dos Triângulos (1958), compõe uma trilogia de residências unifamiliares que Artigas projetou na segunda metade da década de 1950, de cuja síntese, pode-se dizer que emergiu várias das resoluções arquitetônicas que dão forma a chamada escola paulista.

A primeira residência é a Casa Olga Baeta (1956), que com suas referências a arquitetura vernacular do Paraná sua terra natal, caracterizamos como "arquitetura de formação". Nela, passado "arcaico" e presente "moderno", ou abrindo-se a modernização surgiam entrelaçados.

Com múltiplas informações, essa obra, ainda que conquistasse uma resolução arquitetônica nova, não seria a definitiva, pois sua produção conheceria novos passos a completar e lapidar o caminho de sua .produção. É isso que faria com que na famosa Casa dos Triângulos, Artigas, sem ter invertido a disposição tradicional dos cômodos, localizando a cozinha e os serviços nos fundos e o estar na frente, explorou o acesso à casa pela sua lateral, localizando a entrada na metade do volume. Desta forma, criou um hall no interior do volume, que monumentalizava a funcionalidade, ao distribuir a circulação para os serviços nos fundos, para o estar voltando à parte anterior da casa, para o jantar, à frente e a meio lance de escada a baixo, que possibilitava a implantação de um estúdio num segundo meio lance acima do jantar, que continuando (a escada) atingia os quartos. Neste jogo de níveis, o hall tinha seu destaque reforçado, formado pelos distintos planos, acabava conhecendo um pé-direito duplo. Como as fotos revelam a idéia de painéis que adornam a fachada é totalmente equivocada. Há uma materialidade na geometria espacial interior, nos detalhes dos degraus, teto e pilares, que tornam os triângulos representações de seriação, mas sobretudo, de criação, como a indicar que a padronização é o início de uma elaboração artística e não o seu fim.

A casa mantinha a recuperação do bloco único, ainda que de forma particular: vista de fora, ela desenvolvia-se, com exceção da garagem, um piso acima do nível da rua, avançando o segundo pavimento em balanço, para além do pano de vidro da sala no piso inferior. Muito da fase anterior passava a ser retrabalhada, lembremos da Casa Trostli. Porém, os recortes do volume, a rampa de acesso do jardim ao lado da garagem e a composição a partir do hall, mostravam que, a exemplo da wrightiana Casa Paranhos, Artigas não construía apenas a casa, mas também, o lote com a casa, como partes indissociáveis de uma construção, ou de uma unidade maior, que era a cidade. Nesta relação casa-cidade, imediatamente traduzida em casa-rua, Artigas introduziria um elemento fundamental para a conformação da escola paulista, a viga-pórtico lindeira a calçada, o muro virtual, que fechava e conferia unidade ao conjunto do lote e do bloco, como coisa construída, artificial por excelência. Sobre este elemento Agnaldo Farias lendo as casas de Ruy Ohtake - em muitos sentidos próximas as de Artigas - afirmou que esse trabalho com a viga atualizava "a noção de pórtico", elemento imemorial da arquitetura, "tema clássico e recorrente destinado a demarcar com maior ou menor acento ritualístico a fronteira, o ponto onde reciprocamente tem-se acesso ao mundo natural ou ao fabricado pelo homem".1 Acrescentaríamos, que para Artigas, como marco de dois momentos da construção humana, a viga-pórtico surgia na Casa Mendonça como o elemento recíproco da casa na rua e desta na casa, ou seja, o elemento que anunciava para a rua a casa, e o que possibilitava que a casa fosse uma outra rua, um grande vão, conseguido através da repetição da viga, como elemento estrutural. Uma casa não totalmente aberta, porque, ainda que fluido, um perfil urbano de blocos-ambientes internos, compunham o seu interior como o perfil desigual da acidentada São Paulo.

Para o debate daquele momento com os concretistas, esta casa foi particularmente importante na própria definição de Artigas, em relação aos vínculos de sua arquitetura com a indústria e em particular com a estandardização e a produção em série. A composição geométrica de triângulos na fachada, advinha de uma flexibilização de sua visão de arte, dentre outras questões, motivada pela presença concretista no cenário cultural, como também, pela aplicação do que ele entendia como frente única com os arquitetos e com os profissionais ligados ao desenho industrial e disciplinas irmanadas à arquitetura. Isto se aplicava, diretamente, ao conturbado relacionamento que teve com Waldemar Cordeiro, autor do paisagismo, em relação ao qual deveria sentir obrigação de discutir, porque pregava um uso da técnica como mecanismo de transformação social. Posição que guardava vínculos com o construtivismo. Sobre esta questão Artigas afirmava:

"Algumas casas que fiz marcam a convivência com esse grupo concretista, particularmente uma que tem triângulos na fachada e um significado de momento bem marcado." 2

O significado principal remetia-se a própria noção de seriação que o painel-mural frontal de Mario Gruber, que se estendia pelas laterais e empena posterior, anunciava e pregava. Para sua confecção o concreto rugoso da Casa Baeta foi substituído pelo tratamento liso, base para o painel em azul escuro e branco, em que, a precisão e a pureza formal, apenas, era perturbada, por poucos elementos de concreto bruto, em especial, dos pilares também triangulares. Com as Casas Baeta e Mendonça, em que pese as suas semelhanças, delineava-se nas diferenças que explicitavam a produção arquitetônica no interior da produção material, duas matrizes da representação da nação. Os comentários de Artigas sobre Cordeiro e a continuidade de sua obra não deixariam dúvidas, do ponto de vista do projeto como representação e como momento da sociedade, a Casa Mendonça foi o limite - vértice e ruptura - da aproximação de Artigas com os concretos. Do enclave conceitual, em que implantara a Casa Baeta, guardando a potência arquitetônica enquanto síntese das artes que a Casa dos Triângulos expressa, partiria o caminho que iria percorrer adiante com sua obra, e que a Casa Taques Bittencourt (a terceira da trilogia), de 1959 delineia.

 

BIBLIOGRAFIA

ARTIGAS, João Batista Vilanova - Caminhos da Arquitetura, São Paulo, Fundação Vilanova Artigas/Pini, 1986, 2a ed..

FARIAS, Agnaldo A. C. - La Arquitectura de Ruy Ohtake, Madrid, Celeste, 1994.

TENORIO, Alexandre de Sousa. Casas de Vilanova Artigas. Dissertação de mestrado EESC - USP. São Carlos, 2003.

 

 

* A Casa Rubem de Mendonça, também conhecida como Casa dos Triângulos foi construída em 1958, na cidade de São Paulo, projeto de João Batista Vilanova Artigas (1915 - 1985). Nesta obra foi executada uma intervenção plástica pelo artista plástico Rebolo Gonsáles (1902-1980), idealizada por Mário Gruber (1927 - ): um afresco em suas empenas, um painel que seguindo os parâmetros da arte concretista, busca dinamizar a sensação da superfície exterior da edificação. Esta residência implantada em um lote de aclive típico da cidade de São Paulo e de dimensão trapezoidal apóia-se estruturalmente sobre oito pilares de dimensões variáveis, configurando uma volumetria de caráter retangular. O projeto paisagístico desta obra é de autoria de Waldemar Cordeiro, "Além de estar presente no tratamento das fachadas, o tema da composição geométrica aparece também na configuração dos pisos de vários ambientes, no revestimento de paredes e do móvel embutido da sala de jantar e até mesmo no projeto de paisagismo, o qual empregou placas com diferentes tipos de grama a fim de conseguir definir um gramado com desenho geometrizado", conforme TENÓRIO, 2003 (nota de Maísa Fonseca de Almeida).
1 FARIAS, Agnaldo, La Arquitectura de Ruy Ohtake, p.25.
2 ARTIGAS, J. B. V., A Função Social do Arquiteto, p.49.