Volume 2
Edição nº 12
2012
Seção O que você está lendo?

Artigo 1

“O que você está lendo?”

Renato Ferracini


Talvez minha resposta seja um pouco frustrante pois nada estou lendo sobre teatro. Ha muito venho realizando uma tensão entre teatro e filosofia que muito tem me fascinado. Não no sentido de fazer a filosofia “explicar” conceitualmente a arte - o que seria no mínimo ridículo! -  mas gerar um campo de tensão e confronto entre o conceito filosófico e o campo de experiência da arte presencial. O recorte desse projeto a longo prazo é pensar essa tensão territorializada no corpo em sua potência de criação. No início, essa potência era arrazoada dentro do campo estritamente teatral e, certamente, Grotowski e Stanislavski ainda encontram-se em minha cabeceira para de tempos em tempos serem retomados e relidos. Mas o corpo como potência criativa grita para outros planos, pois ele não inventa somente no teatro, mas pode fazê-lo em qualquer acontecimento relacional. Interessa-me hoje esse corpo como potência estética nas relações, na política, no acontecimento singular e, portanto, social. Por esse motivo nos últimos tempos tenho me debruçado sobre Foucault, principalmente em seus textos que versam sobre a estética da existência e sobre o cuidado de si.  Esses estudos tem me levado a pensar o corpo como uma potência de rede de afetos e para essa questão o livro “ÉTICA” de Espinosa deve estar sempre a mão e grudado nos olhos.  Mas pensar um acontecimento estético na existência e o corpo como potência de afetos nos leva também a querer entender o porquê desse corpo não dar vazão contínua a essa potência criativa. Por que esses corpos potentes estão ainda escravizados, aviltados, politicamente passivos? Aqui voltamos a Foucault com seus textos sobre corpos dóceis; espreitamos Deleuze em sua crítica ao capitalismo e à psicanálise e Bauman em sua visão líquida do mundo. A esses estou sempre a retornar. Atualmente tenho me debruçado em Negri, Hardt e Lazzarato que oferecem caminhos micropolíticos e alternativas possíveis enquanto acontecimentos e microrresitências aos grandes opressores hegemônicos, seja o capitalismo tardio ou o próprio marxismo, esse último acusado de ser um operador totalizante, que subsume a criação das alternativas possíveis, a um único mundo.
Esses autores, assim como também Agamben, são muitas vezes criticados por realizar a volta a uma certa metafísica, a operar em um plano abstrato, a diminuir a potência da tal revolução, e voltar a discussão para um hermetismo acadêmico inoperante.  Nada mais raso que essas afirmações. Esses autores optam por não tomarem o partido de um ou outro lado hegemônico, recusam a pergunta repressiva: Mas afinal, de que lado você esta? Ao contrário, procuram gerar uma resistência cartográfica a qualquer lado hegemônico de poder. Mas que raios seria isso?

  1. Resistência, aqui, pensada não como simples oposição a algo, mas como exposição e composição. Exposição de um corpo enquanto vontade de superação de si, de um devir de si mesmo (seja corpo coletivo ou sigular). Composição para a geração de outros modos de existência. Resistência enquanto superação de si ou vontade de potência nietzchiana (exposição) e também enquanto conatus no sentido espinozano (esforço ativo) de agenciamentos alegres. Enfim, resistência enquanto re-existência: novos territórios ativamente recriados para novas potências de geração de vida. Resistência, finalmente, como um grande SIM à vida e assentada na criação de outros modos possíveis de existência.
  2. Cartográfica no sentido de buscar a compreensão corpórea, afetiva, sensória da rede de afetos em que estamos inseridos e das campos complexos das relações de poder operantes nesse presente. Atacar de frente onde o desejo é capturado para a partir, libertá-lo e operar outras formas de sensibilidade,
Uma resistência cartográfica passa a ser a busca criativa de novas composições políticas, sociais, históricas a partir da compreensão crítica do plano corpóreo, afetivo, histórico e social no qual estamos inseridos. Essa máquina de guerra ativa não poderia, jamais e ingenuamente, ser travada em um plano metafísico mas, somente tem sentido de existência em um plano imanente e deveria ser operado por um conjunto de práticas assentadas na experiência do acontecimento relacional, algo que todos esses autores, sem exceção, afirmam. Nada metafísico. Nada Hermético. Nada inoperante. Nada academicista. Acredito que o teatro possa ser a arena aberta e potente (obviamente não única!) para que esse conjunto de práticas possa ser experimentado. Esses autores promovem, em meu entender, a pressão para a criação ativa de sonhar outros modos de existência e efetuá-las. Atualizar essas outras maneiras de sentir é principalmente ser capaz de outras formas de sonhar. Semana passada terminei a leitura de um livro do Zizek: “Organos sin Cuerpo. Sobre Deleuze e Consecuencias”, um contundente livro crítico sobre a obra de Deleuze. Suas ponderações, de certa forma, seguem o caminho de crítica lugar-comum sobre esses autores que descrevi acima.  Mas qual não foi minha surpresa quando, ao final da obra, na última página, ele diz: “em uma revolução radical, o povo não somente realiza seus velhos sonhos emancipatórios, mas tem que reinventar seus próprios modos de sonhar”. Parece que Zizek em seu livro crítico sobre Deleuze termina, de forma paradoxal, abruptamente deleuziano. Seria Zizek um deleuziano? Talvez...

 

Renato Ferracini

                                                                                           

Renato Ferracini é ator-pesquisador colaborador do LUME - Núcleo interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP e atua teórica e praticamente em todas as linhas de pesquisa do núcleo desde o ano de 1993. Atualmente é professor e orientador da pós-graduação em Artes da UNICAMP.


Data de Recebimento:
28 de setembro de 2012
Data de Aceite:
28 de outubro de 2012
Data de Publicação:
30 de Novembro de 2012