No presente texto exploramos a possibilidade de encontrar um ponto em comum entre a crítica de
In the present text we explore a possibility of finding a common point between
Este artigo aborda uma exploração teórica inicial: poderia a teoria semiótica de Peirce conter algum ponto de contato com a poética do traduzir de Meschonnic? Exploramos formas de entender o funcionamento da linguagem dos dois teóricos, procurando observar se elas, em algum ponto, podem se complementar e trazer uma melhor compreensão do funcionamento da linguagem. Iremos começar com a teoria de Henri Meschonnic e em seguida passaremos para a teoria de Peirce, mais especificamente, a questão da tricotomia do signo (ícone, índice e símbolo) e as modalidades de pensamento (primeiridade, secundidade e terceiridade).
Trabalhamos também com Haroldo de Campos que, assim como Meschonnic, estuda problemas de tradução dentro da linguagem poética, resultando em possíveis concordâncias, ou aproximações de ideias, colocando o tradutor e o ato de traduzir em lugares diferentes. Lembrando que, com Meschonnic, trabalhar tradução é também trabalhar a linguagem, testar teorias linguísticas. A maneira como o crítico pensa o processo de tradução possibilita uma forma diferente de olhar para a linguagem, criando um ponto de contato para nos aproximarmos da teoria dos signos de Peirce; mais especificamente, pensando na tradução intersemiótica. Não afirmamos, porém, de forma alguma, que Meschonnic e Peirce necessariamente concordem. Podemos dizer que o presente trabalho se encontra na metodologia do
uma forma de trabalho intelectual que coloca frente a frente diferentes autores em busca de um diálogo possível. Denomino essa estratégia metodológica de 'jogo de espelhos' ('play of mirrors'), que entendo ser de caráter indutivo, interpretativo e tributário do paradigma indiciário (
Observaremos trechos do poema
Quando se traduz uma obra de arte, a simples troca de palavras de um idioma para outro não significa de fato que uma boa tradução tenha sido feita, traduzir envolve outros aspectos. Estamos aqui utilizando a nomenclatura de
Digo
Analisamos a seguir a noção de historicidade meschonniciana, fazendo um paralelo, ou um jogo de espelhos, com o pensamento de Haroldo de Campos.
O tradutor, poeta e linguista francês Henri Meschonnic traz um olhar diferente sobre tradução e ao mesmo tempo sobre o funcionamento da linguagem, pois para ele a tradução é o melhor lugar para examinar a Teoria da Linguagem na qual se apoia. A tradução (que deve ser entendida como ação) demonstra os pontos fracos da teoria, na qual ação e teoria caminham juntas. Em sua crítica sobre como a tradução deve ser entendida, enfatiza a importância do ritmo.
Ritmo é um conceito que não pode ser trabalhado/entendido como uma ideia isolada, mas como uma espécie de nó, entrelaçado com outros nós tecendo a rede do pensamento de Meschonnic. Questionamos como olhar para a linguagem, indagação estratégica para a linha de raciocínio escolhida.
Como olhar para a linguagem? Podemos pensar na diferença entre a linguagem do cotidiano e a linguagem artística. Temos a linguagem poética como motor criador da própria linguagem, que por sua vez afeta os indivíduos:
A linguagem poética como a linguagem que é própria do ser humano, mesmo porque é nela e através dela que se constrói e se inventa, continuamente, o pensamento (MESCHONNIC 1989,
A linguagem deve ser entendida como um fluxo que olha para si mesma, transformando-se e, apesar da diferença entre linguagem poética e linguagem coloquial, as duas se contaminam e se retroalimentam:
A tradução da linguagem está num modo da linguagem não terminológica. Quer dizer que, contrariamente à ideia divulgada que opõe literatura e poesia à linguagem comum, elas estão justamente na linguagem comum. Um discurso. Não da língua. O discurso científico se identifica ao máximo com a língua. O essencial é o referente, que é preciso conhecer. Mas na literatura e diversidade das obras, existe antes o primado empírico do discurso sobre a língua. Este primado passa pelo da rítmica, da prosódia, da polissemia, banal na linguagem comum e, de maneira nenhuma definitório da coisa literária, como acreditam alguns atrasados que creem fazer diferir o sentido, mas excluem a poética - os desconstrucionistas. A literatura, à diferença do que não é literário, constrói e inclui sua situação e seu referente (
Não estamos afirmando que a distinção seja inútil, ela existe de fato, é uma diferença material, são estruturas e construções diferentes; porém, apesar da diferença, há extrema flexibilidade e troca entre as formas de linguagem. Além do fluxo da linguagem poética conversando com a linguagem do cotidiano, temos também o fluxo interno das obras de arte. Textos que se autorrefereciam.
Utilizamos o termo ‘tradução’, porém não estamos fazendo justiça ao processo, falta explicar melhor, pois o pensamento de Martins navega em direção à historicidade. Esse é um aspecto que
Explicando melhor a segunda forma de entender a historicidade, ao trazer o texto para a contemporaneidade é que se cria a possibilidade de trazer, ou recuperar, a força poética original do texto. Não se trata de um simples arranjo de vocabulário, trocar palavras velhas por palavras novas, mas (re)colocar a força da criação (criatividade) no ato de traduzir, ou como lembra
Haroldo de
Para Haroldo de
uma insatisfação com a ideia ‘naturalizada’ de tradução, ligada aos pressupostos ideológicos de restituição de verdade (fidelidade) e literalidade (subserviência da tradução a um presumido ‘significado transcendental’ do original.
Assim sai das traduções neutras (no caso de traduções literais) ou servis para entrar na tradução criativa. Ao olhar para a questão de traduzir arte,
Temos de distinguir entre desperdício e traição, e a transformação. A forma do sentido permanece em sua língua, como sua fonologia. É um desperdício, não uma traição. Ainda o que passa, longe de depender da natureza das coisas, será diferente segundo a concepção que se tem ao mesmo tempo do sentido, e do modo de passagem. Muda-se necessariamente de fonologia na mudança da língua. Mas se um discurso fez de sua fonologia valores de discurso e não apenas valores da língua, o resultado será outro.
Como resultado, tem-se a importância da busca pelo ritmo, de olhar para o texto como um discurso. Pode-se perder o ritmo original devido às diferenças de idioma, mas essa busca é uma tentativa de atenuar tal perda.
A manobra tradutora acaba por ser também crítica, pois seleciona o que o tradutor crê que seja relevante para o leitor. É um posicionamento do tradutor, então entendido como um sujeito, deixando de ficar nas sombras, não mais escondido no processo de tradução. Tanto
Por ser um sujeito, o tradutor assume um discurso que não é seu, incluindo um ritmo próprio, ligado à subjetividade desse tradutor. Simultaneamente, devemos notar a presença do texto. Meschonnic faz uma inversão, conforme
Em seu texto ‘Oui, qu'appelle-t-on penser?’, em
Podemos entender, então, que ao mesmo tempo em que há a questão da presença do ritmo do enunciado produzido pelo tradutor, também há o ritmo presente no texto fonte. A existência do ritmo do texto chama para a existência de um corpo do texto. Para deixar de entender a linguagem e seu funcionamento sob a sombra do signo
A presença da subjetividade chama a atenção. O pensamento de Meschonnic provoca uma reflexão: o texto também pode ser sentido. Se trabalhamos com a historicidade, atualizando o texto, comunicando-o com os outros textos, e se o tradutor imprime seu ritmo no texto (o encontro da subjetividade no texto do tradutor em relação com a do texto fonte), estamos além da gramática, do signo, das classes que Meschonnic questiona. Em qual situação estaríamos então?
Passaremos para a teoria de Peirce, trazendo uma frase de Julio
“Como se pode ver, o próprio pensamento já é intersemiótico” (
As categorias universais são tentativas de diferentes pensadores, em distintas épocas, para estruturar a multiplicidade de fenômenos que captamos e interpretamos, “Espaço e tempo, por exemplo, são dois fenômenos que, na física e mesmo na filosofia, foram considerados como categorias universais por serem irredutíveis a outros fenômenos na cognição humana” (
Com a primeiridade temos a virtualidade. Peirce aponta a primeiridade como o lugar das possibilidades. Estamos lidando com fenômenos que são “meras possibilidades ainda não existentes (porque a existência é determinada por um lugar determinado no tempo e no espaço)” (
Quando um primeiro fenômeno se une a um segundo fenômeno, estamos na secundidade:
Ele é a categoria dual dos fenômenos, ou seja, destes em relação a outra coisa, é aquilo que existe e, para existir, chama por algo como tempo e espaço, categorias dos fatos do seu aqui e agora, da ação e reação, do esforço e resistência, da realidade e da experiência do real (
Com a terceiridade, temos uma relação com o geral:
A terceiridade é a categoria do geral, da continuidade e da mediação entre um primeiro e um segundo (CP 1337-349, c. 1875) O geral é um fenômeno da terceiridade porque generalidade implica continuidade. Ela é também a categoria da semiose dos signos, da representação, da comunicação, das leis, das regras, da necessidade, do hábito e da síntese (
Tais categorias são presentes na teoria dos signos de Peirce. A tríade ícone, índice e símbolo está ligada às categorias acima citadas.
Segundo a lógica peirceana, nosso pensamento é preenchido por signos, porém o signo é categorizado de acordo com a relação estabelecida entre signo e objeto: o símbolo, o índice e o ícone. De forma resumida, os Ícones são "signos que operam pela semelhança de fato entre suas qualidades, seu objeto e seu significado" (
O Índice é, então, “um signo determinado pelo seu Objeto Dinâmico
Peirce entende que o signo é composto por três elementos: o signo, o objeto e o interpretante
É necessário apontar para o fato de a “classificação dos signos que aí se apresenta não é uma classificação aristotélica no sentido de que cada signo só pertence a uma única classe. O que Peirce descreve é um sistema no qual uma classe pode incluir aspectos de um signo de outra classe” (
Outra observação que talvez ajude a explicar a questão de como caracterizar o signo: “A Mente (ou semiose) é um processo de geração infinita de significações, razão pela qual aquilo que era um Terceiro numa dada relação triádica passa a ser um Primeiro numa outra relação triádica" (
O entendimento de Peirce sobre o funcionamento da mente permite entender que a tradução é um ato mais comum do que imaginamos. Constantemente traduzimos o impulso captado pelos órgãos sensórios em signos. Quando entramos em contato com certos fenômenos, ainda estamos lidando com sensações indefinidas para depois ser transformado em algo inteligível.
Se a linguagem poética transita entre o falado e o escrito, temos um espaço para entender a presença do som, participando na construção de significados. Não é difícil caminhar para a presença de imagens no processo artístico, onde o verbal, o visual e o sonoro se unem na construção de significados. Lembremos que Meschonnic não se refere ao som, ou apenas a ele, quando fala da oralidade, esta faz parte de um conjunto maior de considerações. Tal lacuna nos leva entender a natureza da linguagem como algo intersemiótico.
Abordaremos neste segmento o processo de semiose. Inicialmente vamos esboçar o conceito de signo, o qual, como veremos, funciona também como um processo.
Ao explicar o funcionamento do signo, Peirce adota a seguinte nomenclatura em seus estudos posteriores:
O
Winfred
Essa ‘ação do signo’ não é ação exclusiva do intérprete do signo, embora um intérprete seja necessário para o signo poder realizar o seu potencial semiótico. Isto se aplica porque, ao estar no lugar do seu objeto, o signo mesmo adquire o poder de produzir um efeito de interpretação. Mas ‘nada é signo se não é interpretado como signo’ diz Peirce (CP 2308, 1901). Com isso, ele se refere ao signo atualizado, um signo concreto num processo que resulta em um interpretante, quando signo, de fato, realiza sua função de signo.
Entendemos assim que o funcionamento do signo depende tanto da forma como foi construído, quanto daquela com que foi recebido pelo intérprete. Esses tendem a ser convidados pelas obras artísticas a romper com processos que geralmente ocorrem no cotidiano, podendo trazer um espírito de jogo que permite interpretações ausentes em outro tipo de produto ou processo. A obra possui um corpo e uma historicidade própria, recuperando os conceitos de Meschonnic. Essa noção de historicidade é que permite supor uma possível aproximação entre Peirce e Meschonnic.
Ao examinar o poema
Observamos no poema um exemplo das diferentes dimensões da língua. Temos, conforme Paulo Henriques
Para se ter ideia da estranheza que tal metro deve ter causado nos seus primeiros leitores, lembremos que, em mais de 90% da poesia formal publicada em inglês antes do advento do verso livre, o pé utilizado é o iambo (ou jambo), o exato oposto do troqueu: uma sílaba átona seguida de uma tônica (
Além da estrutura métrica, há o esquema de rimas. Temos um esquema de rimas no final dos versos da segunda, quarta e quinta estrofe rimando com a sexta - que sempre traz a terminação
Porém às vezes, Poe se dá ao luxo de não apenas rimar os finais dos versos, como também criar uma rima entre o final do primeiro ou do terceiro verso e o quarto pé do verso seguinte. É o que ocorre com a estrofe citada [a primeira estrofe], com ‘rapping’ no quarto pé do v.4 que rima com ‘napping’ e ‘tapping’ do v.3. Resta ainda uma última complicação: o final do v.5 sempre repete uma parte do verso anterior - por vezes o verso quase inteiro (como ocorre na terceira estrofe), por vezes apenas a palavra final (
Passada a análise estrutural, chamamos a atenção para o sétimo verso. No verso anterior, o eu lírico, voltando a prestar atenção ao barulho ouvido anteriormente, percebe que ele agora vinha da janela, e resolve abri-la para descobrir o que causa tal barulho. O sétimo verso marca a abertura da janela e a entrada do corvo:
Nossa intenção é olhar para o movimento do corvo entrando: "when, with many a flirt and flutter
O esquema métrico e de rimas, com um entendimento convencional do ritmo, difere do esquema meschonniciano, o qual entende o ritmo de outra forma. A análise tradicional estuda separadamente os elementos do poema, entrando no descontínuo, enquanto para Meschonnic deveríamos estar lidando com um contínuo, um todo que forma um corpo. E o corpo é composto por aspectos sintáticos, semânticos e prosódicos. Meschonnic chama esses elementos unidos de ‘panrítmica’.
Examinamos a seguir, a figura do corvo, a mais destacada no poema. O próprio corvo já é uma figura carregada de significados: “Quando pensamos em um corvo, sempre nos vêm a ideia de algo misterioso, negativo ou mágico” (
Ainda que textos que preservem sua atividade cultural revelem a capacidade de acumular informação. Por exemplo, a capacidade de memória. Hoje em dia
Lotman termina dizendo que não podemos saber o que os espectadores de Shakespeare conheciam na época em que a peça foi encenada, mas não podemos esquecer o aprendido desde então. Esbarramos novamente na historicidade.
Encontramos tanto a definição científica do corvo, uma ave da família dos corvídeos, com seu habitat específico, seu tipo de alimentação e comportamento; como também as várias significações oriundas de outras áreas além da ciência.
Se quisermos encarar
No caso de Pessoa (
Notamos a falta do efeito onomatopeico, um afastamento da tradução em relação à fonte, uma perda. Há um movimento do eu lírico entre o medo e incerteza
Temos um eu lírico fraco, quase dormindo [“while I pondered, weak and weary” e “While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping”], porém atento ao aqui a agora ao seu redor, tanto que percebe algum estranho visitante batendo à sua porta, “visitor, [...] tapping at my chamber door”, e na segunda estrofe, esse eu lírico enfoca o passado evocando Lenore, geralmente acompanhada de elementos sobrenaturais:
Na terceira estrofe o encanto é quebrado, e sua atenção retorna ao suposto visitante. O eu lírico cita o sentimento de algum terror fantástico, para na quarta estrofe recuperar sua coragem. Machado de Assis, na mesma estrofe, em nenhum momento cita algum tipo de medo ou terror. A coragem surge na quarta estrofe, porém sem alcançar o efeito do terror da anterior. Já Fernando Pessoa recupera esse movimento de terror
Edgar Allan Poe
Machado de Assis
Fernando Pessoa
Estrofe 3
And the silken, sad, uncertain rustling of each purple curtain
E o rumor triste, vago, brando
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Das cortinas ia acordando
Thrilled me-filled me with fantastic terrors never felt before;
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Nunca por ele padecido.
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
“’Tis some visitor entreating entrance at my chamber door-
Levantei-me de pronto, e: "Com efeito,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Some late visitor entreating entrance at my chamber door;-
(Disse) é visita amiga e retardada
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
Que bate a estas horas tais.
This it is and nothing more.”
É visita que pede à minha porta entrada:
É só isto, e nada mais".
Há de ser isso e nada mais."
Estrofe 4
Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
Minh'alma então sentiu-se forte;
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
Não mais vacilo e desta sorte
“Sir,” said I, “or Madam, truly your forgiveness I implore;
Falo: "Imploro de vós, - ou senhor ou senhora,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Me desculpeis tanta demora.
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
Mas como eu, precisando de descanso,
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
That I scarce was sure I heard you”-here I opened wide the door;-
Batestes, não fui logo, prestemente,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Certificar-me que aí estais."
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Darkness there and nothing more.
Somente a noite, e nada mais.
Noite, noite e nada mais.
Salientamos agora, alguns aspectos estilísticos. Voltando à carga negativa e misteriosa da ave corvo, não é apenas pela memória da palavra que estamos atuando, mas também pela forma na qual ela nos foi trazida: os adjetivos usados também entram em uma espécie de jogo de vai e volta, começando com uma carga positiva para terminar como algo negativo: é um
Analisando sob um ponto de vista peirceano, teremos na leitura da poesia o surgimento de terceiro, o símbolo que é a representação da poesia, resultante da união dos elementos de uma primeiridade como, por exemplo, a sensação da perda amorosa, com elementos de uma secundidade: a tradução efetiva, materializada em texto. Esse elemento terciário-simbólico previsto pela teoria de Peirce só é possível ao estabelecer relações intertextuais
O símbolo está relacionado à memória, ao hábito, e está em relação direta com a terceridade, com a união de um primeiro e um segundo. Para explicar a totalidade da poesia trazendo a carga do pensar de Meschonnic, precisaríamos encarar a poesia agindo tanto com as características do ícone e da primeiridade, com as impressões difíceis de definir; assim como o índice e a secundidade, ou seja, sua materialidade física. Só que a primeiridade, secundidade, ícone e índice a que estamos nos referindo são aqueles que estão presentes dentro do terceiro, estão construindo o terceiro: o símbolo na sua terceiridade.
Uma tradução, seja para texto ou para outra materialidade, teria que considerar o corpo do texto com seu ritmo peculiar, seu jogo de tensões, o símbolo e a terceiridade que acreditamos apontar para a Historicidade.
“O ritmo é uma organização subjetiva do discurso”
Vale destacar que o termo signo adquire diferentes conotações em cada um desses autores.
Este estudo, porém, ainda é uma hipótese, e tal questão merece maior aprofundamento, devido a dois pontos significativos: Iniciando pelo fato de termos feito, na teoria de Peirce, um recorte necessário para iniciar a construção da hipótese, e o segundo ponto é a natureza da teoria de Meschonnic que constantemente se afasta antropomorfilismo de categorizações por julgá-las prejudiciais para a tradução e para o entendimento do funcionamento da linguagem. Em outras palavras, a linguagem parece escapar dos rótulos que lhe são atribuídos. A teoria somente funciona, aos olhos do pensador francês, em conjunto com a ação. Peirce objetivava criar categorias gerais, capazes de explicar os fenômenos humanos e naturais, suas categorias deveriam ser simples e abrangentes.
Por um lado, Peirce se preocupa com o signo, em categorizá-lo, para assim compreender o fenômeno linguístico, a construção de significados, o funcionamento da mente humana. Já Meschonnic busca uma forma de compreender a linguagem, procurando seu contínuo, não mais se preocupando com as categorias, olhando para a linguagem como algo com vida. Entendemos, porém, que contínuo e descontínuo se complementam. Peirce separa as categorias, mas admite a transformação do signo, admite certo movimento, e é isso que o aproximaria de Meschonnic.
Um dos problemas que encontramos ao lidar com esses dois autores é que Peirce tentou explicar detalhadamente sua teoria, enquanto Meschonnic o fez de forma mais solta, resultando em conceitos mais elásticos, difíceis de delimitar e aplicar. Porém, quando olhamos para a poesia, os dois pontos de vista acabam por se complementar. De um lado, o enunciado, a poesia como unidade; do outro, a poesia como um símbolo. Para um signo se tornar um símbolo, é necessária uma construção de vários signos, uma complexidade e certa regularidade, entrando, nesse caso, nas historicidades citadas anteriormente.
Olhando o ritmo como organização subjetiva do discurso, entendemos que o tradutor cria uma subjetividade ao traduzir; ao mesmo tempo, ao ler o texto fonte, o tradutor está criando um interpretante, um novo signo que representa o texto original. O conceito de signo de Peirce também apresenta certa elasticidade, ora caindo no descontínuo e nas categorizações, ora possibilitando certa movimentação, expandindo-se para o contínuo, pois sua noção de signo é ampla, já que tanto uma palavra, quanto uma cor, ou um texto inteiro, todos esses podem ser considerados signos para Peirce.
Ambos os pensadores apresentam raciocínios complexos, mas nem por isso devem ser deixados de lado. Talvez justamente pelo fato de navegarem por lugares diferentes que seja interessante conhecer os seus estudos. Apesar dos pontos acima citados, o vislumbre da questão da subjetividade e da elasticidade de certos conceitos, como o signo de Peirce, por exemplo, esta pesquisa poderá servir como uma forma de guia, uma possível aproximação de pensamentos e porta de entrada para futuros estudos.
Nosso projeto de doutorado pesquisa a tradução intersemiótica desse poema para um jogo eletrônico.
Recitatif é um termo meschonniciano. Em uma explicação resumida, o exemplo dado por Meschonnic (2006/1989 apud
Meschonnic usa o termo ‘signo’ como crítica: a maneira que se trabalha a linguagem, dividindo-a em categorias ao invés de compreendê-la dentro do discurso, à maneira como
Segundo
Não lei no sentido legal, jurídico, mas, por exemplo, se um grupo determina que certo desenho significa algo, tal relação pode ser considerada uma lei.
De forma resumida, o signo (ou
"Yet texts that preserve their cultural activity reveal a capacity to accumulate information, i.e. a capacity for memory. Nowadays
Deixando claro que Peirce não utiliza essa nomenclatura, trata-se de uma interpretação nossa.
Meschonnic se baseia tanto nas ideias de enunciado quanto de ritmo de Benveniste. No caso do ritmo, não se trata da alternância entre tempo forte e fraco como se costuma pensar na música, mas o ritmo da linguagem enquanto forma em movimento, ao ser tomada pela subjetividade do sujeito no momento de sua enunciação. Seria uma “maneira particular de fluir” do texto (