O artigo aborda transformações conhecidas pelo espaço do episcopado brasileiro ao longo da segunda metade do século XX. O exame das condições de desenvolvimento da alta hierarquia católica aponta um processo de autonomização institucional e profissionalização do corpo religioso apoiado em dinâmica vigorosa de importação de mão de obra e de modelos de excelência religiosa. Os frutos desse processo são visíveis sobretudo em dois aspectos: uma elite dirigente marcada pelo predomínio de indivíduos do Sul e do Sudeste do Brasil, oriundos de grupos descendentes de imigrantes do mundo rural; e a valorização de um perfil religioso romanizado, incluindo circulação pelo exterior e o acúmulo de competências culturais e de gestão.
The article focuses on the changes the Brazilian episcopate underwent during the second half of the Twentieth Century. The conditions of development of the Catholic hierarchy point out a process of institutional autonomization and professionalization of the religious body, based on a strong import flow of models of religious excellence and of workforce. The outcomes of this process are visible mainly in two aspects: a ruling elite marked by the predominance of individuals from the South and Southeast of Brazil, recruited amidst rural groups of immigrant descendants; and the high value of a Romanized religious profile, including experiences abroad and broader cultural and management skills.
Elites religiosas são tema periférico na agenda de estudos sobre grupos dirigentes, mais ocupada com grupos reconhecidos como dominantes, logo, mais legítimos como objeto de estudo. Pode-se dizer que o tema encontra pouca ressonância científica
O interesse pela esfera religiosa no Brasil tem se orientado sobretudo por indagações de sociólogos e antropólogos em torno da questão geral das transformações do universo religioso. Em particular, aquelas conhecidas pelo catolicismo e pelas formas de crer, questões que têm sido multiplicadas com grande riqueza em diferentes entradas analíticas, como o catolicismo popular, as religiões neopentecostais, o universo das religiões afro-brasileiras, do espiritismo, entre muitas outras
A considerar o papel sociopolítico central da Igreja e sua posição no espaço do poder no Brasil, o interesse sociológico pela alta hierarquia católica dispensaria maiores justificativas. Seria preciso, contudo, situar a questão das elites eclesiásticas como objeto de estudo no horizonte mais geral das pesquisas recentes. Orientadas estas por uma perspectiva multidimensional do mundo social, o que está em jogo como problemática é antes de tudo a objetivação das estruturas de poder e de legitimação no interior dos distintos espaços sociais. Vale dizer, o estudo das variações do fenômeno da dominação social. Desse ponto de partida deriva conjunto bastante vasto de ângulos de abordagem e de dimensões de análise que colocam os dirigentes da Igreja sob outra perspectiva
Além de antiga, a Igreja Católica é sabidamente uma das organizações mais complexas e de maior presença no mundo. A multiplicação de postos e de papéis conhecida em seu interior sobretudo a partir dos anos de 1950, amplificada pelas alterações do Concílio Vaticano II (1962-1965), moldou uma instituição progressivamente diversificada. A uma estrutura de serviços mais variada corresponderam exigências específicas a seus profissionais – sacerdotes, bispos, freiras e irmãos –, solicitados a assumir tarefas em uma miríade de pastorais, comissões, conselhos, órgãos, assessorias, meios de comunicação
Ainda que invariavelmente negada pelos escolhidos, a ascensão ao episcopado representa uma das formas mais evidentes de distinção em face do corpo de profissionais da Igreja. É sinônimo de percurso religioso de êxito, chancelado pelo acesso a função central não apenas na esfera católica
Diferentemente de certas instituições hierárquicas reguladas por códigos escritos e papéis definidos, como as Forças Armadas, na Igreja não há prescrições tão precisas sobre a carreira religiosa, critérios de ocupação de cargos e de promoção. A ideia de promoção ou ascensão hierárquica pode inclusive não ser partilhada por muitos profissionais da Igreja, cujas lógicas de engajamento e retribuição estejam pautadas em princípios que conflitam com os de autoridade e de poder institucional
A autonomia da Igreja na seleção de suas autoridades eclesiásticas foi se afirmando em relação ao poder civil ao longo do século XIX. Impôs-se com força com a promulgação do código de direito canônico de 1917 para enfim limitar, sem exceções, a decisão final ao Papa somente após o Concílio Vaticano (
Existem cerca de 5 mil bispos no mundo, e a cada ano a Santa Sé nomeia perto de duas centenas de novos prelados. Com 276 circunscrições, o Brasil é o país com maior número de territórios eclesiásticos da Igreja de rito latino. Praticamente toda semana, em geral às quartas-feiras, algum sacerdote é nomeado (“feito”, no jargão nativo) bispo, ou algum prelado é transferido de diocese dentro do país, via de regra devido à renúncia obrigatória ao cargo feita pelos que chegam aos 75 anos de idade, ou ainda por doença. Esse serviço cabe à Congregação para os Bispos, sediada em Roma, que seleciona os candidatos ao episcopado e os apresenta ao Papa, dono da última palavra no processo. A definição dos futuros bispos tem por base a elaboração de listas de sacerdotes “aptos para o episcopado”. Essas devem ser criadas no mínimo a cada três anos pelos próprios bispos diocesanos, que apontam candidatos para dioceses específicas. Isto costuma ocorrer após “investigações pessoais” ou por intermédio de outros religiosos, ou mesmo de leigos, a respeito de sacerdotes que lhes parecem convenientes para uma determinada diocese.
Uma vez discutidos e votados na assembleia regional dos bispos, a lista de sacerdotes nomeáveis é enviada ao Núncio Apostólico, bispo diplomata que representa o pontífice no país. Na segunda etapa, cabe ao Núncio realizar nova investigação “ampla e profunda” a respeito dos candidatos previamente fornecidos. Nela são consultados – por meio de questionários individuais, em “sigilo absoluto” e conforme manual secreto do Vaticano – bispos, religiosos e leigos em condições de opinar sobre ampla gama de aspectos da vida do sacerdote em questão
A orientação teológica, ideológica e outras preferências manifestadas pelo Sumo Pontífice são, contudo, centrais e pautam todo o sistema. Fornecem diretrizes sobre a visão da autoridade religiosa desejada para os líderes da Igreja pelo mundo. O peso que cada Papa confere à relação dos homens da Igreja com a ortodoxia, a disciplina e a obediência a Roma, ou então a atributos como formação intelectual, inovação e empreendedorismo, regula de fato critérios de promoção e de sanção. O pontificado de João Paulo II (1978-2005), por exemplo, é descrito de modo corrente como produtor de bispos marcados pela subordinação incondicional à Santa Sé e pela ortodoxia. Isto é, entre outros aspectos, rígidos na aplicação de regras ao seu clero e avessos à Teologia da Libertação e a outras posições consideradas heterodoxas.
No caso da indicação de bispo auxiliar, prelado que assiste a um bispo diocesano, geralmente em grandes circunscrições, cabe apenas a este propor uma lista tríplice de sua preferência. Este procedimento mais direto e dependente de critérios pessoais do líder eclesiástico pode funcionar como via de ascensão rápida a religiosos que desfrutem de prestígio, confiança e “boas relações” com os superiores. Nesse sentido, é também um dos mecanismos que mais se prestam a tentativas de transmissão de legados simbólicos dentro do alto clero, abrindo espaço para a expressão de favoritismos e idiossincrasias pessoais e profissionais de toda ordem
Os atributos oficialmente exigidos do sacerdote nomeado bispo (
§ 1. Para que alguém seja considerado idôneo para o Episcopado, requer-se que:
1. tenha fé firme, bons costumes, piedade, zelo das almas, sabedoria, prudência e seja eminente em virtudes humanas e dotado das demais qualidades, que o tornem apto a desempenhar o ofício;
2. goze de boa reputação;
3. tenha, ao menos, trinta e cinco anos de idade;
4. tenha sido ordenado presbítero pelo menos há cinco anos;
5. tenha adquirido o grau de doutor ou ao menos a licenciatura em sagrada Escritura, teologia ou direito canônico, num instituto de estudos superiores aprovado pela Sé Apostólica, ou ao menos seja verdadeiramente perito nestas disciplinas. (Cânone 378, pp. 68-69).
Se parte da aquisição dessas características se liga de modo mais direto à posse de um título escolar (ser doutor, licenciado ou perito em escritura santa, teologia ou direito canônico), grande parcela das qualidades exigidas dos futuros líderes depende das condições de assimilação de uma cultura religiosa e organizacional – um
Até o fim da condição subsidiária ao Estado brasileiro com a instauração da República, a posição ambígua da Igreja implicou a ausência de uma cultura organizacional com procedimentos de gestão uniformes e autônomos e estilo homogêneo de comando. Enquadrado no sistema de padroado monárquico, o cargo episcopal adquiriu lugar-chave no processo de construção institucional derivado da autonomização diante das instâncias governamentais e burocráticas ao longo da Primeira República. À testa de estruturas eclesiásticas regionais em expansão por todo o país, os bispos passaram de modo progressivo a comandar diretamente a organização das circunscrições e a concentrar poder sobre a condução das carreiras institucionais.
A necessidade de assumir uma nova legitimidade institucional levou a Igreja a colocar em marcha um processo que se traduziu ao mesmo tempo na diversificação de suas estratégias de afirmação e numa impressionante ampliação da estrutura de postos e carreiras
O empenho da Santa Sé no controle disciplinar e doutrinário do corpo eclesiástico nacional, parte do influxo romanizador imposto desde o fim do regime de padroado, foi definitivo no processo de normativização das carreiras na Igreja. A formação de um clero profissional treinado em padrões mais homogêneos em seminários chancelados pela alta hierarquia esteve na base da recomposição da autoridade religiosa. Nesse mesmo movimento, a ampliação de cargos diversificou as possibilidades de realização profissional dentro da instituição. A introdução de escalas mais complexas de prestígio na distribuição das funções religiosas – algumas com certos privilégios – e a afirmação do poder episcopal se mostraram dados atrativos tanto a frações mais amplas do clero já engajado quanto a membros dos grupos dirigentes regionais. Vale dizer, o relativo sucesso da Igreja como empreendimento desenhou uma corporação em melhores condições de controlar sua reprodução institucional e capaz de acenar com oportunidades diferenciadas de carreiras (e de poder) a distintos grupos sociais.
Até meados do século XX o perfil social do episcopado brasileiro refletia em boa medida o processo de consolidação organizacional encetado nas décadas anteriores. O deslocamento dos centros de decisão política, econômica e institucionais do Nordeste para o Centro-sul também fora acompanhado pela Igreja. A mudança do eixo de poder nacional da instituição vinha se operando desde o século XIX e se completaria em torno dos anos de 1930. A diminuição da força do episcopado nordestino, até então dominante em número e influência, é um dos indicadores do fenômeno. Enquanto que na elite eclesiástica da Primeira República cerca de 50% dos prelados eram originários do Nordeste, seguidos de 20% de mineiros, tem-se hoje amplo predomínio de religiosos naturais das regiões Sul e Sudeste. Somadas, as regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste contabilizam pouco mais de um quinto dos membros do episcopado, ao passo que Sudeste e Sul contribuem com parcela de quatro quintos dos bispos, com claro predomínio de paulistas, mineiros, gaúchos e catarinenses
Como demonstrou
É preciso considerar, no entanto, que os efeitos da renovação da Igreja foram distintos nas regiões do país e tiveram impactos diferenciados sobre os mecanismos de recrutamento. A explosão de seminários e de conventos ligada à instalação maciça de congregações e institutos vindos da Europa desde o final do século XIX foi muito mais intensa no Sul e no Sudeste. Em partes do Sudeste (São Paulo e Minas Gerais) e em especial na região Sul, a relação entre o forte desenvolvimento da Igreja e a imigração de alemães e italianos favoreceu uma instituição que se tornaria um modelo de igreja romanizada e provedora de quadros para todo o país (
A eficiência do trabalho de enquadramento de populações de colonos imigrantes e de seus descendentes, estabelecidas majoritariamente em pequenas propriedades rurais, com famílias devotas e numerosas, muitas com mais de dez filhos, foi pilar mestre do sucesso da Igreja em cooptar e formar contingentes expressivos de religiosos. Diante de alternativas limitadas de reprodução social, o sistema escolar da Igreja e suas opções de profissão ofereciam a esses grupos horizonte concreto. E à medida que se integravam à instituição e nela prosperavam em funções que iam desde professor em escolas, auxiliar em hospitais, pároco e missionário até bispo ou cardeal, diretor de seminário e superior provincial, cresciam nas gerações seguintes percepções das diferentes retribuições possíveis em carreiras na religião. De fato, muitos grupos familiares do colonato rural e próximos à Igreja lhe forneceram ao longo do tempo numerosos filhos e filhas, valendo-se de benefícios garantidos por relações privilegiadas com parte da hierarquia e acumulando um tipo de capital de rentabilidade específica (
A constituição de celeiros de vocações e de uma estrutura de formação robusta, conjugada com cooperativas agrícolas, colégios e hospitais, integrou essa nova dinâmica institucional católica. A histórica dificuldade de reprodução do corpo religioso parecia solucionada à medida que seminários e conventos se enchiam e muitos sacerdotes europeus chegavam (
A evolução do contingente de bispos estrangeiros e integrantes do clero religioso é reveladora dos critérios de hierarquização da excelência religiosa importados com o processo de romanização, favoráveis a um corpo profissional branco e europeizado. Se no período 1889-1930, apenas 15% dos bispos provinha de ordens e congregações, essa cifra já era de 28,3% nos anos de 1960 e chega a quase 50% na atualidade. Essa importância do clero congregacional deve ser vista por dois ângulos. Primeiro, pelo fato de as ordens religiosas terem fornecido a maior parte da mão de obra sacerdotal no país durante muitas décadas – somente em 1994 vindo o número de padres diocesanos a se igualar ao de religiosos, cerca de 7.500. Desde então o grupo diocesano continua crescendo, enquanto que o religioso ficou estacionado no mesmo patamar da década de 1970, pouco mais de 8 mil padres. Segundo, embora o episcopado não represente o topo da carreira para os clérigos religiosos – cujo ápice é o cargo de superior provincial –, a nomeação desses sacerdotes para comandar dioceses também se prende, em parte, à lógica do reconhecimento da hierarquia aos serviços fornecidos pelas ordens e congregações
Da mesma forma, se até perto dos anos de 1950 quase todo o episcopado do país era nativo e de origem lusa em sua vasta maioria, o quadro atual mostra que um em cada quatro bispos nasceu no exterior. E que, entre os nascidos no Brasil, os de origem germânica e italiana predominam. Os italianos (11,28%) são majoritários entre os religiosos que vieram do exterior, seguidos a distância por espanhóis (2,93%) e alemães (2,48%). Considerando que a fração de sacerdotes estrangeiros no Brasil está em torno de 15%, observa-se sobrerrepresentação desse contingente no seio da elite eclesiástica. À semelhança de outros grupos dirigentes institucionais no Brasil (Forças Armadas e diplomacia, por exemplo), a presença de negros na Igreja é minoritária como um todo, mas especialmente nos altos escalões. Diante de uma população negra estimada em 54% do total no país, entre os padres nascidos no Brasil esse percentual é de 6,3%, e de 2,5% entre o episcopado. Nenhum dos dezoito cardeais brasileiros nomeados até 2016 era negro
Como esboçado, a ampliação do sistema de recrutamento da Igreja favoreceu de modo especial o ingresso de indivíduos com origens sociais baixas e intermediárias, ligados ao meio rural e a pequenas cidades do interior. Filhos de grandes proprietários, de famílias notórias e de outras frações dominantes se tornariam minoria no corpo religioso profissional, incluindo o episcopado. Menos dependentes de injunções externas, os mecanismos de ascensão na carreira eclesiástica passaram de modo gradual a obedecer a uma lógica mais institucionalizada. Critérios escolares e culturais, ao lado de experiências de gestão administrativa e de exercício do poder, além do acúmulo de relações internas, ganharam peso num conjunto de condicionantes do êxito sacerdotal, que se tornou mais complexo. A imposição relativa de um mérito religioso mais atrelado à carreira institucional de modo algum eliminou, no entanto, a eficácia de recursos como o pertencimento a “famílias tradicionais” e a posse de um capital de relações interno e externo à Igreja – a lealdade pessoal, a afiliação simbólica e outros princípios na base da proteção e do favoritismo permanecendo como peças correntes nas engrenagens da instituição.
A mudança nas características sociais do episcopado no período pós-1950 se deve, contudo, a fatores que vão além dos processos de autonomização institucional, profissionalização e centralização burocrática operados há décadas e que culminaram com a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 1952. Entre eles, a desvalorização geral das carreiras eclesiásticas e a consequente diminuição de prestígio do posto episcopal são elementos de fundo. Essa mudança também se vincula às alterações impostas por Roma através do Concílio – menor centralização da autoridade religiosa, perda da pompa ritualística, valorização do laicato – e à expansão concomitante do sistema escolar, do mercado profissional e das carreiras públicas no país, com a abertura de novas oportunidades de reprodução para as frações dominantes em outros domínios em ascensão.
Em suma, a retração relativa da Igreja no interior de um espaço do poder mais concorrido foi determinante em tornar o destino na religião menos atraente às camadas sociais abastadas – mesmo aquelas em ameaça de desclassificação –, em condições mais favoráveis para orientar seus membros a carreiras no Estado, em profissões jurídicas, na medicina, engenharias e arquitetura, nas universidades e em outras funções intelectuais valorizadas. Visada preferencialmente por indivíduos saídos de meios sociais modestos do campo e de frações intermediárias de pequenas e médias cidades do interior (pequenos comerciantes, operários, artesãos, funcionários públicos), a corporação católica veio a moldar uma elite dirigente de feições particulares dentro do espaço do poder.
Em que pesem a quase extinção do modelo seminarístico tridentino, fechado e rural, e a transição para institutos e faculdades em centros urbanos, abertos a leigos e leigas, o corpo profissional católico no Brasil ainda espelha o sistema anterior. Nos anos 2000, quando a taxa de urbanização no país era superior a 80%, 56% dos sacerdotes declarou ter origem em zona rural e cerca de 30% disse ter nascido em periferias urbanas (cf.
Muito presentes na alta hierarquia da Primeira República, os herdeiros de grupos do patriciado rural e comerciante, ligados a clãs tradicionais e próximos a estruturas de poder, praticamente desapareceram da população episcopal nomeada após 1950. Alguns poucos membros de famílias renomadas, sobretudo de estados do Nordeste e de Minas Gerais, melhor dotadas em capital social e político do que em patrimônio econômico, ainda eram encontrados dentro da geração de religiosos que ascenderam ao alto clero nos anos de 1950 e 1960. Em sua absoluta maioria, a elite eclesiástica desde então tem sido composta por indivíduos de origens baixas e intermediárias, saídos de extensas famílias devotas, marcadas por origens alemã e italiana (sem contar o alto número de bispos nascidos no exterior). Seus pais tiveram baixa escolarização, poucos concluíram o ensino médio e são muito raros os que chegaram ao ensino superior (cf.
Os caminhos até o episcopado vêm se tornando mais longos e exigentes em termos escolares desde o final dos anos de 1960. Não apenas os seminaristas têm se tornado padres mais tardiamente, também os bispos têm sido nomeados com idade mais elevada. Se até antes do Concílio (1962-1965) a média de ordenação era de 25,4 anos, isto é, quase a idade mínima exigida pela Igreja, nos anos 2000 chegou perto dos 34 anos. Quanto à idade de sagração episcopal, saltou de 37 para 53 anos. O tempo médio entre a ordenação sacerdotal e a chegada ao episcopado praticamente dobrou nesse ínterim, de treze anos para 25 anos.
Essas variações etárias no corpo clerical se devem a fatores internos e externos à instituição, sobretudo às transformações pós-conciliares destinadas a adequar a formação sacerdotal às sociedades do pós-guerra – mais urbanas, escolarizadas, democráticas e secularizadas. A perda da centralidade do seminário menor, destinado a receber crianças e lhes fornecer escolarização básica, e a progressiva migração do sistema de preparação religiosa para institutos e faculdades, com possibilidade de estágios em pastorais específicas e vivências diversificadas, alongaram o tempo de escolarização dos candidatos ao sacerdócio. Ao mesmo tempo, aumentou o número de candidatos com “vocação tardia”, que ingressam na Igreja após concluírem o ensino médio e/ou superior e, não raro, terem tido experiências profissionais, sendo ordenados em torno dos trinta anos de idade. Por outro lado, como depreendido de depoimentos de bispos e outros religiosos, a aposta da instituição na escolha de sacerdotes mais velhos para a função de bispo realçaria a preocupação em levar à condição de autoridade indivíduos “mais maduros”, de
A combinação desses três elementos indica o tipo de qualificações que a Igreja Católica tem procurado nos sacerdotes que escolhe para o comando das dioceses. O exame dos trajetos pré-episcopais dos bispos mostra que em sua grande maioria exerceram funções pastorais diretas e de gestão em paróquias (pároco, vigário, coordenador diocesano) por pelo menos cinco anos antes da nomeação episcopal. Mais da metade também assumiu cargos de docência e formação religiosa e cerca de 40% ocupou postos de reitoria e/ou direção em seminários, faculdades e universidades, católicas ou leigas.
Com maior intensidade a partir da década de 1970, o perfil da população episcopal sugere que a passagem por cargos de direção e de ensino em seminários, faculdades ou institutos – somada ao exercício de funções proeminentes na administração de ordens, congregações e organismos fora do país – ganha força como uma das principais etapas de treinamento prévio à ascensão ao episcopado. Embora muitos desses bispos tenham assumido pelo menos um cargo paroquiano, é expressiva a taxa de sacerdotes que receberam nomeação durante exercício dessas funções, indício de que essas experiências vão ao encontro do acúmulo de disposições exigidas nas tarefas dominantes no interior da organização.
Mas esse ponto precisa ser matizado. Se a indicação geral de atividades de ensino e gestão oferece uma noção do tipo de
Como em muitos outros grupos dirigentes, também na Igreja a exigência de recursos culturais mais diversificados e internacionalizados tem se imposto como critério de acesso aos postos de poder
De fato, a Igreja brasileira tem enviado parte de seus membros ao exterior em missão de estudos desde o final do Império. Esse expediente ganhou força à medida que a instituição se expandiu e precisou de quadros treinados para tarefas essenciais de gestão institucional e de formação do próprio clero nativo. Por outro lado, também se inseriu nas estratégias de recomposição da autoridade religiosa em relação a mudanças sociais profundas e aceleradas no pós-guerra – aumento da escolarização, transformação de costumes e padrões morais, afirmação do discurso científico e de novos especialistas em gestão do simbólico. Cobrado progressivamente sobre assuntos que exigem competência polivalente em um espaço competitivo, o alto clero foi submetido a adaptações às novas estruturas e formas de viver e ao desafio de produzir discursos de temática variada, complexa e mutável (
Até os anos de 1980 a Igreja enviava ao exterior jovens seminaristas para concluírem a formação sacerdotal e, com frequência, a estenderem em cursos de mestrado e doutorado em disciplinas clássicas e oficialmente valorizadas como requisito para ser bispo. O colégio Pio-Brasileiro (ver
*As subvenções estatais recebidas pelo colégio até o início dos anos de 1970 foram importantes e exemplificam o pacto estabelecido com o catolicismo e exacerbado durante as gestões de Vargas (1930-1945 e 1951-1954). Apenas em 1961, o Pio Brasileiro recebeu subsídio de 120 mil dólares para uma turma de 83 alunos (
O Pontifício Colégio Pio Latino-Americano foi criado em 1858, destinado a prover uma formação romanizada ao clero latino e a preparar docentes. Grande parte de seus ex-alunos teve papel central no processo de construção institucional e de romanização da Igreja. Três cardeais brasileiros estudaram lá, dom Arcoverde, dom Leme e dom Vicente Scherer. Do Pio Latino se originou o Pontifício Colégio Pio Brasileiro, inaugurado em 1934 e também a cargo de jesuítas. Até o presente recebeu mais de 2 mil alunos, alguns ainda seminaristas, outros já ordenados. Cerca de 150 futuros bispos passaram pelo colégio, dos quais seis receberam o cardinalato. O colégio funciona como residência aos religiosos enviados por suas dioceses para estadas de formação. Desde os anos de 1980, aceita somente padres ordenados, incluindo os de outros países de língua portuguesa, que realizam estudos de pós-graduação em extensa gama de universidades com o selo do Vaticano, no topo das quais está a Pontifícia Universidade Gregoriana. As despesas com os alunos – acima de 10 mil euros por ano – cabem a suas dioceses de origem. Trata-se de investimentos altos assumidos pelos bispos, que confiam a poucos escolhidos o raro e caro privilégio de experimentar contato direto com o centro da Igreja mundial*.
O rol de novas temáticas com relevo entre os títulos escolares dos membros do alto clero pós-conciliar aponta a direção seguida pela instituição num contexto de adaptação às
O quadro episcopal da segunda metade do século XX mostra dirigentes marcados pela experiência internacional, trunfo dos mais valiosos na carreira. Mais da metade do episcopado (53,7%) estudou no exterior. Desse contingente, 80,9% cursou doutorado, 73,6% mestrado, 28,6% especializações e 31% graduação. O predomínio de indivíduos originários das principais circunscrições em termos de estrutura institucional e quadros profissionais (SP, MG, RS e SC) indica acesso muito desigual aos centros de excelência mais disputados da Igreja. Reflete à perfeição a própria distribuição do contingente religioso pelo país. Tal desequilíbrio nas condições de reprodução dos dirigentes da Igreja brasileira reforça a estrutura de suas relações de força, centrada na hegemonia de poucos estados, e que pode ser apreendida, por exemplo, na distribuição dos principais cargos da CNBB, na exposição aos grandes meios de comunicação e no uso da palavra autorizada pela instituição.
Os dirigentes do órgão máximo da Igreja brasileira são eleitos por seus pares para mandatos de quatro anos durante a assembleia geral anual do órgão, criado em 1952
A composição das diretorias da CNBB chama atenção em especial pela relativa baixa circulação de nomes. A contar apenas seus presidentes, a cúpula da hierarquia foi dirigida por não mais do que doze homens ao longo de mais de seis décadas de existência. Incluídos os secretários-gerais, cargo-chave na CNBB, chega-se a dezessete. Três secretários-gerais assumiram a presidência logo depois de encerrados seus mandatos. Ou seja, apenas esses três nomes estiveram na secretaria-geral da Conferência por dezenove anos e, na presidência, por 24 anos, entre o final dos anos de 1960 e os anos de 1990. A saber, dois gaúchos e primos entre si, dom Aloísio Lorscheider e dom José Ivo Lorscheiter, e o carioca dom Luciano Mendes de Almeida. Considerando, ainda, que o primeiro secretário-geral e principal articulador do órgão, dom Hélder Câmara, permaneceu no cargo por doze anos sem interrupção, vê-se que por mais de três décadas a CNBB teve em seu posto-chave somente quatro indivíduos.
Se parece claro que o episcopado brasileiro reserva a poucos seus postos de maior poder, tudo indica que as qualidades encaradas como necessárias à execução das tarefas de alto comando não estejam ao alcance de qualquer bispo. Já de início, estar lotado em alguma diocese central se mostra requisito importante para acúmulo de crédito ante o conjunto do episcopado. A concentração de religiosos oriundos de dioceses de grandes capitais indica o peso desigual da Igreja dentro do país. Mais da metade dos dirigentes da CNBB ocupava postos nas arquidioceses de São Paulo (seis) e do Rio de Janeiro (três) quando eleitos à cúpula da Igreja. Dois trabalhavam em Salvador (BA), diocese mais antiga do país, um atuava em Brasília, sede da CNBB desde 1977, e outro em Porto Alegre (RS). Ainda um bispo se encontrava na tradicional arquidiocese mineira de Mariana e outros quatro vinham de circunscrições de pouca expressão, duas no interior do Rio Grande do Sul (Santa Ângelo e Pelotas), uma na capital do Mato Grosso e outra no Piauí. Embora importante, o peso das dioceses que comandam não é decisivo no reconhecimento de seus bispos como credenciados a dirigir a Conferência.
Note-se que oito dos dez religiosos que ocuparam o posto de secretário-geral da CNBB foram nomeados inicialmente bispos-auxiliares e se encontravam nessa condição quando levados à secretaria executiva. O bispo-auxiliar não possui direito à sucessão do bispo diocesano com quem trabalha, prerrogativa dos coadjutores. Desfruta de posição ambígua na hierarquia, pois é uma autoridade importante, embora subordinada, sem a enorme autonomia do bispo diocesano. Por outro lado, de um modo geral, é figura com maior liberdade e flexibilidade em termos de agenda e tarefas. Somente arquidioceses contam com bispos auxiliares – a de São Paulo tem oito, a de Salvador, quatro, as de Porto Alegre e de Belo Horizonte, três, a do Rio de Janeiro, dois, a de Fortaleza, um.
Ao contrário do bispo diocesano, a quem está subordinado, o auxiliar é de certa forma pré-escolhido por aquele, que tem prerrogativa de indicar lista tríplice de sua preferência ao Vaticano. Sabe-se na instituição que esse é um canal rápido para acelerar a carreira de certos religiosos, a grande maioria deles vindo a se tornar bispos diocesanos após algum tempo de serviço como auxiliar. Esse tipo de nomeação costuma servir como período de experiência ao recém-bispo, o qual é preparado para assumir o comando de outra circunscrição (às vezes, novas dioceses), dentro ou fora do estado em que atua.
Cabem aos bispos-auxiliares tarefas variadas de gestão da cúria diocesana na condição de vigários-gerais – administração, direção da ação pastoral, coordenação de serviços específicos, exercício do poder judiciário. Já investidos de autoridade, têm a oportunidade de angariar um capital organizacional e de relações por meio de um treinamento em atividades bastante diversificadas de organização cotidiana de dioceses complexas, ao mesmo tempo que são expostos com maior intensidade aos mecanismos próprios do alto poder eclesiástico e aos padrões de exercício do cargo.
O pouco tempo na função de bispo indica que é muito menos a experiência episcopal em si do que o percurso prévio de um prelado que o gabarita objetivamente ao comando do secretariado-geral. De modo distinto do que ocorre com os presidentes da CNBB, o tempo médio decorrido entre a nomeação episcopal e a eleição ao cargo de secretário-geral é de cerca de cinco anos – com casos extremos de bispos com apenas alguns meses de episcopado e com doze anos na função. O caso do futuramente celebrado bispo dom Hélder Câmara (1909-1999) é extremo. O padre de origem cearense fora nomeado bispo-auxiliar do Rio de Janeiro seis meses antes de fundar e assumir a liderança do órgão episcopal, com sede em sua própria arquidiocese.
Essa característica permanece inalterada desde a criação da Conferência. O atual secretário reeleito, o catarinense dom Leonardo Ulrich Steiner, contava seis anos como bispo no interior do Mato Grosso quando assumiu o posto na instituição. Foi transferido como auxiliar para Brasília, sede da CNBB, apenas quatro meses mais tarde. Seu antecessor, dom Dimas Lara Barbosa, havia seis anos era bispo-auxiliar no Rio de Janeiro ao ser eleito. Antes dele, o então auxiliar da arquidiocese de São Paulo, dom Odilo P. Scherer, tinha não mais do que um ano de episcopado quando eleito para o cargo de maior exposição da Igreja brasileira. Acabado o mandato, foi então nomeado arcebispo daquela que é uma das maiores arquidioceses do mundo, meses mais tarde entrando para o seleto grupo de cardeais
Os atributos que credenciam os futuros líderes da CNBB ficam mais visíveis ao se associarem os elementos acima com outras competências que integram o capital religioso adquirido pelos bispos em itinerários profissionais que variam de 11 a 45 anos. Ou seja, ao se analisar todo o percurso entre a ordenação sacerdotal e a eleição para a cúpula da instituição. A média de idade dos religiosos eleitos secretários-gerais até o presente é 49 anos. Até meados da década de 1980, era 44 anos. Isto é, indivíduos com não muitos anos de experiência episcopal, apesar de percursos longos como sacerdotes. No caso dos presidentes, cargo de maior peso simbólico, em que o tempo geral de carreira e de episcopado é uma medida da quilometragem acumulada em funções de autoridade, a média de idade é bem mais elevada, 59 anos. Metade dos presidentes chegou à função acima dos sessenta anos de idade.
O exame dos percursos escolares e de carreira dos dirigentes católicos indica forte predomínio de religiosos ligados ao polo dominante do episcopado, de componente intelectual e administrativo, que se opõe ao polo pastoralista. Com ascensão rápida na carreira em sua grande maioria, encontram-se entre o grupo de bispos que realizaram estudos precocemente no exterior. Não raro foram ordenados padres fora do país, obtiveram doutorado e retornaram ao Brasil para servir em seminários, conventos, faculdades e universidades em postos de ensino, orientação espiritual e direção, antes de receberem nomeação como bispos e assumirem o comando de dioceses pelo país. Para os religiosos de gerações mais jovens, sagrados sacerdotes a partir de meados dos anos de 1970 e nomeados bispos nos anos 2000, observam-se trajetos semelhantes. Seus percursos iniciais, contudo, dão-se no Brasil e os estudos se prolongam no exterior em nível de especialização alguns anos depois de terem atuado em funções docentes e de administração.
A circulação pelo exterior para estudar é especialmente marcante entre os bispos secretários-gerais da CNBB. Apenas o primeiro secretário da Conferência (1952-1964), dom Hélder Câmara, não realizou estudos fora do país. Entre os presidentes, somente os dois primeiros, ambos futuros cardeais, dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota (1952-1958) e dom Jaime de Barros Câmara (1958-1964), não contam estudos no exterior em seus percursos.
A análise do conjunto de 29 membros da diretoria da CNBB (presidentes, vice-presidentes e secretários-gerais) revela que pelo menos dois terços tiveram passagem de estudos pelo exterior antes de receberem a mitra. Tomando em conta apenas os dirigentes do período posterior a 1964, é ainda maior a concentração de indivíduos com experiências escolares fora do país: de 26 bispos, 23 foram ao exterior na condição de estudantes, seja de graduação, mestrado, doutorado ou cursos de outra natureza. Entre esses, o paulista dom Agnelo Rossi (1913-1995), futuro arcebispo e cardeal de São Paulo, enviado a Roma aos vinte anos de idade para estudar teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana. Instalado de início no Colégio Pio Latino-Americano, em 1934 compôs o grupo de 33 alunos que inaugurou o Pio Brasileiro. Nessa mesma estada em Roma, especializou-se em “protestantismo na América Latina”, também pela PUG; dez anos mais tarde, concluiu nova especialização, dessa vez na Argentina, em temática ligada a uma de suas principais frentes de atuação, a “Ação Católica”. Já na condição de bispo de Barra do Piraí (RJ), dom Agnelo ainda realizou curso de especialização em “catequese” na universidade norte-americana de San Antonio.
Do atual grupo de religiosos à frente da CNBB (2015-2019), todos apresentam, em seus currículos, estudos em centros reconhecidos. Como grande parte dos bispos dirigentes, o atual presidente da conferência, cardeal dom Sérgio da Rocha, obteve doutorado pela Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, poucos anos após realizar mestrado em teologia moral em São Paulo. De geração mais antiga, seu antecessor mineiro, dom Raymundo Damasceno de Assis, foi enviado para estudar teologia em Roma depois dos anos iniciais de seminário em Mariana (MG). Mais tarde, pós-graduou-se em catequese em Munique, na Alemanha.
O vice-presidente em exercício e arcebispo de Salvador, dom Murilo Krieger, teve seus estudos religiosos concluídos no Brasil, seguidos de pós-graduação em espiritualidade em Roma. Seu conterrâneo catarinense e secretário-geral reeleito, dom Leonardo Steiner, apresenta percurso similar, embora mais intenso. Também cumpriu sua formação sacerdotal em instituições nacionais antes de continuar os estudos fora do país. Nesse caso, ao longo de seis anos em Roma fez mestrado e doutorado em filosofia na Pontifícia Universidade Antonianum.
Parte das frações dirigentes do país, o episcopado brasileiro constitui uma elite corporativa cujos traços e tarefas se reconfiguraram de modo contundente ao longo do século XX. O exame das condições de desenvolvimento da alta hierarquia católica sinaliza processo de forte autonomização institucional e de profissionalização do corpo religioso. Na base do empreendimento de renovação da Igreja esteve uma dinâmica muito vigorosa de importação tanto de mão de obra quanto de modelos de excelência religiosa, vindos de Roma e de outras partes da Europa. Esse impulso privilegiou uma instituição centrada nas regiões Sul e Sudeste do país, base de recrutamento e preparação de quadros dirigentes marcados por origens rurais em famílias modestas e extensas de descendentes de imigrantes com forte ligação com a Igreja.
Combinada com a imposição de uma lógica institucional, a perda de atratividade das carreiras eclesiásticas em grupos sociais em posições mais favoráveis intensificou o delineamento de uma elite dirigente peculiar dentro do espaço do poder nacional. Além da presença notável de homens nascidos fora do Brasil, é provável que nenhum outro grupo dominante no país seja recrutado em meios sociais e geográficos tão distantes das esferas de poder.
A valorização crescente de perfis que aliam formação intelectual ampla e experiências de gestão dá a medida real das tarefas cobradas dos bispos de hoje. Assoberbadas com encargos que vão de tomadas de posição teológicas à administração cotidiana de grandes contingentes nas dioceses, passando pela participação numa miríade de espaços colegiados, as autoridades eclesiásticas têm sido cobradas a fundar sua legitimidade entre a tradição do cargo e as novas competências impostas pelos tempos.
. Este artigo se apoia em pesquisas e materiais reunidos de modo sistemático desde 2000. Os dados institucionais sobre os bispos foram coletados sobretudo no portal da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em edições do livro de membros da CNBB e em
. Um panorama desses estudos é encontrado em
. Alguns exemplos são os trabalhos de
. Esses pontos estão desenvolvidos em
. As ações pastorais católicas (ou apenas, pastorais) englobam serviços e públicos variados. No Brasil, contam-se 29 diferentes pastorais, distribuídas de forma desigual pelo território. Entre as mais difundidas e reconhecidas estão as pastorais ditas sociais, que envolvem onze estruturas, com destaque às pastorais da Criança, da Terra e Operária.
. Embora seu poder seja conferido pelo Papa, juridicamente o bispo não o exerce nem em nome do pontífice, nem por sua delegação, mas em nome próprio. Isso o torna, ainda que inferior ao Papa e a ele submetido, o “verdadeiro chefe de sua diocese, comparável, dentro da ordem político-institucional, a um governador de província ou de um estado membro de uma federação […]”. Ver
. Os bispos representam 2,2% do total do clero no Brasil, estimado em mais de 22 mil sacerdotes. Excluídos os bispos eméritos, o número é 1,4%. Ver
. Diocese é uma circunscrição territorial dirigida por um bispo. Teologicamente, corresponde a uma “Igreja local” ou “particular”, composta por um grupo de católicos (clero e leigos), reunidos em torno de seu bispo. Dioceses extensas ou de grande tradição são denominadas arquidioceses. Uma noção concisa da estrutura e das carreiras na Igreja é apresentada em
. Na pesquisa Índice de Confiança Social do Ibope (2015), a Igreja Católica aparece como segunda instituição mais confiável no Brasil. Nos dados do ICJBrasil (Índice de Confiança na Justiça), elaborados pela Fundação Getúlio Vargas, as Forças Armadas lideram “o ranking das instituições em que a população mais confia”, com 73% das respostas, seguidas pela Igreja Católica (56%) e Ministério Público (55%). Disponível em
. As formas de assumir e vivenciar a condição religiosa na Igreja são muito variadas, e a adequação de seus membros às regras da instituição é uma questão raramente resolvida em definitivo. Sobre as tensões entre engajamento religioso e lógica institucional, consultar Lagroye (2009),
. O “questionário do Vaticano” solicita ao consultado que informe qual o relacionamento que tem com o candidato e desde quando o conhece. Em seguida, são apresentados doze tópicos de avaliação: notas pessoais, dotes humanos, formação humana, cristã e sacerdotal, comportamento, preparação cultural, ortodoxia, disciplina, aptidões e experiência pastoral, dotes de governo, capacidade administrativa, pública estima, juízo global sobre a personalidade do candidato e sobre sua idoneidade ao episcopado. Pede-se ainda que a pessoa consultada forneça nome, endereço e qualificação de outras pessoas “reconhecidas pelo discernimento, serenidade e discrição, que conheçam bem o candidato” (
. Sem uma circunscrição precisa sob sua responsabilidade, o cargo de bispo auxiliar possui status inferior na hierarquia, o que não impede que seus ocupantes assumam dioceses próprias, se tornem bispos diocesanos ou ocupem postos de grande responsabilidade, como indicado mais adiante.
. Como demonstrou
. De doze dioceses em 1891, passou-se a dezessete em 1900, a trinta em 1910, 58 em 1920, cem em 1940, 113 em 1950, 145 em 1960 e a 215 em 2016. O total de circunscrições eclesiásticas atuais é 276, assim distribuídas: 215 dioceses, 44 arquidioceses, três eparquias, nove prelazias, um exarcado, um ordinariado para fiéis de rito oriental sem ordinário próprio, um ordinariado militar, uma administração apostólica pessoal e uma arquieparquia. Ver
. Não se deve esquecer, por outro lado, que oito dos nove bispos fundadores da Conferência Nacional do Brasil eram nordestinos (
. Congregações mais atuantes em missões e na área educacional, como a dos salesianos, franciscanos e capuchinhos, são as que apresentam maior número de bispos. Com frequência, estes são designados para dioceses em regiões de missão, em estados interioranos como Amazonas, Pará, Mato Grosso.
. É preciso recordar que muitas congregações religiosas vetavam a entrada de candidatos negros ou mulatos até o início do século XX, ou pouco investiam no recrutamento sacerdotal em áreas “não europeias”.
. Note-se, por exemplo, o contraste com o episcopado argentino, que tem 40% de seus membros nascidos na capital do país ou na região metropolitana de Buenos Aires (
. O termo
. Com respeito ao relativo domínio prático pelos profissionais religiosos, já em etapas iniciais de formação, sobre as chances disponíveis e as engrenagens de definição de seus destinos profissionais, consultar
. Entre vários estudos, destacamos
. Além do presidente, vice, secretário-geral e dos presidentes das doze comissões episcopais, naquelas ocasiões costuma-se também escolher os delegados da CNBB no Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), sediado em Bogotá, e à Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, que ocorre no Vaticano.
. Ao completarem 75 anos de idade, os bispos são obrigados a solicitar ao Papa renúncia ao cargo e se tornam eméritos. Essa mudança de status, em especial a perda de prerrogativas dentro da CNBB, é tema delicado aos bispos aposentados e matéria de reivindicações no Vaticano. A esse respeito, ver a reportagem “Bispos aposentados e insatisfeitos: obrigados a deixar o comando de suas dioceses aos 75 anos, líderes católicos pedem ao papa para ter voz mais ativa na Igreja” (
. A elevação de um bispo ao cardinalato se dá diretamente por escolha do Papa e representa promoção hierárquica, com direito a alguns privilégios especiais e ao uso de símbolos específicos. Entre as funções principais do cargo está a de auxiliar o Papa em suas decisões. Cabe também aos cardeais com menos de oitenta anos eleger o sumo pontífice. Há 228 cardeais em toda a Igreja na atualidade e 120 são eleitores.
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