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Desafios do ensino do canto em tempos de pandemia

Artigo relata as dificuldades que os professores que cantam enfrentam com o uso de máscaras que “emudecem nossas vozes e silenciam nossas performances”.

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

Na constante discussão nas mídias, nas ruas, em casa sobre os problemas que a pandemia causou no ensino brasileiro de todos os níveis, evidencia-se, principalmente, as desigualdades sociais e econômicas nessa área, pois no ensino estadual não há oferta de instrumentos tecnológicos como microcomputadores, tablets ou celulares para que o aluno possa aprender, estudar e assistir às aulas virtuais. Essa situação ocorreu durante todo o ano de 2020, “inesquecível na trajetória histórica da Humanidade”, e ainda, por enquanto, continua. Mas os que estudam em escolas particulares tiveram e têm condições de assistir e aproveitar, sem pôr em jogo as limitações do ensino a distância, às aulas virtuais. A pandemia se instalou no Brasil e revelou o quanto o governo despreza a saúde de sua população, visto que a crise sanitária se acentuou e serviu de “um terrível palco de disputa política” e as desigualdades sociais deram início a uma “crise sem precedentes”.

Como o professor analisa toda essa inquietante questão? Os autores do artigo da Revista Música tratam do principal instrumento do professor: a voz. Normalmente, em classe, o professor se vale da voz para elaborar uma aula criativa, com a participação dos alunos em jogos didáticos ou outras atividades em que o falar é indispensável. Algumas escolas já retornaram às aulas presenciais – seria ótimo se não houvesse a barreira das máscaras de proteção ao vírus, já que as vozes, tanto dos professores quanto dos alunos ficam abafadas, sem a possibilidade de explorar-se todos os recursos oferecidos no ensino. A situação piorou nas aulas de música, quando o professor sempre cantava ou solfejava partituras com seus alunos. Nas aulas a distância, hoje, isso não é possível, porque os “formatos tecnológicos” são limitados para essa atividade. As aulas virtuais de música não permitem a aplicação de procedimentos e processos criativos que as aulas presencias proporcionam.

O intuito do estudo dos autores é abordar quais os danos provocados “à voz do professor, nesse momento de pandemia e isolamento social, em que instituições educativas têm buscado soluções para essa nova realidade”, observado o fato de a performance do professor estar intimamente relacionada com a voz como “elemento comunicativo fundamental”, com o qual se atinge o propósito do ensino. A pandemia exigiu o isolamento social e, a voz, “tem estado confinada”. Para o professor que atua com música, a questão é mais abrangente e complexa, uma vez que se constata “o quão comprometida pela voz está a performance, na medida em que dado que o aparelho vocal possui impressão individual e personalidade”, nas palavras do compositor e músico canadense Raymond Murray Schafer. 

As aulas virtuais provocaram cansaço vocal em muitos professores, e, dessa maneira, estes últimos precisaram aumentar o volume da voz, tanto para falar quanto para cantar. Ressalta-se que a voz e suas características indicam o humor de quem fala, a delicadeza de uma canção, a impetuosidade do cantor, dependendo dos fatores emocionais do professor. Assim sendo, a voz vai além dos aspectos fisiológicos, ela “é conexão da mente do corpo e do espírito. Somos produto de nossa voz. Nossa voz faz parte de uma teia social”. A pandemia mudou a forma com que a voz chega até os alunos porque, por exemplo, as videoconferências não permitem que venham à tona todas as possibilidades vocais do professor, “filtradas pelos microfones de um ou outro dispositivo, além dos atrasos na chegada do som até o ouvinte, em função da qualidade de conexão da internet”.

A utilização que o professor faz de sua própria voz mostra-se importante para que os objetivos didáticos sejam alcançados, já que o uso “performático” é um recurso básico para a educação musical. O cantar em aula implica a postura da voz pautada em uma pedagogia que estimule também os alunos, participando e assim revelando a voz a si e aos outros, descobrindo o próprio corpo com suas potencialidades e possibilidades. Infelizmente, a pandemia calou a voz de muitos nas atuais aulas a distância, sobretudo nos exercícios musicais coletivos. Os ensaios corais, por exemplo, foram suspensos, em parte pelos boatos divulgados que o ato de cantar pudesse ser “um grande fator de contaminação em função de gotículas e aerossóis disparados durante a emissão vocal”.

Porém, constatou-se não haver perigo nos ensaios que adotam o uso de máscara, distanciamento social, ensaios ao ar livre, em espaços grandes e ventilação natural. Para os autores, a maneira como tratamos nossa voz revela como tratamos “as crises que nos assolam”, como encaramos o estar presente, nossa forma de compreender, estar e experenciar o mundo. Os que fazem da música seu ganha pão e sua paixão esperam que a pandemia tenha um fim o quanto antes para que “caiam as máscaras”, que acabam por afetar os processos do desempenho da voz, pois, nas palavras dos professores, “mais do que tampar as nossas bocas, emudecem nossas vozes e silenciam nossas performances”.

Artigo

VIEIRA, M. S.; MIGUEL, F. Máscaras ao rosto e tampões à boca: implicações na voz para a performance do professor que canta. Revista Música, São Paulo, v. 21, n. 1, p. 1-16, 2021. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistamusica/article/view/180832. Acesso em: 28 jul. 2021.

Contatos

Márlon Souza Vieira – Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes. marlonsvieira@gmail.com 

Fábio Miguel – Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes. In memoriam 

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