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Re-existências de uma antropóloga negra na realização da docência em ensino superior

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

“Estudar para ser alguém vida”. Quem já não ouviu, de parentes, na rua, ou leu essa frase em algum livro, revista, na internet, etc.? O que está oculto nessas palavras, elas remetem a quais mensagens, ideias e ditames sociais? Será que é fácil estudar? Para quem? Será que é fácil estudar, cursar o nível superior? E depois de concluídos os estudos, será que aí sim, consegue-se “ser alguém na vida”, e o que essa frase quer dizer? Se quem quer estudar em nível superior neste país for negro, ou melhor, uma mulher negra e, ainda quiser ser docente, é fácil? Estudar, neste país, não é tão simples quando se esbarra nas precárias condições financeiras, sociais e culturais de grande parte da população brasileira, principalmente para os negros do sexo feminino.

Isso porque o preconceito é sempre um inimigo pronto para atacar e interferir nas escolhas do ser humano, em todos os níveis, na autoestima, enfim, nos desejos e esforços para conquistas e realizações pessoais. É sobre esse assunto que Alexandra Alencar, no artigo da Revista de Antropologia, discute as re-existências de uma antropóloga negra às voltas com os concursos públicos para o cargo de docência em universidades, no caso, em universidade pública do sul do Brasil. A autora relata as batalhas do dia a dia na procura de circunstâncias favoráveis e saudáveis “em um sistema capitalista que continua estruturado por várias perspectivas opressivas, como o racismo e o sexismo”.

Em meio às dificuldades, já estamos experenciando um período de visibilidade de negros/as, indígenas, pessoas de baixa renda, quilombolas, populações LGBTT+, dentre outras, devido à realidade das políticas de “ações afirmativas” que garantem vagas nas universidades públicas brasileiras. As políticas de ações afirmativas e a presença negra na UFSCproporcionam uma diversidade que influencia a estrutura da universidade, “permeada pelos efeitos da colonização proposta para essa região do país e visibiliza a necessidade de repensar tal instituição em seu tripé constitutivo de ensino, pesquisa e extensão”. Relata-se, no artigo, que a UFSC é fruto da história racista da sociedade catarinense, que gerou a invisibilidade negra na instituição, justificada pela defendida superioridade racial dos brancos, e Santa Catarina se mostrou, assim, como o “Estado branco”.

A autora conta como introduziu, na vida universitária, vivências mostrando “o que  é ser um corpo negro na UFSC”, valendo-se da prática de atividades coletivas baseadas na cultura africana, em que se desenrolam histórias e atividades como, por exemplo, a busca, “por meio  do lançamento de flechas, compartilhar coletivamente nossos alvos: a profissão, a  educação, o conhecimento, o compromisso com a sociedade e a felicidade foram alguns  dos destinos que nossas flechas tentaram alcançar”, argumenta Alexandra Alencar. Essa mulher, negra, expõe, no artigo, toda sua trajetória de superação na realização de um objetivo: a docência universitária exercida com liberdade e respeito, citando, nesse sentido, a importância da diferença das expressões negro-tema e o negro-vida e do amor, criadas pelosociólogo negro Alberto Guerreiro Ramos.

Ele esclarece: “o negro-tema é uma coisa examinada, olhada, vista, ora como ser mumificado” e o negro-vida “é algo que não se deixa imobilizar; é despistado, profético, multiforme, do qual, na verdade, não se pode dar versão definitiva”. O texto é um chamado para a união dos “quase excluídos”, consolidando e assegurando as re-existências, estimulando as reivindicações para que ninguém se dobre ao individualismo, à insana competitividade do sistema acadêmico e à tendência de as presenças negras serem direcionadas à objetificação do ser. Concluindo, a autora afirma que, tendo em vista, abraçando e abarcando outros saberes, estaremos prontos para as possibilidades de “criar outras formas metodológicas de ensino”.

Artigo

ALENCAR, A. E. V. Re-existências: notas de uma antropóloga negra em meio a concursos públicos para o cargo de magistério superior. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 64, n. 3, 2021. DOI:  https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2020.189647. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/189647. Acesso em: 11 nov. 2021.

Contato

Alexandra E. V. Alencar -Professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutora em Antropologia Social (PPGAS/UFSC), rainha do Maracatu Arrasta Ilha, pesquisadora do Núcleo de Identidades e Relações Interétnicas da UFSC (NUER/ UFSC) e do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades da UFSC (NIGS/UFSC), e coordenadora da Aláfia Casa de Cultura e mãe do Nagô e do Irê. e-mail: xanda.alencar@gmail.com

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