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Presidiárias: poemas, imagens e histórias

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

Muitas vezes, quando não se pode expressar pela fala, recorre-se à escrita. Muitos são os motivos para se ficar calado, um deles é quando se está em uma cadeia, preso, como parte de um mundo isolado e restrito. Escrever sobre o passado é registrar uma memória, que pode, depois, ser lida como história pessoal e social de uma determinada situação e época e, ao ser lida, proporcionar uma identificação, um alerta, um grito de socorro, de liberdade, material propício para análise de estudiosos, na tentativa de contribuição para entendimento, compreensão, estímulo e elaboração de ações e práticas auxiliadoras para quem escreve e quer ser lido e ouvido.

As lembranças de alguém não são só individuais, pois evocam situações e fatos vividos, de alguma maneira, com outros seres, retratando como consequência, peculiaridades de uma condição existencial, social, cultural e política, pois o consenso é que homem é um ser social. Dessa forma, nossa memória faz parte da memória coletiva. O conhecimento da história humana se dá pela herança da escrita, da palavra. Partindo desse pressuposto, o artigo da revista RuMoRes aborda a questão da importância da escrita dos excluídos, dos silenciados, “dos quase invisíveis” perante a sociedade.  “Privados da liberdade de ir e vir, vivem sob a custódia do Estado em unidades prisionais muitas vezes distantes de suas cidades de origem, condição que os deixa ainda mais isolados”, nas palavras dos autores.

Informa-se que, em 2020, 753.966 pessoas ocupavam as prisões brasileiras, uma maioria silenciosa que sentia a necessidade de expressar-se, de contar, de reclamar – da vida, de si mesmo, das situações, dos governos. Falar como? Ora, vamos escrever. Foram as mulheres presas que resolveram pôr em prática a decisão de fazer-se ouvir pela sociedade. Os autores do artigo propuseram-se a dar voz e visibilidade, divulgando e analisando uma coletânea de poemas de mulheres aprisionadas na Penitenciária Feminina da Capital (PFC), publicada em 2019 pelo Coletivo Poetas do Tietê. O livro escrito por elas, Sarau Asas Abertas, relata a vida “entre dois espaços até então intocáveis, o prisional e o extramuros”. 

A análise teve como base informações reais e efetivas da condição do atual sistema prisional brasileiro com o intuito de captar e perceber a conjuntura das mulheres que sobrevivem com a privação da liberdade. A análise do livro possibilitou a descoberta de meios de resistência “à invisibilidade e ao silenciamento por meio de seus textos e das imagens visuais que compõem suas capas e contracapas”. Como hoje o livro encontra fortes concorrentes digitais e tecnológicos, é necessário que algumas estratégias sejam postas em prática para se chegar ao leitor: visual atraente, fácil e agradável manuseio do papel, com enfoque na emoção e na informação desconhecida para quem está do lado de fora das prisões.

A desigualdade social ocasionada por poderes e governos autoritários marginaliza e “coisifica” o indivíduo; por isso, uma das maneiras de inclusão é investir em ações culturais e literárias, pois, no dizer dos autores, essa iniciativa pode “favorecer a reorganização de vínculos entre os sujeitos e sua interioridade e entre os sujeitos e a sociedade que exclui”, aproximando o ser de si mesmo e do mundo de fora das grades. Sarau Asas Abertas é a expressão de sentimentos, emoções e pensamentos aliando intuição e razão em uma contundente narrativa. As mulheres relatam as condições desumanas nas quais são tratadas na prisão, principalmente em relação “à separação violenta e ilegal dessas mulheres e de seus filhos”, e, não raro, algumas “dão à luz algemadas ou, ainda, no chão, sobre sacos de lixo”, como consta da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, em Porto Alegre.

No Brasil, os encarcerados, tanto homens quanto mulheres são negros e “não alcançaram os lugares reservados à população branca e hegemônica”, fato que “comprova o fracasso do Estado em promover igualdade social e bem-estar”. Sarau Asas Abertas é a voz das mulheres destituídas de sua liberdade que registra para elas e para o mundo suas próprias histórias, escritas por elas, não por outros, pois são protagonistas de suas próprias histórias. Essas mulheres, no livro, revelam toda sua criatividade e sensibilidade na medida em que tanto escrevem poemas como produzem desenhos para as ilustrações, capa e contracapa. Finalizando, os autores declaram: “O que nasceu intramuros ganhou espaço em esferas sociais mais amplas, garantindo a circulação de uma memória alternativa à oficial”. 

Artigo

HELLER, B.; MARTIN, V. L. de R.; BENAGLIA, A. W. M.; BARREIROS, F. M. S. Sarau Asas Abertas: memórias e resistência em forma de imagens visuais e de poemas. RuMoRes, v. 15, n. 29, p. 88-114, 2021. INSS: 1982-677X. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-677X.rum.2021.183750. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/Rumores/article/view/183750. Acesso em: 4 ago. 2021.

Contatos

Barbara Heller – Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista (Unip) e coordenadora do grupo Liberdades Poéticas. b.heller.sp@gmail.com

Vima Lia de Rossi Martin – Docente do curso de Letras na Universidade de São Paulo. vima@usp.br

Anderson William Marzinhowsky Benaglia – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista (Unip) e membro do grupo Liberdades Poéticas. anderson.wbe@hotmail.com

 Fernanda Mendes Soares Barreiros– Mestranda no Programa de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo e membro do grupo Liberdades Poéticas. fernandamsbarreiros@gmail.com

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