Call for papers - Dossiê: A violência nas escolas

2024-03-08

Amplamente divulgados pela mídia, os episódios recentes de violência extrema nas escolas brasileiras chocaram o país. Um incremento significativo destes episódios acendeu o sinal de alarme. Segundo informações do relatório Ataques de violência extrema em escolas no Brasil – causas e caminhos” (2023) (elaborado por uma equipe de pesquisadores, sob a coordenação da Professora Telma Vinha, da Unicamp), entre os anos de 2022 e 2023, ocorreram 21 episódios,  enquanto nos 20 anos anteriores foram  15. De hábito, de quadros como este resulta o risco do alarmismo e das soluções emergenciais.

Entre os vários méritos deste relatório, destaca-se sua capacidade em demonstrar a complexidade do problema e seu caráter necessariamente multifatorial na causação do fenômeno. São apontados fatores que incitam a violência, como a ampliação e facilitação do acesso por parte dos jovens às mídias digitais; a maior circulação de armas de fogo no espaço público; a insolvência da escola contemporânea, enquanto instituição capaz de realizar, em seu meio, um trabalho educativo que cultive a palavra em seu valor civilizatório, mediador das relações; os anos de reclusão domiciliar e isolamento social, provocados pela pandemia, que aumentaram o consumo das redes e telas e diminuíram o espaço das relações de convivência etc.

Em contraste com a lucidez deste relatório, e de outras iniciativas que seguiram a mesma recomendação de considerar a complexidade do fenômeno da violência, algumas autoridades governamentais não parecem ter dado provas da mesma lucidez e do mesmo rigor de análise. São raras as exceções, como o relatório Ataques às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental”, assinado por Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, da responsabilidade do Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, estabelecido pela Portaria 1.089 de 12 de junho de 2023.

Sustentadas por uma parte significativa da opinião pública, amedrontada com episódios tão violentos que poderiam encontrar em seus filhos a próxima vítima, ou mesmo um eventual agressor, algumas autoridades responderam à violência reduzindo-a a uma questão de “segurança pública”.   

Aumentar em quantidade e qualidade o policiamento e os dispositivos de segurança nas escolas e contratar maciçamente profissionais da saúde mental com a finalidade de identificar, rastrear e prevenir os potenciais casos de violência, são exemplos de respostas simplistas e de caráter reativo ao fenômeno. Com a adesão da população às respostas simplistas, a violência vai sendo percebida cada vez mais como uma tara, um resultado direto de um desvio de caráter e comportamento de um indivíduo com personalidade violenta, que nasceu assim ou que se deformou por uma má educação e que precisaria ser detido e/ou tratado. Contra ele justifica-se vigiar e punir. O casamento histórico entre os saberes e poderes médico e policial, já brilhantemente descrito e desenvolvido por autores como Foucault, faz sua nova aparição.

Vemos aqui, em contraste, dois modelos de compreensão do mesmo fenômeno. O primeiro percebe a questão da violência como da ordem da segurança pública. Seria mesmo “pública”, ou a própria questão do que é “público” se vê aqui eclipsada por trás do interesse privado? Entende-se que a resposta deve visar “sanar” o problema. O segundo vê a violência como expressão de uma complexidade psicossocial, de caráter socio dinâmico, entende que a resposta adequada deve visar “sanear” o problema. Lembremos que, se “sanar” é eliminar, extinguir, “sanear” é tratar, cuidar!

Entre tantas possibilidades, desde a psicanálise (em particular quando se dedica a pensar as questões da educação), poderíamos destacar alguns pontos e questões que se levantam neste vasto e complexo problema da violência na escola:

  • Seria a escola “palco” ou “alvo” desta violência? Para alguns, tratar-se-ia da mesma violência efetivada no tecido social mais amplo, apenas deslocada para a instituição escolar como uma instituição entre outras. Para outros, por aquilo que ela representa, a escola seria um alvo simbólico particular. A respeito deste ponto, um dado do relatório da Unicamp instiga a pensar no peso de experiências de sofrimento em sua escolarização, 100% dos autores destes atos violentos no espaço escolar tinham uma percepção ruim da escola;
  • O que dizer sobre as modalidades da violência presentes nestes casos? De fato, chama a atenção que as modalidades da violência sejam “adultiformes”. Na escola, lugar de crianças e jovens, sempre existiu a violência. Uma das tarefas capitais da educação consiste mesmo em elaborar – sanear - o que advém desta violência em prol dos fins educativos e civilizatórios. Mas tal violência, que sempre assumiu formas tipicamente infantis, como por exemplo, as brigas, as rivalidades, o bullying, os insultos etc., assume, agora, formas adultas como a violência à mão armada e os homicídios, os sequestros e agressões de caráter sexual etc. Ou, ainda, com o surgimento de novas formas de violência como os cancelamentos e os ataques violentos nas redes sociais. Depois, porque em sendo a escola um lugar de saneamento da violência, de construção de saídas simbólicas para os impulsos destrutivos, chama atenção que ela se torne, subitamente, um lugar próprio de violência. O que teria acontecido em termos da função simbólica da escola que a enverede por esta via?
  • O próprio ódio, elemento também estrutural da convivência humana e, portanto, presente no universo escolar, se vê agora transformado em “discurso de ódio”. As redes sociais que cultuam e incitam a violência, cada vez mais acessíveis e acessadas pelos jovens em geral - particularmente pelos autores dos episódios de violência ocorridos no período, como mostra o relatório citado - é um exemplo de dispositivo desse discurso do ódio. O ódio agenciado como um discurso é diferente do ódio como um elemento simples, pulsional do psiquismo humano. Como discurso ele tem método, dispositivo, e funciona fazendo laço, um tipo de laço que viabiliza relações de poder.

Para este dossiê, convidamos a(o)s autora(e)s para a compreensão e elucidação deste complexo fenômeno da violência nas escolas. Espera-se a contribuição daquela(e)s autora(e)s que já compreenderam a inadequação, e mesmo o perigo das respostas reativas e simplistas ao problema da violência e que, desde a psicanálise e suas interfaces com saberes afins à educação, possam articular sua reflexão.

Link para o envio: https://www.revistas.usp.br/estic/index

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