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A crise hídrica e as desigualdades no acesso à água

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP

Um bem natural privatizado a serviço das grandes corporações – A crise hídrica e as desigualdades no acesso à água

drops-of-water-578897_1920As leis brasileiras garantem, a todo cidadão, o direito ao uso da água, pois “é considerada um bem de domínio público”, essencial à vida humana. É o que voga na Política Nacional de Recursos Hídricos, a qual afirma ser a água ” um recurso natural limitado, dotado de valor econômico e que, entre os usos prioritários dos recursos hídricos, está o abastecimento humano”. Isso remete à gestão das águas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Ana Paula Fracalanza e Thais Magalhães Freire, em artigo publicado na revista GEOUSP – Espaço e Tempo, lançam o debate sobre a questão da injustiça ambiental na crise hídrica da Região Metropolitana de São Paulo. No artigo são abordados os problemas na gestão do Sistema Cantareira, a crise hídrica, e esta como sinônimo de desigualdade no acesso à água, e, em decorrência, a escassez, a privatização e a injustiça ambiental.

Injustiça por quê? Qual a relação entre a crise hídrica e injustiça ambiental? Como o não cumprimento de ações previstas na gestão do sistema pelos operadores do mesmo intensifica a injustiça ambiental e contribui para a mercantilização do recurso? Segundo as autoras, a resposta está no fato de a “população de mais baixa renda e mais vulnerável econômica e ambientalmente que tem mais dificuldade de acesso à água em quantidade e qualidade”. Já a população de mais alta renda consegue obter água mais facilmente, se bem que de maneira privada, o que ajuda a “acentuar o crescimento da apropriação privada da água como mercadoria, acentuando a privatização e a mercantilização de um bem comum”.

A Sabesp, desde 1974, é responsável pela utilização dos recursos hídricos do Sistema Cantareira para o abastecimento público da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e, após 30 anos, em 2014, começou-se a notar mudanças na gestão dos recursos hídricos, “com a inclusão de novos agentes que passaram a fazer parte da gestão da água”. ” A falta de decisão dos órgãos gestores diante da crise que já se anunciava” acabou gerando a decisão de importar-se água e investir-se em sistemas de tratamento avançados, no intuito de tratar a água de qualidade muito ruim e torná-la potável para servir ao abastecimento, “ao invés de priorizar a manutenção da qualidade de seus mananciais”.

Os conflitos pelos usos da água refletem as desigualdades sociais, de modo que alguns usos acabam prevalecendo sobre outros. E, sobretudo, esses conflitos dizem respeito a quem se destina a água, ou seja, a quem se apropria dela. Isso gera conflitos sociais por acesso, distribuição e apropriação da água, ou “pelo uso dos chamados recursos hídricos de uma forma mais igualitária pelas populações de baixa renda. Reclamar acesso igualitário de água poderia configurar a busca de justiça ambiental quanto à apropriação dos recursos hídricos”, afirmam Fracalanza e Freire.

Em tempos de escassez hídrica, pode-se dizer que as populações mais abastadas e com mais acesso à infraestrutura sanitária contam com melhores condições de obtenção da água, tanto dos recursos hídricos disponibilizados pelo governo quanto pela compra da água fornecida por agentes privados. Este é o caso da “água engarrafada, considerada alimento, cuja qualidade é controlada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”. Depois de engarrafada, a água é vendida e transforma-se em mercadoria dotada de valor. Apesar disso, explicam as autoras, “nem todos podem pagar para ter acesso à água para beber. Além disso, a água engarrafada não deveria substituir o abastecimento público, pois é um bem comum, segundo as leis brasileiras”.

Freire e Fracalanza esclarecem que a indústria privada da água aplaude o fato de os suprimentos de água doce do mundo estarem poluídos, pois, “mesmo que os líderes corporativos individuais não tenham prazer na crise global da água, é exatamente essa crise que está impulsionando os lucros em seu setor”. Quando a população de baixa renda é a que menos consome água, que menos gera lixo e tem o menor acesso ao saneamento básico, estamos diante de uma situação de injustiça ambiental na RMSP, na medida em que “a água distribuída pela empresa de abastecimento público não é acessível igualitariamente, e sua apropriação desigual incentiva o consumo da mercadoria água das grandes corporações”. Visto esse quadro crítico, “é preciso estabelecer-se estratégias para a população que mais sofre com o desabastecimento, a fim de não acentuar ainda mais a injustiça ambiental no acesso à água tratada”, porque, afinal, “todos dependem da água para viver”, alertam as autoras.

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Contato

Ana Paula Fracalanza. É professora doutora do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH – USP), do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (PROCAM – USP) e do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da Universidade de São Paulo (PROMUSPP – USP). A professora conta com experiência na área de Sociologia Urbana e de Geografia Humana, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando, principalmente, nos seguintes temas: gestão de recursos hídricos; política ambiental; apropriação e uso de recursos naturais. E-mail: fracalanza@usp.br

Artigo

FRACALANZA, Ana Paula; FREIRE, Thais Magalhães. Crise da água na Região Metropolitana de São Paulo: a injustiça ambiental e a privatização de um bem comum. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online), São Paulo, v. 19, n. 3, p. 464-478, dec. 2015. ISSN 2179-0892. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/103064/112861>. Acesso em: 22 june 2016. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2015.103064.

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