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Estudo mostra a resistência a dor entre homens na musculação como prova de masculinidade

Analisar o comportamento de um determinado grupo, seus costumes, suas ideias, posturas, crenças, descobrir os chamados “rituais de iniciação” capazes de “transformar pessoas de um status ou identidade social para outro“, são questões abordadas pelo artigo recentemente publicado na revista Saúde e Sociedade, na investigação dos rituais de iniciação a dor durante as práticas corporais relativas à musculação masculina. Esses ritos não são estanques, são continuamente transformados para que seus membros se reconheçam como pertencentes ao grupo, e, desse modo, o rito acompanha as ondas sociais, as mudanças inerentes à nossa sociedade atual, também nos âmbitos cultural e político.

A pesquisa partiu da “aplicação da teoria dos rituais para/com/no corpo em academias“, vivência realizada em academia localizada em bairro de baixa renda no Rio de Janeiro. Os autores ressaltam a importância da análise dos rituais de iniciação a dor para que o professor de educação física oriente corretamente os alunos nas academias. É preciso destacar, segundo o artigo, que, muitas vezes, “as noções de culto à dor estejam atreladas à identidade masculina marcada pelas perspectivas hegemônicas de cultos à violênciaser viril, agressivo, ativo, heterossexual, poligâmico, forte, resistente, competitivo e corajoso“. Não se quer somente transformar o corpo, pois a musculação se torna um espaço de compartilhamento de modos de vida dos/entre os frequentadores da referida academia, afirmando a masculinidade de cada um.

Os alunos da “academia de homem”, são, na maioria, negros ou pardos, com idades entre quinze e cinquenta anos, ensino fundamental incompleto, pertencentes às religiões evangélica ou afro-brasileira e, na maioria, são heterossexuais que exercitam, principalmente, a região do peitoral, costas e braços, divididos entre o grupo dos “marombeiros”- mais experientes ou veteranos -, e o grupo dos novatos ou iniciantes. Os autores observaram, entre os alunos, o “uso de esteroides anabolizantes, imposição de certas condutas na sala de musculação, formas de se vestir, incorporação de determinados vocabulários etc.” Aqui se compara o drama social da realidade dura de cada um e a capacidade de sentir a dor provocada pelos exercícios em um ritual de superação e força.

Nessa academia, quanto “menos cabelo”, mais visíveis os músculos, e até pequenos rasgos nas blusas são sinais de adesão ao grupo veterano. Ao mesmo tempo em que houve disputa para se descobrir quem suportava mais dores, “eles também atuavam não como adversários, mas como parceiros“, em um nítido estímulo de estar-se sempre em consonância com o ideal de “um homem de verdade”, em meio a frases como: “malhar na pegada de macho!”, “para malhar, é preciso fazer cara feia!”, “as mulherzinhas ficam em casa e não malham quando chove!” – clássicos chavões masculinos. Os alunos competem em tudo e temem tomar qualquer atitude que lhes atribua o rótulo de gay. Nesse contexto, os homens devem possuir apenas as seguintes características: “força, virilidade, ser ativo, provedor e, sobretudo, heterossexual poligâmico, preferencialmente resistente a qualquer tipo de dor“.

A noção de saúde corresponde à capacidade de suportar a dor das práticas corporais excessivas, em que os iniciantes, como em um ritual de iniciação, dispõem de um tempo para adaptação, com exercícios às vezes  “violentos” e “humilhantes”, pois assim são considerados homens com “H” maiúsculo, em momento de união e de identificação como pertencentes a um grupo social sobrevivente a dor física e às dores da vida, na “luta do dia a dia“, na resistência diante das baixas condições sociais, “ao suportarem mais dores e, assim, ascender na hierarquia local“. Concluindo, os autores recomendam: a intervenção em educação física perante essa problemática nas academias precisa contar com  profissionais preparados “em lidar com processos terapêuticos ou cuidados para/com/no corpo“. 

Artigo

SILVA, A.; FERREIRA, J. Rituais de iniciação a dor entre homens na musculação: etnografia de uma academia de ginástica. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 160-173, 2019. ISSN: 10.1590. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902019170698. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/160396. Acesso em: 03/09/2019. 

Contatos

Alan Camargo Silva – Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ. e-mail: alan10@zipmail.com.br

Jaqueline Ferreira – Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ. e-mail: jaquetf@gmail.com

Margareth Artur – Portal de Revistas USP

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