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RELEASE – Reis e rainhas do congo, santos católicos e saberes de antigos escravos

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

A congada de São Sebastião do Paraíso como recriação e preservação dos valores ancestrais africanos de antigos escravos no Brasil

A congada de São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais, é uma festa afro-descendente popular, que, a partir de influências portuguesas cristãs, resgata – em seus rituais e cultos -, memórias, valores e padrões culturais africanos, “por meio da homenagem a uma corte negra, uma África ancestral contraposta às emoções de dor e sofrimento atribuídas à escravidão“, conta Lilian Sagio Cezar, em artigo da Revista de Antropologia da Universidade de São Paulo. A autora  analisa, na congada, as memórias e “a criação de práticas religiosas, que ao longo de largo período de tempo, se  mantiveram relativamente secretas enquanto forma de conhecimento que identificam e hierarquizam atores sociais nesta  festa”.

As pesquisas, as observações dos rituais da congada de São Sebastião do Paraíso e as histórias de Fernando Aparecido Gonçalves, “capitão de terno e dançador, uma das lideranças mais respeitadas dentro da festa“, são o ponto de partida para a análise da autora sobre como “o  negro mudou as inflexões figuradas nas mensagens católicas proferidas durante a festa a partir de suas próprias lógicas cosmológicas. Assim, tais festas constituem hoje lócus sociais em que memórias, valores e padrões culturais puderam ser preservados e recriados“, explica a autora.

Durante a escravidão, o negro […] foi vigiado e coagido em suas capacidades criativas e inventivas […] O corpo constituiu, porém, o único meio e suporte do qual o negro escravo dispunha para ser, agir e se relacionar naquele contexto social” ; por isso, as festas de congada são tão importantes, afirma Cezar. Hoje, segundo ela, a congada de São Sebastião do Paraíso está inserida nas  festas do natal, louvando Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, São Domingos, Santa Catarina e São Jerônimo. “Tais santos são sequencialmente referenciados enquanto divindades que possuem caráter múltiplo, sendo, muitas vezes, assumidos como ancestrais comuns pelos dançadores.”

Assim, a autora analisa que a congada  é “o  resultado anual da bricolagem de rituais e valores religiosos que sintetizam elementos de um catolicismo arcaico às camadas de memórias de ensinamentos africanos que foram rememoradas e ressignificadas ao serem transmitidas pelos antigos escravos, considerados como ancestrais comuns pelos atuais dançadores da festa da congada”. Formada por grupos de dançadores chamados ternos, uma rainha perpétua, um rei congo, uma rainha conga, um vice-rei congo e duas princesas, a congada de Paraíso  permite a transmissão de conhecimentos e memórias da escravidão entre distintas gerações. De acordo com a autora, para os dançadores mais dedicados da congada, a memória é a capacidade pessoal e individual de construir para si um repertório embasado nos ensinamentos possibilitados pela festa, calcados nas mensagens e exigências feitas pelas almas, guias e santos articulados às experiências, vivências, expectativas e respostas que precisam ser interpretadas e compreendidas à luz da própria festa e de seus código!”

Aos santos são feitos pedidos e promessas ao mundo ” interditado aos vivos, solicitando a estas forças milagres” , “onde figuram os santos, orixás e almas ancestrais a partir de processos de cura e graça“, declara a autora, destacando que, ao homenagear os ancestrais, nos cortejos dos ternos de congo e moçambique, os “reis e rainhas de promessa” personificam ‘navios’ aptos a navegar pelo mundo dos ancestrais“, pela kalunga, “limiar entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, simbolizada pelas águas do rio ou do mar“.

Nesse contexto, Cezar afirma que, segundo o capitão Fernando, “o rei é a potência que tem poder de mando e que é denominada ‘navio'”, explicando, em seu depoimento à autora, o significado da canção de congada em homenagem à Princesa Isabel ou Santa Isabel: “Então essa Festa do Congado foi a indenização que os escravos recebeu, que a libertação de uma sempre moça que libertou os escravos, pediu ao pai que queria libertar os escravos. O rei não podia voltar a palavra atrás e foi onde foi libertados os escravos.” Concluindo, o capitão Fernando declara: “a congada foi a única indenização que os escravos receberam após a abolição da escravatura.”

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Artigo

CEZAR, Lilian Sagio.  A santa, o mar e o navio: congada e memórias da escravidão no Brasil. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 58, n. 1, p. 363-396, jan./jun. 2015. ISSN: 1678-9857. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/102111>. Acesso em: 18 ago. 2015.

 Contato

Lilian Sagio Cezar Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
E-mail: lsagio@hotmail.com

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