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Teatro Kabuki – Transgressão e perenidade na cultura japonesa

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP

Algumas das características da cultura japonesa são a discrição e a suavidade. Porém, quando o assunto é teatro a questão muda, principalmente quando se fala em teatro Kabuki, cujos atores em cena expressam arroubos de sentimento e atitudes visíveis na interpretação por vezes exagerada. O artigo da revista Estudos Japoneses tem como intuito analisar esse gênero artístico contando um pouco de sua história, da adaptabilidade do Kabuki e suas características que até hoje permanecem: o papel do ator e sua relação com o público, “o toque velado de transgressão e a inovação constante, corroborando o Kabuki como um teatro popular do seu início até a contemporaneidade“.

Tudo começou com as apresentações de dança e música em público de Okuni, uma sacerdotisa japonesa do século 17, que se vestia imitando um homem,  segundo a autora do artigo. Hoje se pode dizer que o Kabuki é um teatro para todos os públicos, que aos poucos se sofisticou como “teatro clássico japonês” que, no Ocidente, pela música diferente, a maquiagem carregada e os figurinos coloridos é tido como um teatro “exótico”.  O ocidental estranha o mie – apose” durante as peças, o momento em que o ator para por um instante em seu movimento, com a técnica que põe em evidência toda a expressividade – e o nirami, em que o olhar fixo de ambos os olhos do ator vira-se para o meio do rosto, tornando sua pose mais impactante.

Devido à associação entre prostituição e algumas atrizes do Kabuki, somente homens tinham a permissão de atuarem nesse tipo de representação teatral. A partir daí o Kabuki buscou um estilo próprio. Os ideogramas que formam a “palavra kabuki” significam “canto”, “dança” e “talento”, mas, no começo, partiu-se do “verbo kabuku”, que significa “ser excêntrico”, “desviar-se de uma norma”, “devassidão”. A dança do Kabuki lembra o movimento rítmico dos trabalhadores nas plantações de arroz ou na pesca, ou seja, é produto da realidade de uma população. Um pouco desprestigiado no início do séc. XX, o Kabuki se recuperou após o fim da Segunda Guerra Mundial, e, em 2016, Hatsune Miku, um dos maiores ícones pop musical da atualidade no Japão, personagem virtual, participou de um show chamado “chôkabuki”, ou o “Super Kabuki”.

Kabuki hoje – para quem? Com os meios de comunicação de massa revolucionando a cultura, “que futuro terá, então, o assim reconhecido teatro clássico japonês? questiona a autora, ressaltando que “a chave para a sobrevivência é a transformação” a  “adaptabilidade”, “referindo-nos a esta característica do gênero kabuki: a de se transformar para continuar a existir“. A representação teatral aponta, na verdade, o limite entre a cultura-fonte e o ponto da cultura-alvo – esse é o instante em que as duas culturas se cruzam, é a representação real e total do Kabuki.

A participação de um personagem virtual do show “SuperKabuki” tem como público-alvo não apenas os estrangeiros, mas os japoneses que fazem de Hatsune Miku um ídolo, tecnológico, tão famoso como foram os atores do Kabuki tradicional. Hoje, no Kabuki, observa-se o cruzamento de diferentes gerações e até de culturas. Um bom exemplo é o trabalho realizado por Kirk Nishikawa Dixon, um ator de Kabuki mestiço, um tabu para considerável número de japoneses, mas que acabou por divulgar o Kabuki aos estrangeiros. Atuou no filme The Lion, em que aborda justamente a questão da “identidade híbrida de um ator dividido – ou multiplicado?” – em duas culturas, de acordo com a autora, “uma transgressão”.

O surgimento dos “onnagatas”, nos séculos XVII e XVIII, homens representando papel de mulheres, também é considerado uma transgressão, de acordo com a autora, em se tratando da cultura japonesa, mostrando que a “identidade de gênero, pelo conceito moderno, não está no corpo, mas é o resultado mutável da performance”, na citação do historiador Andrew Gordon. Por outro lado, os “onnagatas” só surgiram porque as mulheres foram proibidas de atuar, muito devido à ligação com a prostituição. Hoje, a participação feminina no Kabuki vem sendo considerada, porém mantendo a posição dos “onnagatas” nas apresentações, assim como sendo aceitos atores sem tradição Kabuki. Alternando transgressão e adaptabilidade, é a relação de magia e encantamento do teatro Kabuki  com o público que o torna atemporal. 

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Artigo

SÁ, M. Teatro Kabuki – das origens à contemporaneidade. Estudos Japoneses, São Paulo, n. 38, p. 97-108, 2017. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ej/article/view/148814.

Contato

Michele Eduarda Brasil de Sá – Professora Adjunta da UFRJ/UFMS e-mail: michele_eduarda@ufrj.br

 

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