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O espaço e o tempo nos carnavais de São Paulo e Rio e o Boi-Bumbá de Parintins, no Amazonas

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

Os  Sambódromos de São Paulo e Rio de Janeiro, e o Bumbódromo de Parintins, no Amazonas, são palcos das escolas de samba paulistas, dos desfiles cariocas e do festival do boi-bumbá amazonense, possiblitando várias análises e aborgagens por parte dos estudiosos. Aqui trataremos de dois pontos de vista sobre o carnaval: para São Paulo temos um estudo da relação entre as escolas, seus territórios e a economia urbana, com as consequentes ações sociais voltadas ao atendimento das necessidades mais imediatas das comunidades, por meio das entidades carnavalescas; de outro lado, temos a análise cultural comparativa da natureza espetacular do carnaval carioca e o bumbá de Parintins, no Amazonas, fronteira com o Pará, com suas respectivas simbologias e ritos.

Vanir de Lima Belo, em artigo da revista Espaço e Tempo, conta-nos que, se “o carnaval das escolas de samba na cidade de São Paulo apresenta-se como um espetáculo da indústria cultural“, também é uma festa popular, em que “as escolas de samba desempenham diversas funções para sua comunidade […], além de fomentar uma série de relações sociais em suas atividades cotidianas“. A autora aborda como as escolas  “produzem cultura e fazem política, […], para se organizar e buscar formas de suprir suas necessidades“, e como as escolas se tornaram agentes de intervenção positiva do espaço, na medida em que “elementos importantes e contribuem para a criação e manutenção dos vínculos entre a população do entorno e a entidade“.

Já    a  proposta de Cavalcanti é a análise cultural de dois festivais populares contemporâneos: o desfile das escolas de samba no carnaval carioca, e o boi-bumbá de Parintins, Amazonas, comparando-os a partir da  noção de corporalidade, já que,  segundo ela, “essas festas populares são uma memorável experiência corporal“. A autora entende essas festas como “modos da ação coletiva“, um jogo de significados que abarca “linguagem, pensamento e mundo, sujeito e objeto” como “momentos críticos de experiência e elaboração de formas diversas de estar na história e na modernidade“. A proposta é apreender o uso dos sentidos da audição e da visão, focando sua análise “a partir do corpo e  com o corpo“, expressando o social e o coletivo das técnicas corporais.

O carnaval e o bumbá são ritos  que expressam símbolos de um determinado contexto cultural, e, de acordo com Cavalcanti, são “espetáculos reveladores em que tangenciamos o mundo e a nós mesmos, trazendo à superfície elementos de nossa vida abissal“. Constituindo-se como ritos de inversão, por serem democráticos, em uma sociedade bastante hierárquica, as festas, precisamente pela forma narrativa dos desfiles, mostram, na inter-relação entre a plateia e os integrantes, a riqueza da harmonia entre música, dança e artes visuais. Nascidas na década de 1920, as escolas de samba cariocas se transformam em “canais de expressão dos subúrbios e periferias“, nascidas como canal de expressão dos subúrbios e periferia. Por sua vez, o  Festival do Boi-Bumbá formalizou o confronto entre a parte oeste da cidade,  ou seja, entre o Boi Garantido – vermelho e branco com um coração na testa, e a parte leste – , o Boi Caprichoso – azul e preto com uma estrela na testa. Hoje, o Bumbódromo, construído em 1988, abriga a disputa realizada nos dias 28, 29 e 30 de junho em Parintins.

Se, no carnaval carioca, as alegorias “passam diante dos olhos”, e a impressão é de um “fluxo compacto que passa“,  no bumbá elas “acontecem”. Apesar de o carnaval carioca e o bumbá de Parintins serem festas profanas e estarem dentro do calendário cristão católico, a relação com o tempo, a serviço do homem, acontece de formas diferentes. No desfile carnavalesco, há prevalência do tempo sobre o espaço.  A autora nos conta que a escola passa e “cada pedaço é visualmente diferente, mas traz consigo sempre o samba que, igual a si mesmo, retorna sempre“. O enredo funciona apenas parcialmente como uma espécie de organizador da narrativa ritual.  Ninguém quer que o samba acabe, então “um samba-enredo é repetido inúmeras vezes ao longo do percurso ritual“, como “uma forma de querer a eternidade“.

No bumbá, o espaço prevalece sobre o tempo. O bumbá age na ocupação apoteótica  e integral da arena, cedendo lugar somente quando é hora da apresentação do boi rival. No entanto, essa apresentação não ocorre, como no desfile carnavalesco, ao longo de um espaço neutro pelo qual se passa. Vimos como uma escola não “ocupa” , ela passa, pois “parar seria perder“. A autora nos diz que o uso dos sentidos da visão e da audição nos dois festivais relaciona diferentes noções de tempo e de espaço. No carnaval das escolas,  “o tempo é transformado em puro fluxo e é representado desse modo através da neutralização e da linearidade do espaço ritual“, explica Cavalcanti. No  bumbá, o espaço ritual é transformado em território a ser ocupado.  O desfile se revolta contra a inexorável irreversibilidade dessa passagem da escola, valorizando  o instante que “se acabará em cinzas“.

O bumbá opera dentro de um sistema fechado e totalizador, consagrando um dualismo característico da cidade que o criou. O desfile, por sua vez, desenvolveu um esquema competitivo essencialmente aberto. Enfim, pode-se dizer que ” A natureza e o sucesso espetaculares de ambos os festivais repousam assim sobre consistentes bases culturais, aqui propostas à investigação antropológica da cultura popular contemporânea“, conclui a autora.

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Artigos
BELO, Vanir de Lima. Carnaval das escolas de samba da cidade de São Paulo: as imposições do mercado e as relações de lugar. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online), São Paulo, n. 34, p. 311-326, ago. 2013. ISSN 2179-0892. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/74951>. Acesso em: 03 fev. 2016. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2013.74951.

CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Os sentidos no espetáculo . Revista de Antropologia, São Paulo, v. 45, n. 1, p. 37-78 , jan. 2002. ISSN 1678-9857. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27148>. Acesso em: 03 fev. 2016.

Contatos
Vanir de Lima Belo. Mestre em Geografia, professora e coordenadora do curso de licenciatura em Geografia na Universidade Bandeirante de São Paulo. E-mail: vanirbelo@usp.br

Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. Professora titular do Departamento de Antropologia – IFCS/UFRJ. E-mail: laura@gmail.com www.lauracavalcanti.com.br

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