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“Loucos” e índios – A construção e afirmação de uma cidadania consolidada no reconhecimento da pluralidade

Geralmente, a ideia que nos surge à mente quando se fala em tutela é a de proteção, amparo e auxílio. O artigo da Revista de Direito Sanitário enfoca a palavra em relação a dois segmentos sociais: os índios e os chamados “loucos”, apresentando-nos uma outra visão da palavra referida acima: a de manipulação, de exclusão social, de violação de direitos humanos, “tanto em função das violações de direitos sofridas como pelo enfrentamento à normatização, normalização e estigmatização da diversidade“. Os autores procuram discutir o tema tendo como base o reconhecimento dos direitos de cidadania dos povos indígenas e das pessoas com transtornos mentais, “a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988“.

A tutela como manipulação e confinamento iniciou-se com a catequização religiosa, “com a conversão cristã e da ‘domesticação”para o trabalho“. No século XVIII, “toda internação dever ser precedida de interdição civil, pois a loucura passava a ser entendida como incapacitante para a vida civil“, uma vez patente a intolerância de uma sociedade que privilegiava a soberania do intelecto. Apesar de constituírem-se como movimentos sociais distintos, “loucos” e índios reivindicam a “construção e afirmação de uma cidadania fundada no reconhecimento da pluralidade” e da diversidade. Se desde a invasão portuguesa e de outros povos europeus os povos indígenas eram concebidos como insanos, desalmados e intelectualmente inferiores, “a significação de loucura como doença é algo recente na história ocidental.

Assim, ainda mais recentemente é a chamada “esteira legislativa” que inaugura novos paradigmas de direitos desses dois segmentos cuja participação foi historicamente afastada dos processos sociais. A Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência institui direitos de liberdade aos “loucos”, secularmente alijados, restituindo-lhes a capacidade civil. Em relação à experiência do sofrimento mental, o excesso de medicamentos, o isolamento e os tratamentos com aparelhos de choque, contudo, ainda são medidas existentes atualmente, e “a ocorrência especialmente das duas últimas retoma a ideia que a única possibilidade de existência para sujeitos internados é a total aniquilação da identidade pessoal, a mortificação do eu“.

Ressalta-se, no artigo, a reforma psiquiátrica, na intenção de recompor e inserir o sujeito em uma assistência de saúde mental tanto fora dos hospitais, “visando serviços em rede com base comunitária“quanto em outros contextos hospitalares, fatores que deram origem a uma política nacional de saúde mental. Em relação à população indígena, ressalte-se a luta pelo direito de esses povos manterem “suas próprias organizações sociais, usos, costumes, tradições, territórios e capacidade de autodefesa“. Apesar de maior participação indígena na sociedade, o fim jurídico da tutela da União sobre povos indígenas, afirmam os autores, “não significa o fim de formas de exercício de poder, de moralidade e de interação que se poderia qualificar de tutelares“.

Porém, os antigos paradigmas precisam e estão convivendo com novas práticas sociais, estimulando a interação e a autonomia como fatores inerentes da cidadania indígena. De outro modo, o trabalho e a geração de renda se configuram como um dos eixos emancipatórios concebidos pela Reforma Psiquiátrica, antecedida pela Lei n. 9.867/1956, que “dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais, visando à integração social dos cidadãos”. Emancipação e autonomia, seja das pessoas com transtornos mentais, seja dos povos indígenas, são imprescindíveis para a inclusão dos mesmos como cidadãos respeitados e agentes participativos da sociedade.

Artigo

JACINTO, A; ASSIS, A; MACDOWELL, P; DUARTE, T. Índios e loucos: sobre tutela, reconhecimento de direitos e desafios para a efetivação da cidadania no campo da saúde mental. Revista de Direito Sanitário, v. 19, n. 2, p. 14-35, 2018. INSS: 2316-9044. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v19i2p14-35. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/152557. Acesso em: 15 jul. 2019. 

Contatos

Andréa Borghi Moreira Jacinto – Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília e analista técnica de Políticas Sociais vinculada ao Ministério da Saúde e, atualmente, à Fundação Nacional do Índio. borghi1@yahoo.com.br

Adolpho Daltin Assis – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba e analista técnico de Políticas Sociais no Distrito Sanitário Especial Indígena Potiguara, Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, em João Pessoa. danieladolpho@gmail.com

Pedro de Lemos MacDowell – Especialista em Saúde Mental, Álcool e outras Drogas pela UNB  e analista técnico de Políticas Sociais no Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá-Tocantins, Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, em Belém. pedro.macdowell@gmail.com

Taia Duarte Mota – Mestre em Enfermagem pela Universidade de São Paulo e analista técnica de Políticas Sociais vinculada ao Ministério da Saúde, e, atualmente,  ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. taiaduarte80@gmail.com

Release de Margareth Artur – Portal de Revistas USP

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