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A nivelação do gosto musical na indústria de massa e a proposta de construção de novos hábitos

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

Ouvir significa o mesmo que escutar? Não, pois embora as duas palavras sejam sinônimas, elas têm significados diferentes, sobretudo quando o assunto é música no mundo contemporâneo, onde o que impera é a padronização, a nivelação do gosto e até a maneira de pensar, formando os hábitos auditivos. Como fica o ensino de música em uma sociedade “imersa no adestramento sensorial para o consumo de massa“? A padronização, a satisfação imediata e o consumo  desenfreado no mundo de hoje, cada vez mais tecnológico, gerou um controle, um “adestramento na percepção […] ao  promover  um  estado  quase  permanente  de  distração e de entretenimento“.  Apresentar opções que recuperem um pensar crítico, passando da escuta desconcentrada, distraída, a uma escuta concentrada que “articula, interpreta, compreende e constrói um pensamento a partir do que se ouve”, é o tema do artigo recém-publicado na  Revista da Tulha.

Se ouvir é um ato involuntário, a autora afirma que “o modo como se ouve é particular, singular e consiste na construção interpretativa do ser humano” é escutar. Mas, hoje, há muitos estereótipos assolando nossos ouvidos, o “reconhecimento do sempre igual, rejeitando aquilo que se diferencia do padrão, da percepção do novo“. Se a sensibilidade é

responsável por  nossas escolhas,  determinando  a construção  do  gosto  e  de nosso ” juízo estético”, na sociedade capitalista a construção dos hábitos de audição e formação musical está repleta de reflexos condicionados,  gerada  em padrões como repetição e aceitação: ” da repetição (imitação) ao reconhecimento, do reconhecimento à aceitação. Com esse paradigma […], não há quem escape da influência e do controle da indústria da cultura“.

Atualmente, observa-se que a canção popular urbana, saturada de estereótipos, contribuiu para a “padronização e mudanças nos hábitos de audição com a estagnação de padrões como a estrutura de distração, ligada à mecanização do trabalho“, nas palavras da autora, e o entretenimento passa a ser uma forma de relaxamento uniforme, sem esforço de atenção e concentração. A padronização musical para o consumo de massa, especialmente em relação à canção popular, levou a uma redução dos parâmetros básicos das dimensões estruturais que compõem a música (altura, duração, intensidade e timbre), dos  atributos de expressão (andamento, dinâmica e articulação) e dos princípios poéticos musicais como repetição, contraste e variação.

Nesse cenário, Camargo aponta a importância da reinserção da música como disciplina nas escolas, as quais é bom contar com um conteúdo curricular musical que abranja  a história da música e da arte,  salientando a postura crítica do educador em contribuir na construção de bons hábitos da audição,  preservando a diversificação do gosto musical dos alunos, em um “processo vivo, dinâmico e mutável, de análise, interpretação e escolha, preparando-os para o desenvolvimento futuro de seu juízo estético, na valorização da música enquanto linguagem“, com o objetivo de adquirir um “pensamento crítico por meio da invenção, apreciação/especulação e práticas musicais“, que possibilite, ao aluno, “ouvir, escutar, interpretar, compreender, julgar e escolher“.

Normalmente, as informações auditivas do dia a dia mantêm nossa percepção “em estado de alerta e consciente do ambiente ao redor“, afirma a autora.  Mas, em um mundo em que o consumo pelo consumo inverte essa percepção, vive-se em um “permanente estado de alienação“, já que não estamos alertas, e sim apáticos, privados de nossa capacidade de reagir, “tornando-nos suscetíveis ao controle dessa estrutura industrial“. Consequentemente, tornamo-nos presas da apatia que interfere em nossa escuta musical, gerando um estado dedesatenção e distração,  passividade, destruindo a vontade, exaurindo os sentidos, anestesiando nossa capacidade de pensar[…]”, de escutar. Essa apatia permite que o consumismo atue com um controle suave, que “não se efetua mais pelo constrangimento disciplinar nem pela sublimação, mas sim, pela auto-sedução”.

O antídoto contra essa situação provocada pela indústria da cultura é encontrada no “universo provocativo e transgressor da arte, que para ser apreciada necessita da concentração, do esforço consciente da percepção e de um pensar crítico […]“, no incentivo da coragem para experimentar, imaginar e inventar, atividades inatas em qualquer criança. Camargo  explica: “Celulares, tablets, etc., todos conectados à internet, tornam os consumidores passivos, obedientes e incapazes de escolherem seu caminho“; por isso, é importante  que  a  escola  interfira  na  saúde  do “escutar”, na quebra da sedução, alienação e entorpecimento dos  sentidos, para que o aluno desenvolva  um sentir não padronizado.

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Artigo

CAMARGO, Cristina Moura Emboaba da Costa Julião de.  Ouvir é escutar? Revista da Tulha, Ribeirão Preto, SP, v. 1, n. 1, p. 264-277, jan.-jun. 2015. Disponível em:  https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/107707.  Acesso em: 30 nov. 2015.

Contato

Cristina Moura Emboaba da Costa Julião de Camargo.  Mestre e doutora em Artes – Musicologia pela ECAUSP, e Profa. Dra. Efetiva em Regência e Coral na Universidade Estadual de Santa Catarina-UDESC, Florianópolis. E-mail: crisemboaba@usp.br

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