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Os reality shows e o desafio da Esfinge

Release de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP, São Paulo, Brasil

rieb

Pesquisadora analisa os reality shows como fantasia e espelho da sociedade que supervaloriza o ganho a qualquer custo

Vivemos em um mundo no qual a competição é o que estimula não só o trabalho, as relações sociais e o comportamento, mas também o lazer, e o que importa, aí, não são os resultados, bons ou maus, mas sim o “fazer”, a ação em si, a qualquer preço, incessantemente, pois, “… sob o risco de tornarmo-nos fantasmas, nos é vetada a possibilidade de parar”.

Esse é o contexto por trás das análises de Silvia Viana, que apresenta, em seu artigo recém-publicado na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB, algumas conclusões de sua pesquisa de doutorado sobre os reality shows, cuja tônica é o confinamento. A autora desenvolve a hipótese de os reality shows serem exemplos de nossa “fantasia social”, ou seja, a “nossa reprodução do mundo de trabalho, organizado segundo a acumulação capitalista flexível”, em que cada vez mais o objetivo é competir.

A autora lança mão, para seu estudo, de Esfinge, história de Laerte Coutinho e o resgate do mito “Decifra-me ou devoro-te”, comparando todos nós a “átomos submersos na concorrência de mercado”, incapazes de questionar, ao mesmo tempo em que mostra uma sociedade também incapaz de responder a questionamentos sobre os problemas humanos, pois “a quais questões a vida em nossa sociedade busca responder?… essa é uma pergunta difícil,… pela percepção prática da inexistência do sujeito em questão: a sociedade”, analisa Silvia.

Apesar disso, em uma tal sociedade, não é permitido desistir, nota a pesquisadora, pois você precisa continuar no jogo, custe o que custar, sabendo que: “… A vida é dura, adapte-se a isso e busque sobreviver”. Os programas Big Brother, No Limite, A Fazenda, por exemplo, são reflexos desse processo, porque o que impera, nesses acontecimentos, é somente a “sobrevivência ante o descarte inelutável“, já que, tanto nos reality shows brasileiros quanto nos americanos, a “remuneração-prêmio” é sempre o mesmo – mais trabalho: um emprego na TV, por exemplo, um sonho de consumo “pelo qual há que se ‘lutar’ a qualquer preço, para conseguirmos permanecer trabalhando ou para ‘arrumar trabalho‘”.

O artigo também salienta que nos reality shows não há critérios para a eliminação, pois “o juiz é ‘o povo’… e seus desígnios são da ordem do imponderável”, ou seja, alguém é eliminado por ser de um jeito, mas também é eliminado por ser o contrário. Esse caos é somado ao isolamento, à punição e às bárbaras regras e imposições a que os jogadores, na “jaula de vidro”, são submetidos. E isso se dá porque é a sociedade que produz e consome tais programas, veiculando a crueldade e a violência em que os participantes obedecem a um ritual sem conteúdo, pois “nossa vida, submetida ao capitalismo flexível se converteu em um cada um por si desprovido do Deus por todos”, “os mártires da sobrevida sem transcendência se ajoelham sem fé”.

“Todos eles, todos nós, estamos simplesmente correndo atrás… fugindo da eliminação aleatória…”, nos programas ou na vida – resta saber até quando viveremos na “fantasia social”. Será que ainda faremos a pergunta certa à Esfinge? Não enquanto o ser humano ainda estiver “em função do ganho como finalidade da vida, não mais o ganho como meio destinado a satisfazer suas necessidades materiais,… invertendo a ordem ‘natural’ das coisas”, ressalta Silva Viana.

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Artigo

VIANA, Silvia. Jaula de vidro. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 60, p. 91-109, mai. 2015. ISSN 2316-901X. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/97693>. Acesso em: 06 Jul. 2015. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i60p91-109.

Contato

Silvia Viana – Doutora pelo Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), professora do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV), autora do livro Rituais de sofrimento (São Paulo, Boitempo, 2012), integrante do Conselho Editorial da Revista Forma-mercadoria e autora-colaboradora do Blog da Boitempo.

E-mail: silvianarodrigues@gmail.com

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